O Realismo/Naturalismo: características
gerais
Contexto histórico
Quando
muitos fatores se entrecruzam num determinado período, fica difícil
caracterizá-lo, É o que acontece em relação à segunda metade do século XIX.
Alguns
aspectos do período precisam ser examinados, para que possamos compreender
melhor as manifestações artísticas que nele tiveram lugar:
Sociedade
A
aristocracia e o clero deixam, pouco a pouco, de desempenhar o papel de
orientadores da vida política. A classe média, com costumes e aspirações muito
diferentes da aristocracia, passa a ocupar o primeiro plano no cenário
histórico.
Num primeiro
momento, classe média e operariado estiveram unidos contra a aristocracia. Mais
tarde, ocorre a separação entre esses dois segmentos sociais e o proletariado
começa a se organizar.
Essas
condições propiciaram o aparecimento do Manifesto Comunista de 1848, em que
Marx e Engels analisam a situação do proletariado e apontam soluções para os
problemas detectados.
Economia
"O
dinheiro é a grande força que domina toda a vida pública e privada e (...)
todos os direitos passam a se exprimir através dele. Tudo, para ser
compreendido, tem que se reduzir a um denominador comum: o dinheiro"
(Arnold Hauser).
Essas
palavras demonstram muito bem que nesse período assiste-se à vitória do
capitalismo industrial.
Nesse tipo
de economia, tenta-se anular a interferência humana sobre os empreendimentos
financeiros. A empresa passa a ser considerada como um órgão autônomo, que leva
em conta apenas seus próprios interesses e objetivos. As circunstâncias
pessoais, individuais, têm pouca ou nenhuma importância.
As classes
assalariadas encontram-se em situação muito difícil, pois trabalham em
condições miseráveis e, além disso, não participam das vantagens do grande
progresso industrial da época.
Ciência
Conheça
algumas descobertas científicas que datam dessa época: a utilização do éter na
anestesia, a assepsia, a teoria microbiana das doenças, a descoberta dos
microrganismos responsáveis pela sífilis, malária e tuberculose, a descrição
dos hormônios, a identificação da energia mecânica e do eletro-magnetismo.
Bastam esses exemplos para demonstrar que o progresso cientifico do período foi
muito intenso.
Na análise
dos fenômenos da realidade, contava-se, então, com um recurso muito mais
preciso: a ciência. A consequência é óbvia: derrota z: idealismo e vitória do
ponto de vista científico na compreensão e analise do mundo.
Darwin
publica sua obra Origem das espécies,
onde expõe a teoria da evolução das espécies pela seleção natural,
questionando, portanto, a existência de Deus.
Como se vê,
a segunda metade do século XIX marca-se pela crença no progresso científico da
civilização industrial e mecânica. O escritor francês Flaubert assim se
pronunciou sobre sua época:
"... a
tendência agora é manter-se dentro do campo dos fatos e de nada mais do que dos
fatos".
Filosofia
Já que os
métodos utilizados nas ciências exatas tinham apresentado bons resultados, tenta-se
aplicar esses mesmos métodos à filosofia. Por isso, as concepções filosóficas
da época apresentam um caráter materialista. A análise filosófica da realidade,
segundo se propunha, deveria partir da observação dos fatos. Obviamente, essa
concepção filosófica adequava-se com muita precisão a uma sociedade que
produzia e valorizava, sobretudo, os bens materiais.
A principal
corrente filosófica do período é o positivismo, que considera válido apenas o
conhecimento do mundo que esteja baseado em fatos e na experiência.
A vida e a
cultura desse momento histórico baseiam-se no materialismo e na ciência.
Esse período
histórico recebe o nome genérico de Realismo.
Manifestações artísticas
Pintura
A arte do
Realismo procura representar o mundo sem idealismos ou sentimentalismos.
Percebe-se
ainda que os artistas assumem uma posição política: a arte passa a ser um meio
de denunciar uma ordem social que consideram injusta, tornando-se uma
manifestação de protesto em favor dos oprimidos.
As pessoas
das classes menos favorecidas — o povo — tornam-se motivo frequente da pintura
realista.
A respeito
desse pintor, conta-se o seguinte: "...
Napoleão III chicoteou um de seus quadros, que representava uma robusta
camponesa que emergia nua de um lago. Este terrível pedaço da verdade estava
muito distante da pintura erótica em voga, mascarada de exotismo. Não era uma
bailarina árabe, nem uma ninfa grega, mas uma figura popularesca, recendente a
suor" (Gênios da pintura.
Abril Cultural, volume 2, p. 128).
As
personagens representadas nas telas realistas são inspiradas nos indivíduos das
classes menos favorecidas. Os artistas, além de incorporarem a rudeza, a fealdade,
a vulgaridade dos tipos que pintam, também os elevam à categoria de heróis.
Realismo/Naturalismo
é o nome com que se costuma identificar o conjunto da produção literária da
segunda metade do século XIX, surgida no contexto que acabamos de estudar. Essa
literatura sofre influência desse contexto, ora refletindo-o, ora criticando-o.
Um estilo
sempre resulta de dois fatos:
a) a atitude
do artista diante da realidade;
b) aquilo
que o artista entende que é função da arte.
De acordo
com a concepção materialista do período, o homem é um ser submetido às mesmas
leis que regulam o resto dos elementos do mundo.
O artista
aceita que o objetivo principal de sua atividade é conhecer e analisar o mundo
com exatidão. Por isso, o artista realista-naturalista procura assumir uma
atitude científica diante da realidade que deseja transportar para sua obra.
Daí decorrem
duas atitudes fundamentais:
a)
Observação e análise são os instrumentos utilizados no lugar do sentimento e da
imaginação.
b) O artista
procura nivelar sua posição à do cientista.
Por isso, o
que se espera da obra de arte nesse período é a reprodução fiel do que foi
observado e analisado no mundo físico ou espiritual.
O artista
não deve mais expressar sua subjetividade, como fizera no Romantismo. Se a
realidade apresenta, por exemplo, aspectos feios, asquerosos, não cabe ao
artista idealizá-los, mas apresentá-los de maneira objetiva. A expressão da
verdade é o que comanda a atividade artística.
Essa atitude
gera as características principais da literatura realista-naturalista:
a) Objetividade: o narrador deve ser
imparcial e impessoal diante dos fatos e seres incorporados em sua obra.
b) Semelhança das personagens com o homem comum:
as personagens criadas pelos escritores realistas-naturalistas devem
aproximar-se do homem comum, com todos os seus contrastes. Em resumo: são
personagens não-idealizadas.
c) Condicionamento das personagens ao meio
físico e social: nos romances realistas e naturalistas — especialmente nos
últimos —, a personagem aparece condicionada a fatores naturais (temperamento,
raça, clima) e a fatores culturais (ambiente, educação). Grande parte do
comportamento dessas personagens é, por isso, determinada pelo ambiente em que
vivem.
d) Lei da causalidade: as atitudes das
personagens sempre têm uma explicação lógica ou científica. Dificilmente nos
romances desse estilo vão ocorrer acasos e "milagres".
e) Detalhismo: na descrição do espaço e das
personagens, o escritor realista-naturalista procura selecionar detalhes que
retratem fielmente a realidade, para aumentar a sensação de veracidade.
f) Linguagem mais simples que a dos românticos:
observa-se no escritor realista-naturalista uma nítida preferência por períodos
curtos.
g) Preferência pela narração em vez da
descrição.
Língua Portuguesa: Volume 2, por: Carlos Emílio Faraco e Francisco Marto de Moura. Editora Ática. São Paulo, págs. 178-182.