Incêndio no Joelma
As chamas que consumiram o edifício Joelma,
no coração da cidade, na manhã de 1° de fevereiro de 1974, marcaram
definitivamente a memória de São Paulo. O arranha-céu, recém-inaugurado, acabou
sobrevivendo. Depois de uma longa reforma foi novamente ocupado e destinado às
funções originais de prédio comercial e de garagens.
O Joelma mantém-se como uma espécie de marco
da cidade, cravado diante da praça da Bandeira, no chamado "centro
velho" de São Paulo. A praça, naquela manhã de 74, recebeu milhares de
pessoas, que se aço to velaram para acompanhar o drama do incêndio.
Como num filme-catástrofe, homens e mulheres
atiravam-se dos andares em chamas, enquanto bombeiros tentavam salvar vidas e
helicópteros faziam manobras arriscadas para resgatar sobreviventes no último
andar.
A imprensa e os meios de comunicação
dedicaram uma cobertura itensa à tragédia. Não era a primeira do gênero. Apenas
dois anos antes, um outro edifício, também no centro de São Paulo, fora tomado
pelas chamas — o Andraus. No próprio dia do acontecimento, a Folha chegou às
>ancas com uma edição extraordinária em cores. No dia seguinte, o jornal dedicou
16 páginas ao episódio — que ocupou toda sua primeira página, capítulo de
"20 Textos que Fizeram História" reúne as principais reportagens da
edição do dia posterior ao do incêndio.
Nas cinzas do Joelma, 185 mortos
"Alfa,
Hotel e Eco" — três números da linguagem cifrada usada pela polícia e
transmitidos em código a todos os pontos da cidade — revelaram ontem, às 19h30,
a existência de 185 mortos em consequência do mais trágico incêndio já ocorrido
em São Paulo.
A essa hora,
grande parte do efetivo de l .450 homens do Corpo de Bombeiros e 2 mil guardas
de trânsito ainda estavam mobilizados para o rescaldo do antes imponente
edifício Joelma, localizado no número 225 da avenida 9 de Julho, na praça da
Bandeira e orientando milhares de motoristas que, com seus carros, tentavam passar
nas proximidades daquele local. Enquanto isso, no Instituto Médico Legal,
apenas 25 dos 185 corpos para lá levados tinham sido identificados; e o número
de feridos, encaminhados aos diversos hospitais públicos ou particulares, quase
chegava a 250.
O fogo
começou às 9 horas, no 12º andar do edifício, que tem 26 pavimentos e onde
funcionava a Crefisul, uma companhia de investimentos que emprega ali 1.053
funcionários. Quem primeiro notou que algo de grave ocorria foi Conceição
Ventri, telefonista do vizinho Hotel Cambridge, que imediatamente avisou os
bombeiros. Estes chegaram 20 minutos depois, mas somente após a vinda dos
helicópteros foi possível pensar-se no salvamento de dezenas de pessoas que,
lembrando-se da tragédia do Andraus — em 24 de fevereiro de 1972 — , subiram
para o topo do prédio.
Repetiram-se,
então — e com muito mais gravidade — as cenas dramáticas de dois anos atrás: 14
helicópteros, cujos pilotos, sem exceção, devem ser elogiados por sua extrema
dedicação, tentavam, inutilmente, descer no terraço. Porém, só um conseguiu a
proeza, embora pairando a cerca de um metro do chão: foi o SH-1D, da FAB,
pilotado pelo major-aviador Sérgio Pradatsky, que repetiu a façanha umas 30 vezes,
salvando com sua tripulação cerca de cem pessoas.
Até as 13
horas, as labaredas eram vistas a sair do interior do prédio, palco, também, de
atos heroicos por parte dos bombeiros ou simples anônimos e de cenas de
incrível desespero, quando algumas dezenas de pessoas, não suportando a fumaça
e o calor, se atiravam do alto sob o estupefato olhar de milhares de pessoas
que se postavam nas proximidades, desesperadas também por nada poderem fazer.
Às 17 horas,
era resgatado o último sobrevivente, o engenheiro Kiril Petrov, da Crefisul,
que justamente ontem, por ironia do destino, iria apresentar à empresa um plano
para colocação de escadas de incêndio ao redor do edifício.
Na madrugada
de hoje, enquanto o IML recontava os mortos, o Serviço Funerário do Município
se desdobrava na preparação de mais caixões; e, nos cemitérios das vilas Alpina
e Formosa, os coveiros trabalhavam na preparação de novas sepulturas.
O prefeito
Miguel Colasuonno, referindo-se à tragédia, disse que não se deve esperar tudo
dos poderes públicos e que os próprios moradores dos edifícios devem melhorar
seus sistemas de segurança.
Hm detalhe:
o edifício Joelma foi concluído em julho de 1973, mas tinha sido vistoriado em
24 de novembro de 1972, pelo tenente Luís Vitiello, dos bombeiros (projeto nº
627/68).
Para o
capitão Hélio Caldas, que repetiu no Joelma as heroicas proezas do Andraus, a
cidade só não chora mais mortos devido à "capacidade de Improvisação
própria do brasileiro".
