Por: Alderi Souza de Matos
A Reforma
Protestante do século 16 despertou a cúpula da Igreja Católica do estado de
letargia espiritual e omissão pastoral em que se encontrava. A reação católica
teve duas manifestações complementares. Por um lado, Roma empenhou-se em
combater o novo movimento, detendo o seu crescimento e procurando suprimi-lo
onde fosse possível, como aconteceu na Espanha e na Polônia, Esse esforço
recebeu o nome de Contra-Reforma. Por outro lado, a Igreja Romana, consciente
das distorções espirituais e morais apontadas pelos reformadores, fez uma
autocrítica rigorosa e um esforço sério no sentido de corrigir seus erros,
aperfeiçoar sua estrutura e explicitar melhor sua fé, Esse aspecto é denominado
pelos historiadores de Reforma Católica. Nos dois esforços, os papas tiveram
uma atuação destacada,
Até o início
da década de 1530, o trono pontifício continuou a ser ocupado por homens excessivamente
envolvidos em questões seculares e políticas. Essa situação mudou quando
Alessandra Farnese tornou-se o papa Paulo III (1534-1549). Farnese nomeou uma
comissão de cardeais que avaliou a situação da igreja e propôs medidas
saneadoras, entre elas que o papado se concentrasse nas suas tarefas
espirituais e deixasse em segundo plano a preocupação com o poder, a opulência
e a dignidade terrena. Outras duas grandes realizações de Paulo III foram a
aprovação formal da nova ordem dos jesuítas ou Companhia de Jesus (l 540) e a
convocação do Concílio de Trento (1545-1563):
Esse famoso
concílio afastou definitivamente qualquer possibilidade de conciliação com os
protestantes. Desde então, o catolicismo conservador e militante tem sido
designado como "trídentino" (de Trento). Entre as suas muitas e
importantes resoluções, o concílio reafirmou o papel dominante dos papas na
vida da igreja. Outros destacados pontífices da era de Trento foram Giovanni
Pietro Caraffa (Paulo IV, 1555-1559) e Giovanni Angelo Mediei (Pio IV,
1559-1565). Este último tem seu nome ligado a uma importante declaração de fé
católica, o Credo de Pio IV ou Profissão de Fé Tridentina, que deve ser
afirmada por todos os convertidos ao catolicismo. Esses papas reformadores
contribuíram decisivamente para tornar a Igreja Católica uma instituição mais
coesa, organizada e disciplinada, bem como dotada de uma clara identidade
doutrinária. Um fato revelador é que por mais de trezentos anos nenhum outro
grande concílio seria convocado até o Vaticano I.
Nos séculos
17 e 18, as antigas ligações entre a Igreja Católica e as autoridades seculares
continuaram a criar problemas para os papas, O Concílio de Trento contribuiu
para a centralização do poder no papado e isso não foi bem recebido em muitas
partes da Europa devido ao crescente nacionalismo e ao absolutismo real. A
oposição ao conceito de uma igreja centralizada sob a autoridade papal recebeu
o nome de galicanismo, por haver se manifestado mais fortemente na França, a
antiga Gália. Assim, somente em 1615, os decretos de Trento foram promulgados
nesse país. Até mesmo dentro da Igreja houve galicanos, isto é, aqueles que
acreditavam que a autoridade eclesiástica residia nos bispos, e não no papa.
Por outro lado, os defensores da autoridade suprema dos papas foram chamados de
ultramontanistas, porque buscavam essa autoridade "além das
montanhas" (os Alpes). Outro golpe recebido pelo poder papal foi a
supressão da ordem dos jesuítas, um poderoso instrumento das políticas
pontifícias. Após ser expulsa de Portugal, Espanha e França, bem como de suas
colônias latino-americanas, a Sociedade de Jesus foi dissolvida em 1773 pelo
papa Clemente XIV. Assim, ironicamente, enquanto os papas insistiam na sua
jurisdição universal, eles estavam de fato perdendo poder e autoridade.
