Os Cristãos e o Plebiscito
Por: Robinson
Cavalcanti
O Plebiscito
Os cristãos
brasileiros - juntamente com os demais cidadãos - por disposição da Constituição
federal de 1988, estão sendo chamados a se pronunciar, no próximo dia 21 de
abril, em um plebiscito sobre o sistema
de governo (presidencialismo x parlamentarismo), e sobre a forma de governo (monarquia x
república) mais adequados ao País. Nessa consulta não estão em discussão nem a
forma de Estado (federalismo), nem o regime
político (democracia), nem o sistema
econômico (capitalimo) ora vigentes.
Há na
motivação dos constituintes a busca de legitimidade institucional diante do
golpe de Estado militar que derrubou a monarquia e o parlamentarismo em 1880,
um julgamento do desempenho histórico da república e do presidencialismo, e a
necessidade de um aprofundamento em nossa caminhada democrática antes da ampla
revisão constitucional que teremos a partir de outubro próximo.
As mudanças
legais não terão implicações materiais imediatas: não aumentarão o pão na mesa
do pobre, mas terão um valor de longo alcance: a clareza das regras do jogo
democrático. E, nossa posição no plebiscito exige uma consciência cristã
informada e responsável.
Os Sistemas de Governo
Os sistemas
de governo são modalidades de um regime. No caso da democracia são eles: o colegiado
(apenas aplicado na Suíça), o presidencialismo e o parlamentarismo.
a) O presidencialismo
O protótipo
do presidencialismo é o modelo dos Estados Unidos: maior separação entre os
poderes executivo, legislativo e judiciário, com predominância do executivo,
cujo titular o exerce à base de um mandato popular temporário, acumula a Chefia
de Estado e a Chefia de Governo e não pode ser destituído por julgamento
político, mas apenas por crimes de responsabilidade no instituto do impeachment. O sistema se baseia em uma
chefia pessoal forte, que centraliza e agiliza as decisões, jogando os partidos
políticos um papel secundário.
A
experiência norte-americana, com suas peculiaridades, é a única bem sucedida. O
presidencialismo foi adotado nos países sob influência dos Estados Unidos,
porém de tradição cultural autoritária (América Latina, Libéria, Filipinas,
Coreia) servindo, na maioria das vezes, como mero anteparo legal para o
caudilhismo, o populismo e o militarismo.
No Brasil o
presidencialismo foi adotado, por influência do positivismo e do liberalismo
conservador, a partir da Constituição de 1891. A marca desses 102 anos de nossa
história política tem sido a instabilidade (golpes, renúncia, suicídio), com
apenas dois presidentes eleitos democraticamente, terminando seus mandatos e
passando a faixa para os seus sucessores em igual condição (Dutra e Juscelino),
sem que seus antecessores ou sucessores tivessem igual performance. A demasiada
soma de poderes tende a criar executivos imperiais, sem sólida base partidária
e de traumático processo de remoção.
b) O parlamentarismo
O
parlamentarismo se origina na longa experiência política britânica de redução
dos poderes dos nobres e aristocratas em favor dos "comuns", por meio
de uma casa legislativa representativa fortalecida. Com variações locais, o
sistema é adotado na maioria das democracias estáveis atuais. Nele o mandato é
conferido ao partido e não aos indivíduos, o conselho de ministros tem que ter
base partidária parlamentar e pode ser destituído se não andar bem por meio de
simples voto de desconfiança. Pratica-se a fidelidade partidária, os eleitores aprendem
a valorizar mais os programas do que o "charme" ou o messianismo das
estrelas políticas. Em caso de impasse entre o gabinete e o parlamento, este
poderá ser dissolvido pelo chefe de Estado e convocadas novas eleições
legislativas.
O mais
importante é a separação entre a figura do Chefe de Estado (rei ou presidente),
de caráter arbitrai, moderador, simbólico, suprapartidário e o Chefe de Governo
(primeiro-ministro), líder do partido ou coalização com maioria, responsável
pela condução política e administrativa.
No Brasil o
parlamentarismo teve uma experiência positiva no Segundo Reinado (dentro das
condições da época) e uma experiência "insincera" (61-63), como forma
de se contornar a ameaça de um golpe militar.
As
experiências do Japão, Itália, Portugal, Espanha e Grécia demonstram a
possibilidade do parlamentarismo dar certo em países de tradição autoritária,
e a experiência da índia comprova que
ele pode funcionar em país pobre. É a
experiência parlamentarista que gera uma burocracia técnica e partidos fortes,
e não o contrário.
As Formas de Governo
O conceito
usado no plebiscito não se refere à distribuição teórica da autoridade de
mando, mas às peculiaridades do titular do executivo. O presidencialismo é
intrinsecamente republicano, enquanto que o parlamentarismo pode existir tanto
com a monarquia (Grã-Bretanha, Suécia, Holanda), quanto com a república
(Alemanha, Itália, Áustria). Nesse caso, o parlamentarismo funcionaria de forma
idêntica, alterando-se apenas não as funções, mas as características do Chefe
de Estado: um rei permanente ou um rei "a prazo fixo" (como já foi
denominado o presidente parlamentarista).
No passado a
monarquia era associada a regimes autoritários e a república a regimes
democráticos. Hoje se vê que essa associação não é procedente: há monarquias
democráticas (Espanha) e absolutistas (Arábia Saudita) e repúblicas
democráticas (França) e ditatoriais (Haiti).
No Brasil as
elites e o estamento militar, por influência do positivismo, possuem convicções
republicanas, enquanto a cultura popular (rei do baião, rainha dos baixinhos,
roupas "nobres" nas escolas de samba) tem fortes raízes monárquicas.
A Casa de Bragança está dividida em um ramo progressista (Petrópolis) e um ramo
conservador (Vassouras).
Cremos que a
opção parlamentarista - seja ela republicana ou monárquica -representará um
salto de qualidade, uma revolução cultural em nossa política, quando as ideias,
as propostas e a organização serão mais importantes do que os chefes iluminados.
Com figuras paternais (maternais) na chefia do Estado, quem desejar ver
Brizola, Maluf, Lula, Covas, Quércia ou ACM na chefia de governo que vote em um
deputado do seu partido, para que eles venham a ser primeiros-ministros
responsáveis e não magestáticos salvadores da pátria.
Contribuição Cristã
Nenhum
segmento da sociedade pode concorrer para a democratização do Estado se não se
democratizar internamente. Nem as formas políticas dos tempos bíblicos, nem a
busca de chancela celestial para formas de governo eclesiástico autocráticas e
historicamente explicáveis, nem a submissão ao autoritatismo de nossas raízes
culturais ajudam esse propósito. É preciso conhecer a contribuição dos cristãos
para a desconcentração do poder, do saber, da renda e da propriedade. Sem
inquisições formais ou informais, mas na prática do pluralismo e no respeito às
opiniões divergentes estaremos dando vida ao nosso voto no plebiscito. Uma
igreja democrática em um país democrático.
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Fonte:
Revista Ultimato. Ano XXVI - Nº 221 - Março de 1993. Editora Ultimato. Viçosa - MG, págs. 12-13.
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