O relato do repórter que viu tudo, desde o início
"Eu
estava na Secretaria de Turismo da Prefeitura, no 12º andar da Camará
Municipal, as 9 horas, quando senti um forte cheiro de fumaça, que penetrava
pelas janelas. De início senti um certo pânico e até um medo, que me percorreu
o corpo, como um arrepio. No entanto, pela movimentação das pessoas que estavam
comigo e que, nesse momento, ungiam ao terraço da Câmara, percebi que havia um
incêndio, num prédio próximo da Câmara, pois estavam todos olhando em direção à
rua Santo Antônio. Algumas mulheres
choravam e muitos funcionários da Câmara, ajoelhados, rezavam. Peguei uma
máquina fotográfica e subi no terraço.
"Havia
uma fumaça negra invadindo o céu. A situação era de desespero total. Bastante
nervoso, comecei a fotografar o prédio que estava sendo Incendiado. Naquele
momento (devia ser umas 9 horas e 10 minutos) havia muita gente saindo
normalmente do prédio, correndo para a calçada e abraçando-se às pessoas que assistiam
o incêndio. O fogo atingia somente um dos andares do prédio (depois da
garagem). Desse andar, duas pessoas pularam, depois de tentar inutilmente
descer pelas (anelas. Os bombeiros ainda não haviam chegado.
"A
queda das duas pessoas provocou uma reação de desespero total. Algumas
funcionárias da Câmara correram em pânico para suas salas do trabalho e,
durante muito tempo, encostadas em suas mesas, choraram.
"Rapidamente,
o fogo começou a tomar conta do prédio inteiro, transformando-o numa chama
amarelada. Mesmo assim, pude observai! que havia movimentação de pessoas, na garagem,
tentando retirar automóveis. Das janelas, muitas pessoas pulavam, gritando desesperadas.
Calculo que umas 15 pessoas tenham pulado das janelas que, a essa altura,
estavam desabando. O terraço do prédio já estava superlotado. As pessoas se
deitavam junto ao parapeito e acenavam com roupas para nós, que estávamos no
terraço da Câmara Municipal. Nesse instante (por volta das 9 horas e 20
minutos, mais ou menos) os bombeiros chegaram, primeiro pelo lado da avenida 9
de Julho, para depois atingir a Santo Antônio. O trânsito dificultou
terrivelmente sua chegada, principalmente no vale do Anhangabaú.
"No
lado da rua Santo Antônio chegaram dois carros-tanques, que começaram a jogar
água. No entanto, as mangueiras não atingiam mais do que os primeiros andares.
Isso causou nas pessoas que estavam nos andares mais altos um verdadeiro caos.
"Duas
escadas Magirus foram .colocadas ao lado da rua Santo Antônio, mas, como as
mangueiras só conseguiam atingir os primeiros andares, a operação com as
escadas Magirus foi bastante demorada e difícil. Muitos bombeiros que subiam
pelas escadas tinham de se livrar de cacos de vidros, reboco e objetos, os mais
variados, que caíam ou eram jogados pelas janelas. Quando as pessoas que
estavam nos andares não atingidos pelas escadas viram a situação, começaram a
saltar. Vi uma delas caindo em cima de uma das escadas.
"A
partir daí, apareceram vários helicópteros. O primeiro deles foi o da Pirelli.
Os helicópteros desceram no heliporto da Câmara Municipal, tendo em vista, a
impossibilidade de atingir o terraço do prédio incendiado, onde havia muita
fumaça e chamas bastante altas. Pude notar que nenhum dos aparelhos tinha
escada, corda ou guincho para tentar resgatar as pessoas que estavam no
terraço.
"Muitas
pessoas que estavam no terraço do prédio desmaiaram. Intoxicadas pela fumaça
preta, elas não resistiram, apesar de taparem o nariz e a boca com lenços e
mesmo roupas rasgadas. Através da teleobjetiva, vi a morte de perto. No
terraço, as pessoas sufocadas pareciam estar numa câmara de gás, morrendo sem
poder 'esboçar qualquer reação. Senti que minhas mãos tremiam muito e focalizar
a tragédia já estava se tornando difícil para mim, pois meus nervos já estavam
no fim. Senti um gosto de náusea na boca, uma vontade de 'fechar os olhos. Mas
continuei fotografando. Até que guardas da PM chegaram ao terraço da Câmara
Municipal e pediram para evacuar todo o prédio. Todos os funcionários da Câmara
Municipal, Secretaria de Turismo e Tribunal de Contas saíram para as ruas.
"Obrigado
a descer, apesar de ter insistido com alguns soldados da PM para me deixarem no
terraço fotografando, abandonei o local com uma angústia terrível. A caminho da
redação, onde tinha pressa de deixar minhas fotos, não consegui apagar da
memória aquela visão das pessoas pulando do prédio.
"O
trabalho dos bombeiros foi muito difícil, principalmente por falta de meios e
equipamentos adequados para salvamento em grandes incêndios, como o que
assisti. Esse fato causou muita revolta em todos nós que assistimos o incêndio.
Houve até o rompimento de mangueiras, o que dificultou muito o trabalho de
salvamento. O clima de confusão foi total. Pudemos observar, no entanto, a
coragem dos bombeiros. Alguns deles, por exemplo, subiram em prédios vizinhos
na tentativa (inútil) de atingir o l nédio em chamas.
