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sábado, 18 de junho de 2016

O Realismo/Naturalismo: características gerais

O Realismo/Naturalismo: características gerais

Contexto histórico
Quando muitos fatores se entrecruzam num determinado período, fica difícil caracterizá-lo, É o que acontece em relação à segunda metade do século XIX.
Alguns aspectos do período precisam ser examinados, para que possamos compreender melhor as manifestações artísticas que nele tiveram lugar:

Sociedade
A aristocracia e o clero deixam, pouco a pouco, de desempenhar o papel de orientadores da vida política. A classe média, com costumes e aspirações muito diferentes da aristocracia, passa a ocupar o primeiro plano no cenário histórico.
Num primeiro momento, classe média e operariado estiveram unidos contra a aristocracia. Mais tarde, ocorre a separação entre esses dois segmentos sociais e o proletariado começa a se organizar.
Essas condições propiciaram o aparecimento do Manifesto Comunista de 1848, em que Marx e Engels analisam a situação do proletariado e apontam soluções para os problemas detectados.

Economia
"O dinheiro é a grande força que domina toda a vida pública e privada e (...) todos os direitos passam a se exprimir através dele. Tudo, para ser compreendido, tem que se reduzir a um denominador comum: o dinheiro" (Arnold Hauser).
Essas palavras demonstram muito bem que nesse período assiste-se à vitória do capitalismo industrial.
Nesse tipo de economia, tenta-se anular a interferência humana sobre os empreendimentos financeiros. A empresa passa a ser considerada como um órgão autônomo, que leva em conta apenas seus próprios interesses e objetivos. As circunstâncias pessoais, individuais, têm pouca ou nenhuma importância.
As classes assalariadas encontram-se em situação muito difícil, pois trabalham em condições miseráveis e, além disso, não participam das vantagens do grande progresso industrial da época.

Ciência
Conheça algumas descobertas científicas que datam dessa época: a utilização do éter na anestesia, a assepsia, a teoria microbiana das doenças, a descoberta dos microrganismos responsáveis pela sífilis, malária e tuberculose, a descrição dos hormônios, a identificação da energia mecânica e do eletro-magnetismo. Bastam esses exemplos para demonstrar que o progresso cientifico do período foi muito intenso.
Na análise dos fenômenos da realidade, contava-se, então, com um recurso muito mais preciso: a ciência. A consequência é óbvia: derrota z: idealismo e vitória do ponto de vista científico na compreensão e analise do mundo.
Darwin publica sua obra Origem das espécies, onde expõe a teoria da evolução das espécies pela seleção natural, questionando, portanto, a existência de Deus.
Como se vê, a segunda metade do século XIX marca-se pela crença no progresso científico da civilização industrial e mecânica. O escritor francês Flaubert assim se pronunciou sobre sua época:
"... a tendência agora é manter-se dentro do campo dos fatos e de nada mais do que dos fatos".

Filosofia
Já que os métodos utilizados nas ciências exatas tinham apresentado bons resultados, tenta-se aplicar esses mesmos métodos à filosofia. Por isso, as concepções filosóficas da época apresentam um caráter materialista. A análise filosófica da realidade, segundo se propunha, deveria partir da observação dos fatos. Obviamente, essa concepção filosófica adequava-se com muita precisão a uma sociedade que produzia e valorizava, sobretudo, os bens materiais.
A principal corrente filosófica do período é o positivismo, que considera válido apenas o conhecimento do mundo que esteja baseado em fatos e na experiência.
A vida e a cultura desse momento histórico baseiam-se no materialismo e na ciência.
Esse período histórico recebe o nome genérico de Realismo.

Manifestações artísticas

Pintura
A arte do Realismo procura representar o mundo sem idealismos ou sentimentalismos.
Percebe-se ainda que os artistas assumem uma posição política: a arte passa a ser um meio de denunciar uma ordem social que consideram injusta, tornando-se uma manifestação de protesto em favor dos oprimidos.
As pessoas das classes menos favorecidas — o povo — tornam-se motivo frequente da pintura realista.
A respeito desse pintor, conta-se o seguinte: "... Napoleão III chicoteou um de seus quadros, que representava uma robusta camponesa que emergia nua de um lago. Este terrível pedaço da verdade estava muito distante da pintura erótica em voga, mascarada de exotismo. Não era uma bailarina árabe, nem uma ninfa grega, mas uma figura popularesca, recendente a suor" (Gênios da pintura. Abril Cultural, volume 2, p. 128).
As personagens representadas nas telas realistas são inspiradas nos indivíduos das classes menos favorecidas. Os artistas, além de incorporarem a rudeza, a fealdade, a vulgaridade dos tipos que pintam, também os elevam à categoria de heróis.
Realismo/Naturalismo é o nome com que se costuma identificar o conjunto da produção literária da segunda metade do século XIX, surgida no contexto que acabamos de estudar. Essa literatura sofre influência desse contexto, ora refletindo-o, ora criticando-o.
Um estilo sempre resulta de dois fatos:
a) a atitude do artista diante da realidade;
b) aquilo que o artista entende que é função da arte.
De acordo com a concepção materialista do período, o homem é um ser submetido às mesmas leis que regulam o resto dos elementos do mundo.
O artista aceita que o objetivo principal de sua atividade é conhecer e analisar o mundo com exatidão. Por isso, o artista realista-naturalista procura assumir uma atitude científica diante da realidade que deseja transportar para sua obra.
Daí decorrem duas atitudes fundamentais:
a) Observação e análise são os instrumentos utilizados no lugar do sentimento e da imaginação.
b) O artista procura nivelar sua posição à do cientista.
Por isso, o que se espera da obra de arte nesse período é a reprodução fiel do que foi observado e analisado no mundo físico ou espiritual.
O artista não deve mais expressar sua subjetividade, como fizera no Romantismo. Se a realidade apresenta, por exemplo, aspectos feios, asquerosos, não cabe ao artista idealizá-los, mas apresentá-los de maneira objetiva. A expressão da verdade é o que comanda a atividade artística.
Essa atitude gera as características principais da literatura realista-naturalista:
a) Objetividade: o narrador deve ser imparcial e impessoal diante dos fatos e seres incorporados em sua obra.
b) Semelhança das personagens com o homem comum: as personagens criadas pelos escritores realistas-naturalistas devem aproximar-se do homem comum, com todos os seus contrastes. Em resumo: são personagens não-idealizadas.
c) Condicionamento das personagens ao meio físico e social: nos romances realistas e naturalistas — especialmente nos últimos —, a personagem aparece condicionada a fatores naturais (temperamento, raça, clima) e a fatores culturais (ambiente, educação). Grande parte do comportamento dessas personagens é, por isso, determinada pelo ambiente em que vivem.
d) Lei da causalidade: as atitudes das personagens sempre têm uma explicação lógica ou científica. Dificilmente nos romances desse estilo vão ocorrer acasos e "milagres".
e) Detalhismo: na descrição do espaço e das personagens, o escritor realista-naturalista procura selecionar detalhes que retratem fielmente a realidade, para aumentar a sensação de veracidade.
f) Linguagem mais simples que a dos românticos: observa-se no escritor realista-naturalista uma nítida preferência por períodos curtos.
g) Preferência pela narração em vez da descrição. 
---Fonte:
Língua Portuguesa: Volume 2, por: Carlos Emílio Faraco e Francisco Marto de Moura. Editora Ática. São Paulo, págs. 178-182.