Um golpe
ainda mais devastador contra o papado foi desferido pela Revolução Francesa
(1789). Desde o início houve um profundo conflito entre a Igreja e o ideário
republicano da revolução. Assim, logo que tomou o poder, o novo governo
procurou enfraquecer o papado e suprimir a Igreja na França. Dois papas da
época sofreram bastante nas mãos do novo regime. O primeiro foi Giovanni Angelo
Braschi ou Pio VI (1775-1799). Em 1798, o exército francês ocupou Roma,
proclamou uma república e declarou que o papa não mais era o governante
temporal da cidade. Pio VI morreu no ano seguinte, virtualmente como
prisioneiro dos franceses. Seu sucessor, Barnaba Chiaramonte, eleito papa Pio
VII (1800-1823), inicialmente foi deixado em paz. Todavia, em 1808, Napoleão
tomou a cidade de Roma e o papa foi feito prisioneiro por vários anos, até a
queda do soberano francês em 1814. Pouco depois de retornar a Roma, Pio VI
restaurou a Sociedade de Jesus.
A memória da
Revolução Francesa reforçou o conservadorismo político e teológico dos papas e
sua consequente oposição às ideias republicanas e democráticas que viriam a ser
cada vez mais amplamente aceitas no mundo ocidental. Essa atitude alcançou a
sua expressão máxima no cardeal Giovanni Maria Mastai-Ferretti, que, como papa
Pio IX, teve o mais longo pontificado da história (1846-1878). Pio IX enfrentou
um novo problema, que foi o nacionalismo italiano e a luta pela unificação da
Itália, até então subdividida em muitos principados, um dos quais eram os antigos
estados pontifícios, Um desses líderes nacionalistas foi Giuseppe Garibaldi,
que casou-se com a brasileira Anita Garibaldí. Em 1870, as tropas do novo Reino
da Itália tomaram os estados papais e assim chegou ao fim o poder temporal dos
papas, que havia atingido o seu auge no pontificado de Inocêncio III, no século
13.
Ao mesmo
tempo que perdia o seu poder político, Pio IX acentuou fortemente as suas
prerrogativas na área religiosa. Sua ousadia tornou-se patente quando, pela
bula Ineffabilis, proclamou o dogma
da imaculada concepção de Maria (1854), Com isso, ele foi o primeiro pontífice
a definir um dogma por si mesmo, sem o apoio de um concílio. Dez anos depois,
Pio promulgou a encíclica Quanta cura (1864) e seu famoso apêndice, o Sílabo de Erros. Suas oitenta
proposições condenaram explicitamente, entre outras coisas, o protestantismo, a
maçonaria, a liberdade de consciência, a liberdade de culto, a separação entre
a igreja e o estado, a educação leiga e, em geral, o progresso e a civilização
moderna. Sua última grande realização foi o Concílio Vaticano I (1870), o qual,
através do decreto Pastor aeternus,
proclamou o controvertido dogma da infalibilidade papal. Essa infalibilidade
ocorreria quando o papa fala ex cathedra,
isto é, no exercício oficial do seu cargo, definindo questões de fé e moral.
Não por coincidência, isso ocorreu no mesmo ano em que a Itália anexou os
estados pontifícios.
A Igreja
Católica e seus pontífices começaram lentamente a aceitar o mundo moderno com o
papa Leão XIII (1878-1903). Embora ainda marcadamente conservador, a ponto de
declarar na bula Immortale Dei que a
democracia era incompatível com a autoridade da igreja, ele deu uma série de passos
construtivos no relacionamento com diversos governos europeus. Sua realização
mais notável foi a encíclica Rerum
novarum (1891), na qual expressou o pensamento social da Igreja e fez uma
corajosa defesa dos direitos dos trabalhadores no contexto da revolução
industrial e do capitalismo em expansão.