"A
impossibilidade de salvar as pessoas foi, na realidade, o detalhe mais i mel do
incêndio, pois todos nós fizemos o papel de espectadores, sem poder fazer nada
de concreto para salvar vidas humanas. Isso me revoltou Incrivelmente. As
pessoas que estavam comigo, acompanhando o incêndio, tinham os olhos vermelhos
de lágrimas e de muita fumaça que, cora o vento, chegava até nós. Saímos todos
psicologicamente arrasados. Nunca me senti tão deprimido, como pessoa humana.
Principalmente porque nunca, nos meus 40 anos de vida, eu tinha visto a morte
tão próxima. É uma experiência que não quero repetir nunca mais."
Um Homem Tranquilo
"Através
da minha teleobjetiva vi a morte de perto". Esse é o depoimento de José
Carlos dei Fiol, paulista de Tatuí, 40 anos, casado, pai de dois filhos
menores. Jornalista da Folha há 13
anos, Del Fiol estava na Secretaria de Turismo, no 12º andar da Câmara
Municipal de São Paulo, e acompanhou todo o incêndio do edifício Joelma. Com a
câmara na mão, ele fotografou toda a tragédia, desde as 9 horas tia manhã.
"Algumas fotos", conta Del Fiol, "podem estar tremidas, pois,
quando comecei a ver as pessoas se atirarem cio prédio, senti um estranho medo
me percorrer o corpo e minhas mãos tremeram''.
Bastante
nervoso, fumando muito, Del Fiol, considerado pelos colegas Ide Redação como um
"profissional e um pai de família tranquilo", não está acostumado a
cobrir grandes tragédias. "Sempre trabalhei cm reportagens mais alegres do
que trágicas", revela ele. No incêndio do edifício Andraus, Del Fiol
trabalhou mais na redação, ajudando a selecionar fotos. "Mas, você estar
presente", diz ele, "é bem mais angustiante". Depois de entregar
seu trabalho para o laboratório fotográfico ele disse que não pretende
"ligar a TV, em casa, para assistir o incêndio. Vou ficar tranquilo com a
minha família", acrescentou.
A multidão atrapalhou o socorro
O maior
problema do deslocamento do Corpo de Bombeiros e das equipes médicas que
socorreram as vítimas do incêndio do edifício Joelma foi a grande multidão que
se postou nas proximidades do prédio, tomando inteiramente as ruas. Essa
multidão invadiu áreas isoladas, impediu a passagem das ambulâncias mobilizadas
e não ajudou em nada.
A entrada
dos carros de bombeiros e ambulâncias só foi possível pelos fundos do edifício,
pela garagem. Esses veículos iam até o último pavimento da garagem, para onde
eram transportadas as pessoas feridas e os corpos carbonizados. Mas, à saída, o
público, que lentamente se avolumava, bloqueava as passagens e dificultava o
socorro.
Além das
ruas Santo Antônio, João Adolfo, vale do Anhangabaú, avenida 9 de Julho e
ladeira e largo da Memória, a multidão ocupou também pontos estratégicos do
centro da cidade, de onde se avistava o edifício incendiado. Os viadutos 9 de
Julho, Jacareí e Dona Paulina, de um lado, e o viaduto do Chá, do outro, foram
literalmente tomados pela multidão.
Somente
depois das 10 horas da manhã é que a polícia conseguiu afastar um pouco os
curiosos que se mantinham na avenida 9 de Julho e rua João Adolfo. Para isso
foi necessária a presença de cavalarianos da Polícia Militar, de sabre em
punho. Mesmo assim, alguns curiosos ainda conseguiam se infiltrar entre os
cavalos e ocupar novamente seus postos de observação.
O outro lado
da tragédia foi a grande solidariedade demonstrada pelos paulistanos ante mais
um abalo em sua vida. Milhares de pessoas atenderam aos apelos feitos pelas
autoridades nos microfones das emissoras de rádio e TV que cobriam o fato,
procurando contribuir para diminuir o sofrimento das vítimas do incêndio.
Durante a
tarde inteira, formavam-se filas nos hospitais e pronto-socorros. Nessas filas,
homens e mulheres disputavam um lugar para fornecer o sangue pedido necessário
para o salvamento de uma vida.
No pátio
defronte ao Hospital das Clínicas, tudo foi usado para] acomodar os doadores
voluntários. Eles se distribuíram nos bancos dos jardins e até nas calçadas.
Como as autoridades agiram na tragédia
Várias
autoridades federais, estaduais e municipais acompanharam de perto a tragédia
de ontem. O ministro da Saúde, Mário Machado de Lemos, que saíra de Brasília às
9 horas com destino a São Paulo, adiou todos os seus compromissos ao chegar a
Congonhas e dirigiu-se imediatamente para o Hospital das Clínicas, a fim de
inteirar-se das necessidades em medicamentos e socorros.
No pronto-socorro
das Clínicas, o ministro inteirou-se com o superintendente do HC, dr. Oscar
César Leite, da situação das vítimas. Havia necessidade de sangue e era grande
o afluxo de voluntários. Dirigiu-se depois a vários outros hospitais, para
coordenar as necessidades em medicamentos e socorros.
O governador
Laudo Natel, posto a par do incêndio às primeiras horas manhã, ordenou toda a
mobilização necessária para o salvamento das III imas e, à tarde, esteve no
local do sinistro, acompanhando os trabalhos dos bombeiros.