A obra de Vinícius de Moraes

A obra de Vinícius de Moraes
Examinando a trajetória poética de Vinícius de Moraes, é possível apontar o misticismo religioso do primeiro momento que, aos poucos, vai cedendo lugar à incorporação do cotidiano que rodeia o poeta. Entre esses dois polos, aparecem os poemas que enfatizam sobretudo a figura feminina.
A religiosidade aparece nos dois primeiros livros, sobretudo em O caminho para a distância (1933). A melancólica expressão da preocupação religiosa é o tom dominante. O amor físico aparece com conotação de pecado. O primeiro livro de Vinícius acabaria sendo eliminado pelo próprio autor de sua antologia poética, por ter sido julgado uma obra imatura.
Veja um fragmento de um poema desse livro:
A ti, Senhor, gritei que estava puro
E na natureza ouvi a tua voz.
Pássaros cantaram no céu.
Eu olhei para o céu e cantei e cantei.

 A eleição da mulher como tema principal começa a se notar a partir de Ariana, a mulher (1936), longo poema publicado como livro. A figura feminina, envolta em sensualidade e erotismo, vai se firmar cada vez mais nos livros seguintes.
A MULHER QUE PASSA
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
em sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O cotidiano incorpora-se definitivamente em Poemas, sonetos e baladas (1946). A linguagem também se modifica, tornando-se mais coloquial:

A UM PASSARINHO
Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
e é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.

Deixa-te de histórias
Some-te daqui.

EPITÁFIO
Aqui jaz o Sol
Que criou a aurora
E deu a luz ao dia
E apascentou a tarde.

O mágico pastor
De mãos luminosas
Que fecundou as rosas
E as despetalou.

Aqui jaz o Sol
O andrógino meigo
E violento, que

Possui a forma
De todas as mulheres
E morreu no mar.

A poesia de Vinícius adquire conotação sociopolítica em poemas como "A bomba atômica", "A rosa de Hiroxima" e o conhecidíssimo "O operário em construção", do qual transcrevemos um fragmento:
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, panela, janela
Casa, cidade; nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

É necessário lembrar ainda que Vinícius retoma o soneto na melhor tradição camoniana. Seus sonetos, que se encontram dispersos ao longo de toda a obra, são considerados pela crítica como a melhor parte da produção poética desse autor. São bastante conhecidos: "Soneto de separação", "Soneto do amor total", "Soneto do maior amor" e "Soneto de fidelidade", que transcrevemos a seguir:

SONETO DE FIDELIDADE
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer de amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

O que marcou o final de sua trajetória poética foi a escolha da música popular como veículo para uma poesia cada vez mais comunicativa:

SERENATA DO ADEUS
(Música e letra de Vinícius de Moraes)
Ai, a lua que no céu surgiu
Não é a mesma que te viu
Nascer nos braços meus...
Cai a noite sobre o nosso amor
E agora só restou do amor
Uma palavra: adeus...

Ah, vontade de ficar
Mas tendo de ir embora...
Ai, que amar é se ir morrendo
Pela vida afora
É refletir na lágrima
O momento breve
De uma estrela pura
Cuja luz morreu...

Ó mulher, estrela a refulgir
Parte, mas antes de partir
Rasga o meu coração...
Crava as garras no meu peito em dor
E esvai em sangue todo o amor
Toda a desilusão...

Ah, vontade de ficar
Mas tendo de ir embora
Ai, que amar é se ir morrendo
Pela vida afora
É refletir na lágrima
O momento breve
De uma estrela pura
cuja luz morreu
Numa noite escura
Triste como eu...


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Fonte:
Língua Portuguesa: Volume 3, de Carlos Emílio Faraco e Francisco Marto de Moura. Editora Ática. São Paulo, 20ª Edição, 1993, págs. 218-220.