Por trás da cortina de ferro
Interdição de templos preocupa igrejas
cubanas após a visita do papa
Por: Maurício Zágari
Quando o
papa João Paulo II, líder da igreja católica, visitou Cuba, no início deste
ano, muita gente alardeou que a ilha comunista estava promovendo uma abertura
ao cristianismo. Afinal, o ditador do país, o ateu Fidel Castro, decretou
feriado nacional, ordenou a distribuição de folhetos explicando quem é Jesus,
permitiu que fossem pintados murais com a imagem tradicional que os católicos têm
do filho de Deus. A questão é: seria essa abertura saudável à sã doutrina? Qual
é o Cristo que foi divulgado em Cuba? Só para se ter uma ideia do risco que a
visita do papa representa, basta observar outra medida tomada por Fidel Castro
às vésperas da chegada do líder católico e que não teve divulgação na imprensa:
o fechamento de igrejas evangélicas domésticas.
Poucas horas
antes de o polonês Karol Wojtyla - o nome verdadeiro de João Paulo II - pisar
em solo comunista, um grande número de igrejas domésticas na capital de Cuba,
Havana, receberam ordem de interdição. Os documentos foram emitidos pelo
Registro Nacional de Associações, órgão do governo que fiscaliza com rigidez o
funcionamento de todos os núcleos religiosos no país. Curiosamente, o
fechamento aconteceu no dia 20 de janeiro, um dia antes de o papa chegar ao
país. A denúncia partiu de líderes da Convenção Batista de Cristo.
Ainda não
foi possível avaliar a extensão do estrago. A quantidade de igrejas domésticas
pressionadas para que encerrassem suas atividades foi classificada apenas como
"numerosa". A repressão e o medo dificultam uma mensuração precisa,
mas os batistas especulam que outras denominações foram igualmente afetadas
pela proibição.
Pressão intensa
Um pastor
cubano que pediu para não ter seu nome revelado, afirmou que agentes do governo
chegaram às igrejas domésticas e pediram para falar com os proprietários.
"Os oficiais solicitaram que eles assinassem um formulário em que se
comprometiam a fecharas igrejas", disse. O pastor ressaltou ainda que
nenhuma razão foi apresentada para as interdições. Sem explicar exatamente que
tipo de retaliações sofreram os dirigentes dos núcleos evangélicos, um
porta-voz da Convenção Batista disse apenas que "eles foram pressionados
intensamente" para assinar o documento.
A quantidade
de igrejas domésticas em Cuba sofreu um crescimento brutal após a dissolução da
União Soviética, em 1989, ao mesmo tempo que a economia nacional passou por um
grande declínio. Um problema sério no país é o racionamento de combustível
provocado pelo embargo dos Estados Unidos. Afeita de gasolina e óleo diesel
provocou uma estagnação no sistema de transportes e, com isso, os fiéis
passaram a reunir-se em grupos menores. Em vez de percorrer grandes distâncias
para chegar às igrejas estabelecidas, começaram a se agregar em pequenos
núcleos, em casas de membros.
Essa tendência
levou o governo a pressionar os pastores a encerrai" as atividades
domésticas, ameaçando-os de prisão.
Clandestinamente,
porém, milhares de igrejas continuam funcionando por toda a ilha. Dentro desse
quadro, líderes evangélicos tinham a esperança de que a visita de João Paulo II
fosse abrir muitas portas para os cristãos. A repressão do dia 20 foi um balde
de água fria.
Dividir as igrejas
Numa carta
enviada ao jornal americano Miami Herald
em 22 de janeiro, o analista internacional Gerardo van Dalen, diretor da
Fundação Pró-Mártires, afirmou que a Liga Evangélica de Cuba estava sofrendo
pressões da polícia secreta de Fidel Castro no sentido de estagnar toda a
atividade evangelística durante a visita do papa.
A Convenção
Batista de Cuba Ocidental foi excluída da reunião ecumênica com João Paulo II
realizada em 25 de janeiro. Para o presidente da convenção, Leoncio Veguilla,
"o governo está jogando através do Conselho Cubano de Igrejas, para
dividir e distrair as igrejas evangélicas".