O prefeito
Miguel Colasuonno deixou o Ibirapuera e, durante toda a manhã, assistiu o
desenrolar da tragédia.
O prefeito
chegou ao local com duas unidades cardiocirúrgicas. Mobilizou todos os
carros-pipa das regionais, o estoque integral da Secretaria de Abastecimento, e
ordenou ao DSV que bloqueasse todo o centro da cidade, para a passagem das
ambulâncias.
Emocionado,
com voz trêmula, disse: "É uma nova tragédia que abala São Paulo, quando
ainda nem sararam as cicatrizes da outra" (o edifício Andraus).
O coronel
Teodoro Cabetti, comandante da Polícia Militar do Estado, condenou pessoalmente
os trabalhos de salvamento e rescaldo.
"Desde
o primeiro instante — afirmou — todos os órgãos da polícia iram acionados, com
todos os recursos humanos." Revelou que 300 bombeiros trabalhavam no local
e concordou que o incêndio foi muito superior ao do Andraus.
"É uma
coisa pavorosa", disse o coronel Cabetti. Elogiou depois todos soldados
sob seu comando, principalmente os do Corpo de Bombeiros, "inigualáveis em
sua coragem e arrojo".
Também o
secretário da Segurança Pública, general Sérvulo Mota Lima, acompanhou o
trabalho de salvamento de perto e se mostrava muito emocionado.
O Serviço de
Buscas e Salvamento da FAB foi mobilizado com helicópteros vindos de diversas
cidades, desde Santos até Florianópolis. Às 10h40, o aparelho SH-1D, prefixo
8537 da Base Aérea de Santos, iniciava suas operações sobre o topo do edifício,
pilotado pelo major-aviador Sérgio Pradatsky, que, agindo com rara perícia e
heroísmo, salvou nada menos que 90 pessoas até as 13h.
Um outro
piloto que se destacou no salvamento das vítimas foi o capitão Alfredo Malan,
ajudante-de-ordens do brigadeiro Délio Jardim de Matos, comandante do 4º
Comando Aéreo Regional. O capitão Malan conseguiu um helicóptero particular
para auxiliar no resgate.
Um homem experiente recua, aterrorizado
O fotógrafo
Milton Soares, de 38 anos, residente em Guarulhos, foi um dos poucos que
conseguiram entrar no prédio Joelma, em companhia dos bombeiros. Ele conta que
se sentiu horrorizado com as cenas
"Depois,
não tive mais condições para continuar".
Milton,
inicialmente, teve muita dificuldade em conseguir permissão para entrar no
prédio, porque a presença de estranhos ali era considerada prejudicial ao
serviço dos policiais, médicos e enfermeiras.
"Então,
eu voltei e fui para a rua à procura de um conhecido. Encontrei um tenente do
Corpo de Bombeiros e comentei minha situação.
"Tenente,
preciso entrar nesse prédio, preciso fotografar alguma coisa lá dentro. Ele
pensou um pouco e acabou permitindo a minha entrada, mas um outro oficial me
brecou na porta. Num momento de descuido, acabei entrando no prédio.''
A subida
"No 1º
andar, só notei a movimentação de ambulâncias, guardas da segurança, policiais
do Exército, médicos, transportes de cadáveres e feridos. Subi pela plataforma
que leva os carros às garagens.
"Até o
6º andar, não havia nada de anormal. No 7º andar, fim do estacionamento, isso
era aproximadamente 12 horas, vi talões de cheques, roupas, documentos. Pedaços
de lajes que haviam caído. Havia mais policiais que permitiam apenas a passagem
de pessoas que estavam transportando vítimas.
"Foi aí
que eu encontrei um rapaz (Paulo Cardoso) que lamentava com os policiais
Roberto e Laércio, do Setor de Roubos do Deic, a morte de um repórter do Jornal
da Tarde, muito meu amigo.
"Paulo
Cardoso contava que, em certo momento, ouviu um grito de que o jornalista
estava vivo. Foi então que começou aquela correria. Um médico ainda tentou
salvar o jornalista (naquele momento, ainda desconhecido, pois ninguém queria
saber o seu nome, mas salvar-lhe a vida), mas não foi possível.
"Paulo
me contou que o jornalista tinha prestado muitos socorros. Morreu em
consequência de intoxicação e por causa de duas fraturas que sofreu, sem que se
soubesse as causas dessas fraturas, provavelmente um tombo, ou uma laje que
poderia ter caído sobre ele.
"Depois
disso, fiquei meio atordoado; consegui me recuperar e vi vários cadáveres sendo
transportados para três ambulâncias que podiam chegar até o 7º andar, o último
das garagens.
8º andar
"Para
passar para o 8º andar, foi bem difícil. Nesse andar, a laje havia estourado e
uma área de seis metros de diâmetro havia arrebentado; também a parede com
colunas caiu, indo alojar-se no 7º andar. Cada vez que um bloco de concreto
desmoronava, o prédio trepidava. Os bombeiros usavam macas, ou levavam feridos
nos braços; outros desciam pelas escadas, devagar, amparados pelos bombeiros.