Um período
especialmente conturbado para a Igreja Católica e para os seus líderes foi a
época das duas guerras mundiais. Em sua repulsa do comunismo antirreligioso e
ateu, e em sua preocupação com a defesa dos interesses da igreja, os pontífices
do período acabaram estabelecendo fortes laços com regimes de extrema direita
em diversos países da Europa. Em 1929, Pio XI (1922-1939) assinou uma
concordata com o ditador fascista Benito Mussolini, o Tratado de Latrão,
mediante a qual foi criado o Estado do Vaticano. Ele também apoiou o regime de
Francisco Franco na Espanha. Mais problemática foi a concordata com Adolf
Hitler em 1933, vista por muitos observadores internacionais como uma aprovação
tácita do regime nazista. Todavia, em 1937, Pio XI publicou a encíclica Mit brennender Sorge ("com viva
ansiedade"), contendo severas críticas ao nacional-socialismo,
Seu
secretário de estado, o cardeal Eugênio Pacelli, sucedeu-o no trono pontifício
como papa Pio XII (1939-1958), ao mesmo tempo em que eclodia a II Guerra
Mundial. Esse papa tem sido severamente criticado por seu silêncio diante das
atrocidades cometidas pelos nazistas contra os judeus, mesmo convertidos ao
catolicismo. No campo doutrinário, ele proclamou o dogma da ascensão corporal
de Maria (1950), Paradoxalmente, esse papa conservador tomou iniciativas que
contribuíram para as grandes mudanças que viriam a acontecer na igreja após a
sua morte. Ele incentivou o uso dos novos métodos de estudo bíblico por meio da
encíclica Divino afflante Spiritu (1943),
bem como valorizou e estimulou as igrejas localizadas fora da Europa,
Um dos
períodos mais extraordinários da história da igreja e do papado teve início com
a eleição do idoso cardeal Angelo Giuseppe Roncalli como papa João XXIII
(1958-1963). Convencido da necessidade de uma ampla atualização (aggiornamento] da igreja, ele convocou o
Concílio Vaticano II, formalmente instalado no dia 11 de outubro de 1962. Esse
importante concílio, que teve expressiva participação de bispos do terceiro
mundo, aprovou resoluções sem precedentes nas áreas de renovação litúrgica,
preocupação com os pobres e diálogo interconfessional. As duas últimas
preocupações já haviam sido expressas respectivamente na encíclica Mater et Magistra e na criação do
Secretariado para a Promoção da Unidade Cristã. Seu sucessor, o cardeal
Giovanni Battista Montini (Paulo VI, 1963-1978), embora mais contido, deu
continuidade ao Concílio Vaticano II, no interesse de "construir uma ponte
entre a Igreja e o mundo moderno". A "Constituição Pastoral sobre a
Igreja no Mundo Moderno" foi o documento mais longo já produzido por um
concílio e contrastou profundamente com certas ênfases do século anterior.
Paulo VI
também publicou a controvertida encíclica Humanas
vitae (1968), que proibiu aos católicos o uso dos métodos de controle
artificial da natalidade.
A eleição do
último papa do século 20, em 1978, foi um acontecimento não menos momentoso
para a Igreja Católica e para o mundo ocidental. O polonês João Paulo II (Karol
Jozef Wojtyla) é o primeiro papa não italiano desde o século 16. Sua atuação
corajosa contribuiu para a derrocada do comunismo em sua pátria e no Leste
Europeu, Em 1981, ele sobreviveu a um grave atentado na Praça de São Pedro, É
também o papa que mais se deslocou pelo mundo afora, tendo feito quase uma
centena de viagens internacionais. Dotado de sólido preparo intelectual, tem
publicado inúmeras encíclicas, abordando temas éticos, sociais e teológicos: Redemptor hominis (1979), Dives in misericordia (1980), Sollicitudo rei socialis (1988), Veritatis splendor (1993), Evangelium vitae (1995), Ut unum sint (1995). Por outro lado,
representa um recuo conservador em relação aos seus predecessores, como ficou
evidenciado na sua atitude em relação à teologia da libertação, nas suas
interferências diretas em muitas organizações da igreja e, em geral, no seu
entendimento exaltado da autoridade papal.
No seu
conjunto, o papado tem sido uma instituição predominantemente benéfica para a
Igreja Católica, dando-lhe um notável senso de unidade, propósito e identidade.
Muitos pronunciamentos papais sobre temas sociais e éticos têm sido altamente
relevantes em um mundo secularizado e materialista. Suas fraquezas têm sido o
envolvimento político e um estilo de liderança nem sempre condizente com as
normas dadas por Cristo aos pastores do seu rebanho. Finalmente, é de se
lamentar que justamente essa instituição seja o maior obstáculo para uma maior
aproximação entre os cristãos, visto que a autoridade pontifícia é rejeitada
não somente pelos protestantes, mas pela Igreja oriental, que tem raízes tão
antigas e apostólicas quanto a Igreja latina.
---
Fonte:
Revista Ultimato. Ano XXXIV - Nº 269 - Março/Abril de 2001. Editora Ultimato. Viçosa - MG, págs. 50-51.
Fonte:
Revista Ultimato. Ano XXXIV - Nº 269 - Março/Abril de 2001. Editora Ultimato. Viçosa - MG, págs. 50-51.
Nenhum comentário:
Postar um comentário