9º andar
"Do 8º
andar subi para o 9º, por uma escadinha nos fundos, que deu num local onde
havia muitos médicos providenciando os primeiros socorros. Num dos banheiros,
pude ver vários cadáveres amontoados.
"Quando
vi tantos mortos, achei que deveria voltar. Não dava mais para continuar vendo
tantos corpos pelo chão. Uns estavam com o crânio esfacelado, outros de olhos
arregalados. Eram 16 horas."
Ele chora lembrando os amigos que viu morrer ao seu lado
Mário
Marinuchi, de 25 anos, foi uma das primeiras vítimas atendidas pelo
Pronto-socorro do Hospital das Clínicas. Com várias queimaduras no rosto, mãos,
braços e pernas, mas fora de perigo, referia-se emocionado a sua amarga
experiência.
Ele é
funcionário do departamento de contabilidade da Crefisul e trabalhava no 21º
andar. Quando ouviu o alarme dado por um colega de seção, a primeira coisa em
que pensou foi descer as escadas, sendo acompanhado por aproximadamente outros
70 colegas que trabalhavam no mesmo andar. Desceram, aos tropeções, até o 18º
andar, onde encontraram outras dezenas de pessoas que subiam apavoradas,
dizendo aos gritos que o fogo vinha subindo e não era possível descer.
Mário chora
baixinho, talvez pela emoção, pelo medo ou ainda por pena dos amigos que viu
morrer a seu lado.
"Quando
vi aquela turma subindo, quase chorei de desespero. Nossa única saída era subir
ao teto e esperar salvação. Subimos todos, aos empurrões. Eu mesmo passei por
cima de várias pessoas caídas, mas todos fariam a mesma coisa, pois a única
coisa em que se pensa é sair daquele forno. No terraço, ficamos esperando
socorro. Pensei, então, no incêndio do edifício Andraus, onde muitas pessoas
foram salvas por helicópteros. À medida que o fogo vinha subindo e aquecendo a
laje, as pessoas iam ficando desesperadas e se agarravam umas às outras. As
moças gritavam e choravam desesperadas com. o calor e a fumaça que ardia o
nariz, olhos e pulmões.
"Depois,
alguns helicópteros jogaram leite e sacos plásticos cheios de água. Mas ninguém
tomava o leite ou água, todos preferiam estourar os pacotes e molhar o corpo.
Quando o fogo chegou próximo ao terraço, a temperatura era tão alta, que,
apesar de as labaredas ainda não estarem tão próximas, a pele começava a se
soltar e formar bolhas. As unhas de alguns de meus dedos começaram a separar-se
da carne e o calor continuava aumentando. Eu pensava sem parar em minha mulher
que estava em casa. Faz só um mês que nos casamos e até agora ela deve estar
preocupada à minha procura.
"Minha
esperança aumentou e deixei de me desesperar, quando um helicóptero passou
bastante baixo e um bombeiro pulou no terraço. Nesse momento, compreendi que
alguém viria nos salvar, pois não deixariam o bombeiro abandonado naquele
lugar. Poucos minutos depois, chegou outro helicóptero e, antes mesmo de ele
baixar, pulei e me agarrei nos ferros, de onde fui puxado por um sargento da
PM. Lá dentro estava cheio de sacos de água e gritei para o sargento jogar tudo
para baixo, pois eu sabia que o calor era muito. Depois de lançarem os sacos de água, o piloto baixou o helicóptero e
recolheu mais duas pessoas desesperadas. Fui o primeiro a ser resgatado, mas se
ficasse lá mais um pouco talvez tivesse morrido, pois em certo momento cheguei
a pensar em saltar no fogo para acabar de uma vez com aquele sofrimento. Agora
só quero ver minha esposa, em casa.''
Os últimos
Adolfo
Cilento Neto, 27 anos, José Maria Ribeiro, 28 anos, e Sérgio Luiz Aliote, 25
anos, oficiais da reserva (CPOR) e funcionários da Crefisul, foram os últimos
sobreviventes a serem retirados do topo do edifício Joelma. Feridos, roupas
rasgadas e sorrindo pela felicidade de lerem sido salvos, contavam com detalhes
o drama que viveram até serem resgatados pelo helicóptero da FAB.
Para Adolfo
Cilento Neto, foram cenas horríveis; a laje queimava os pés, as chamas das
janelas esquentavam o topo do edifício e os obrigavam e correr de um lado para
outro, escondendo-se debaixo de um telhado.
"Nós
três conseguimos manter a calma. Tivemos até que ser violentos e esmurrar um
rapaz que saiu correndo, gritando que iria se jogar. Nós conseguimos impedir.
Mas, ao mesmo tempo, uma garota de uns 20 anos atirou-se."
Os três
procuraram contar ao mesmo tempo como tinham conseguido fugir das chamas, mas
nenhum deles queria recordar as dezenas de corpos que se amontoavam nas escadas
no topo do edifício e nas salas que foram destruídas pelo fogo.
Umas 50
pessoas estavam mortas no alto do edifício, todas queimadas. Nas escadarias,
muita gente morta, atropelada pelo desespero de cada um em querer atingir o
último andar.
Aurelino
Serapião de Santana, 28 anos, baiano, trabalhava no edifício Joelma havia três
dias, como ajudante de uma firma de imóveis. Ele conta que, quando o fogo começou,
tentou descer primeiro pelo elevador e depois pelas escadas, mas não foi
possível.
Aurelino diz
que subiu, então, para a laje, onde presenciou as piores cenas de sua vida:
colegas do escritório morrendo em consequência do calor, soltando a pele do
corpo. Ele se salvou agarrando um dos cabos jogados pelo helicóptero de salvamento
da FAB.
Determinada a liberação dos corpos
Cento e
oitenta e cinco mortos — "Alfa, Hotel, Eco", na linguagem cifrada da
polícia — era o balanço, até às 19h30, do incêndio que destruiu o edifício
Joelma, ontem pela manhã. Além desses corpos, que lotavam as dependências do
IML, dos quais apenas 25 identificados, outros estavam sendo retirados do
prédio incendiado.
Ontem mesmo
foi realizado o primeiro sepultamento, de Evandro Fernandes Pimentel, de 32
anos, casado, pai de dois filhos menores, residente na av. Rebouças, 1.185,
que, depois de velado por alguns minutos no cemitério do Araçá, foi ali mesmo
sepultado.
O general
Sérvulo Mota Lima, secretário da Segurança Pública, determinou a liberação dos
corpos imediatamente após o reconhecimento, enquanto o prefeito Miguel
Colasuonno, depois de visitar o Instituto Médico Legal, no final da tarde,
determinava que fossem abertas covas nós cemitérios de vila Alpina e vila
Formosa, durante a noite, a fim de que todos os corpos reconhecidos sejam
sepultados hoje.
Dos 185
corpos, os 25 reconhecidos eram: Antônio Camargo Rosa, Willian Franz Willian
(norte-americano, cujo corpo seguirá hoje para Washington), Paulo Aparecido
Sales, Paulo Aparecido Soler (há possibilidade de que ambos sejam a mesma
pessoa, embora dois corpos diferentes tenham sido identificados com esses
nomes), João Alberto Gravina, José Neves de Almeida, Rodolfo Kesling, Sidnei
Morelí, João Nunes Borges, Margarida de Laura, Catarina Magda Borges, Miguel
Marin, David Mergulhão Gonçalves, Evandro Fernandes Pimentel, Alberto Veras,
Ronaldo de Melo Almeida, Madalena Aparecida Garcia, Ademar Pereira de Castro,
Maria Aparecida Santos, Maria Manoela Sucence Murdem, Solange Helena Oliveira,
Naira Hocmaster, Francisca Liça da Silva (da Limpadora Continental), João
Carlos Vieira Campos e Marilúcia Moreira da Silva.
Pelo menos
oito corpos dificilmente serão identificados, pois foram totalmente
carbonizados. Dois deles foram, de início, considerados um único, mas, na
recontagem feita pelos funcionários do IML, verificou-se que os restos humanos
que ocupavam um único caixão eram de duas pessoas.
Os primeiros
O primeiro
corpo a ser liberado foi o de Evandro Fernandes Pimentel. A seguir, foi
liberado o corpo da advogada Margarida de Lauro, de 26 anos, solteira, residente
na alameda Lorena, 1.721, que tinha casamento marcado para o próximo mês. Seu
corpo será sepultado hoje às 10 horas no cemitério de Congonhas.
Alberto
Veras, de 27 anos, casado, engenheiro, residente na rua Artur Prado, 434,
apartamento 34, no Paraíso, teve seu corpo trasladado para a Beneficência
Portuguesa, de onde sairá hoje às 11 horas para o cemitério de Congonhas.
Miguel
Marin, escriturário de 28 anos, residente na rua Monsenhor Andrade, 271, no
Brás, será sepultado hoje às 12 horas no cemitério da Quarta Parada. Seu corpo
foi velado na sua residência e seu tio, o feirante José Marin, contava com
lágrimas nos olhos que, depois de ter passado toda a noite sem dormir com um
dedo ferido, ele não pretendia ir trabalhar hoje, mas acabou indo, uma vez que,
por ser início de mês e fim de semana, havia muito trabalho a ser cumprido.
Catarina
Magda Borges, de 23 anos, solteira, era funcionária do Citibank. Ela morava na
rua Frederico Abranches, 167, apartamento 43, mas seu corpo foi levado ontem às
22 horas para Assis, onde será sepultado hoje.
Sidney
Moreli, de 34 anos, será sepultado em São Miguel Paulista e o americano Willian
Franz Willian será sepultado em Washington, onde nasceu. '
Jornalista
Ademar
Pereira de Castro, um rapaz alto, barbado, dizia-se jornalista de "O
Estado de S. Paulo" para os investigadores Roberto Melo e Laércio de
Morais, do Deic, enquanto os auxiliava a retirar corpos de pessoas mortas no
acidente. "Nós já havíamos removido uns 12 cadáveres — conta o
investigador Roberto Melo — e o rapaz sentia-se asfixiado, porque não usava
máscara de oxigênio. Várias vezes ele foi à janela para respirar um pouco de ar
puro, porque o prédio estava quente demais e havia muita fumaça.
"Em
certo momento, quando voltávamos, encontramos o rapaz caído. Aparentemente ele
estava desmaiado e o levamos para baixo. Um médico disse que ele estava,
morrendo, fez massagens no peito dele e aplicou máscara de oxigênio, mas não
adiantou nada. O rapaz morreu, de asfixia ou de ataque cardíaco." Essa
notícia foi divulgada por algumas emissoras de rádio, antes da identificação do
corpo pelos dois policiais, mas depois verificou-se que o morto não pertencia
ao jornal que indicara. "Possivelmente ele queria ajudar e, com medo de
que o impedissem, disse ser jornalista'', afirmava o policial.
O Cartório
'de Registro Civil do 20º Distrito (Jardim América) instalou um posto especial
no Instituto Médico Legal para atestar, no próprio local, os óbitos
registrados. Essa medida foi tomada, pela primeira vez no Brasil, por ordem do juiz
de direito Gilberto Valente da Silva, da 1ª Vara do Registro Público, devido à
gravidade da situação.
O Serviço
Funerário Municipal levou 120 caixões que podem ser lacrados para o IML e já
instalou rádio e telefone direto para a fábrica de caixões do serviço, em Vila
Maria, que trabalhou exclusivamente para atender à catástrofe. O próprio
prefeito Miguel Colasuonno esteve no IML para consolar as famílias das vítimas
do incêndio que já procuravam seus mortos entre os corpos carbonizados que
chegavam ao Instituto Médico Legal.
Uma linha
direta ligada à fábrica de caixões do serviço funerário na Vila Maria
funcionava constantemente, enquanto toda a frota do serviço foi acionada, o
mesmo ocorrendo com os funcionários.
O salto de Margarida no vazio
Na Câmara
Ardente "A" do velório do cemitério do Araçá estava o caixão com
cobertura de zinco lacrado, que continha o corpo de Margarida de Laura, uma das
vítimas do incêndio do edifício do Banco Crefisul.
Margarida,
de 26 anos, que saltou para a morte ao se ver cercada pelas chamas, era filha
de Sebastião de Laura (do Sindicato dos Cabeleireiros) e de dona Marguerita de
Laura (que tem um instituto de beleza) e deixa ama irmã, Maria Cristina, de 25
anos, e um irmão, Sebastião Carlos, de 28 anos, que mal conseguiam se controlar
no velório.
O corpo foi
reconhecido pela empregada da casa, que foi ao IML devido à prolongada falta de
notícias da moça.
Margarida de
Laura estava no último ano de Direito e pretendia se casar neste ano. O noivo,
em estado de choque, conforme informaram os parentes, não tinha comparecido
ainda ao velório.
Ela
trabalhava havia mais de um ano na Crefisul, no Departamento ilegal, situado no
13º andar, onde as instalações estavam sendo montadas e um grande número de
divisórias de madeira separavam as seções com muito material inflamável ainda
espalhado pelo andar.
Margarida
cursava as Faculdades Metropolitanas Unidas e era, segundo suas colegas de
serviço, muito estimada na Crefisul, onde tomava contato com os elementos de
sua futura profissão.
Segundo
outro de seus colegas, mais três funcionárias da mesma divisão, com mesas
situadas perto das janelas, ainda estão desaparecidas.
Ela era
bandeirante desde os sete anos: "Era uma moça de muita coragem e deve ter
ficado desesperada naquele momento, preferindo a morte rápida ao sofrimento
lento da morte pela intoxicação e calor".
Sebastião de
Laura, seu pai, mostrava-se desesperado e falava aos que tentavam lhe dirigir
uma palavra de conforto que "eles (os engenheiros) deviam se preocupar
mais com a segurança e menos com a beleza do edifício. O prédio não tinha
nenhuma segurança contra incêndios'
Ressaltava
que "isto é o fim do mundo, uma coisa monstruosa. Não pensaram nos que iam
trabalhar lá, nos seres humanos".
Repetia
constantemente que "agora vamos ver se os responsáveis, que fizeram; ou
melhor, não fizeram o sistema de segurança contra fogo do edifício, serão
punidos. Este foi um drama bem maior que o do Andraus, de proporções
gigantescas. Sabe-se lá quantas pessoas realmente morreram, e acho que nunca
saberemos o número certo".
Niedersberg diz que está vivo
"Avisem
a minha família que eu estou vivo." Este apelo foi feito, às 12h de ontem,
na calçada do edifício Joelma, por Sérgio Olavo Niedersberg, uma das vítimas do
incêndio. Com muitas queimaduras espalhadas pelo corpo, lavado com leite por
alguns bombeiros que o socorreram através de uma escada Magirus, Sérgio Olavo
Niedersberg é um dos chefes de seção da Crefisul, tendo vindo do Rio Grande do
Sul há seis meses.
Ele fez
entrega de todos os seus documentos ao jornalista Francisco Dias Pinto, antes
de ser levado para uma ambulância, numa maca. Segundo um funcionário da
Crefisul, Niedersberg chegou a socorrer vários colegas de trabalho, no 12º
andar, onde se encontrava quando ocorreu o incêndio.
Apelos e
depoimentos dramáticos e humanos como o de Sérgio Olavo Niedersberg fizeram
muitos curiosos que, separados pelos cordões de isolamento, assistiram a
tragédia, chorar.
As chamas queimaram tudo e depois apagaram-se sozinhas
Desta vez
não havia heliporto no edifício em chamas, no centro da cidade. E os meios de
salvamento se revelaram extremamente precários. Os meios de combate ao fogo,
esses se revelaram totalmente inúteis.
As chamas
que destruíram o edifício Joelma não foram dominadas pelos bombeiros; elas
queimaram tudo o que havia para queimar e finalmente . se extinguiram — sozinhas.
A primeira
mangueira dirigida contra o fogo, logo no começo, lançava j um jato de água
minúsculo, inútil. Na segunda mangueira, faltavam uns 20 metros para chegar às
chamas.
A primeira
escada Magirus só conseguiu retirar pessoas que estavam abaixo dos andares
incendiados. A segunda escada Magirus era curta demais. Somente às 12h00, três
horas e meia depois do começo do incêndio, chegaram perto do edifício Joelma
duas escadas Magirus mais altas e poderosas, que conseguiram tocar um andar
pouco abaixo de um grupo de sobreviventes ilhado num peitoril da janela.
Diante da
enormidade do incêndio, os bombeiros precisaram deixar queimar, para depois
tentar salvar o possível — e era tarde demais.
As
tentativas de dar salvamento a sobreviventes por meio de cordas lançadas dos
prédios laterais também foram inúteis. A ponte de cordas era precária demais.
A operação corda
O primeiro
helicóptero sobrevoou o edifício Joelma às 9h30 e só criou esperanças que logo
se desvaneceram. Três ou quatro helicópteros do tipo médio e pequeno, para uso
civil, em vão ficaram circulando em volta do edifício em chamas. Iam e
voltavam. Depois de uns minutos, começaram a pousar no heliporto no topo do
edifício da Câmara Municipal.
Nesse
momento, se iniciou uma operação mais organizada, que aparentemente tinha
alguma esperança de salvar pessoas.
Enquanto os
bombeiros escreviam no asfalto, em grandes letras brancas, para serem vistas de
cima, a palavra "calma", os pequenos helicópteros começaram a jogar
sobre a torre do edifício voltada para a avenida 9 de Julho vários rolos de
corda. Para salvar pessoas na outra torre, a voltada para a praça da Bandeira,
já era tarde. As chamas, nessa altura (eram 10h20), já haviam devorado tudo.
Mas a
"operação corda" fracassou. Da torre da avenida 9 de Julho, ninguém
se arriscou a usar as cordas — e para onde iriam? Para baixo era impossível
porque as chamas continuavam fortes. Para o prédio ao lado, onde já havia
bombeiros tentando improvisar uma ponte de corda, vários fatores desencorajavam
os sobreviventes. A fumaça era forte, ainda havia chamas, a distância era muito
grande e a ponte muito precária.
A ponte da FAB
Foi então,
encerrando esse período de desespero e de frustração, que durou das 9 até às
10h45, uma hora e quarenta e cinco minutos, que surgiu o grande salvador — o
SH-1D.
O grande
helicóptero do Parasar conquistou logo a confiança de todos
homens e
mulheres desesperados no topo do prédio e os milhares de assistentes no vale do
Anhangabaú e praça da Bandeira.
O helicóptero
— grande, poderoso, com um ronco enérgico e regular — fez logo duas passadas a
toda velocidade pelo espaço aberto do vale. Foi como se anunciasse
"cheguei!"
Ele entrou
em cena de modo violento e definitivo e se tornou o protagonista principal da
grande tragédia.
Mas chegou
uma hora e quarenta e cinco minutos depois do começo do incêndio. As pessoas da
primeira torre do prédio — do lado da praça tia Bandeira — já estavam mortas
quando o SH-1D chegou.
Assim mesmo,
o grande helicóptero, funcionando como um mecanismo de relógio, maravilhosamente,
com uma precisão e uma segurança espantosa, fez 17 viagens entre o heliporto da
Câmara Municipal e o topo da segunda torre, que já não queimava com violência.
Segundo
cálculo de seu piloto, levou a salvo umas 80 pessoas. E isso foi feito sem que
nenhuma vez o SH-1D tocasse o teto precário do edifício fumegante. O
extraordinário piloto — major-aviador Sérgio Pradatsky — colocava seu
helicóptero a cerca de um metro do nível do topo, e as pessoas pulavam para
dentro dele, ajudadas pelos soldados da FAB e os bombeiros. Alguns se atiravam
para dentro do aparelho, desordenadamente. Mas o SH-1D não balançou, nem
hesitou, nem falhou. Ficou firme como uma plataforma de salvamento em meio ao
mar revolto.
Um
espetáculo dramático que durou precisamente até 12h29. Nesse momento, o SH-1D
retirou as últimas seis pessoas do topo do edifício (bombeiros, médicos e.
soldados) e, com um último rugido de seu poderoso motor, se despediu de uma
missão de socorro totalmente bem desempenhada.
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Fonte:
Folha de S. Paulo: 20 textos que fizerem história. Folha de São Paulo. São Paulo, 1992, págs. 9-25.
Esse texto claro e completo da com clareza a noção do sofrimento dessas pessoas. Parabéns pelo texto esclarecedor para nós leitoros que temos grande interesse na história do Joelma
ResponderExcluirParabéns pela narrativa esclarecedora e de português dw facil entendimento. Pois sempre tive curiosadade a respeito desse incêndio. Na época tinha 6 anos e me lembro. Obrigado.
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