Muitos
pastores têm sentido na pele a dor da perseguição. Orson Vila, da Assembleia de
Deus Cubana, foi condenado a 23 meses de prisão por se recusar a fechar 85
igrejas domésticas existentes no distrito de Comanguey. Já Miguel Angel Leon
Cabrera, pastor da Igreja Batista de San Fernando de Camarones, está detido
indefinidamente em regime de prisão domiciliar. Segundo a Agência de Imprensa
Independente de Cuba -APIC - quatro pastores da província de Matanzas também
foram obrigados a fechar suas igrejas domésticas. Sob a acusação de serem
agentes da CIA, Benito Alfonso, Douglas Borges, Obdulio Mendez e Alberto Cruz
foram levados à sede da polícia em Matanzas e ameaçados de prisão caso
continuassem suas atividades religiosas. Líderes de diversas denominações têm
recebido advertência para não abrir as portas a visitantes de outros países e a
recusar qualquer ajuda financeira de organizações missionárias.
Apesar de
todos esses problemas, as igrejas evangélicas em Cuba continuam em franca
expansão. Segundo fontes da Assembleia de Deus no país, em 1990 havia apenas 86
templos e 15 missões na ilha. Hoje, são 320 igrejas e 700 núcleos domésticos,
além de centenas de casas de oração. Algumas congregações, que recebiam de 50 a
100 pessoas na Escola Dominical atualmente contam com 700 e precisam realizar
duas aulas aos domingos para comportar o número de frequentadores.
Razão da visita
Esse estouro
das igrejas evangélicas no país foi um dos motivos que levou João Paulo II a
visitar Cuba. O historiador Enrique Lopez estima que existam hoje no território
mais de 800 pastores protestantes, 900 templos e mais de três mil igrejas
domésticas.
"Os
pastores trabalham nas bases das comunidades, atendendo às necessidades
imediatas do povo, o que os padres católicos não fazem. Falam de valores
espirituais, não de política. Meu pai era alcoólatra e foi o pastor que o
convenceu a deixar o vício", conta um jovem que se identificou apenas como
Oscar, de 22 anos, morador de Havana.
Mais da
metade da população cubana pratica ritos afro-cubanos (chamados no país de santeria), uma mistura de catolicismo
com crenças herdadas dos escravos africanos. Cerca de 40% dos habitantes do
país se dizem católicos, mas apenas 150 mil vão à igreja. Cuba é o único país
da América Latina onde o aborto é praticado sem qualquer tipo de restrição
legal, em hospitais especializados. Estatísticas oficiais mostram que, em 1996,
foram praticados 83.827 abortos na ilha. Lá, o divórcio é oficialmente
reconhecido. Em 1997 houve 66.009 casamentos e 41.227 divórcios.
"Pertenço
à Igreja Pentecostal porque ela me ajuda quando tenho problemas", explica
outro morador de Havana, Araes Rondon, de 25 anos.
Ao pisar em
solo cubano, João Paulo II declarou em cadeia de rádio e televisão que chegava
ao país para "confirmar o povo de Cuba na fé, animá-lo na esperança e
alentá-lo na caridade". Em seguida, defendeu mais espaço para o Vaticano.
"Hoje, como sempre, a Igreja em Cuba deseja poder dispor do espaço
necessário para continuar servindo a todos de acordo com a missão e os
ensinamentos de Jesus Cristo", disse.
Nos cinco
dias em que esteve na ilha de Fidel Castro, o papa adotou um forte discurso
político. Ele criticou o bloqueio econômico que os Estados Unidos promovem há
quase 40 anos contra o país, falou sobre direitos humanos e defendeu a
liberdade de associação. Mencionou ainda os baixos salários pagos pelo governo
e apontou a existência de "insatisfações por razões ideológicas".
Isso dito numa missa cujo tema era a família e sob os olhos de 50 mil pessoas.
Perseguição surgiu com o comunismo
Cuba é
atualmente o último reduto das américas com um regime de cunho comunista. Mas
nem sempre a ilha seguiu essa linha ideológica. Para se entender como o país
caminhou até chegar ao ponto em que se encontra, é preciso retroceder no tempo.
Mais precisamente, ao século XV.
Em 1492,
Cristóvão Colombo chegou à América, inaugurando um período de colonialismo. A
Espanha fincou sua bandeira no Caribe e passou a explorar o continente para
engordar seus cofres. Com o tempo, as colônias começaram a se rebelar contra a
metrópole e, mediante sucessivas guerras, foram obtendo a autonomia. Cuba foi a
última a proclamar independência da Espanha, após um longo e destrutivo
conflito.
Naquela
época, a ilha era rica, graças à produção de açúcar, mas a autonomia política
nunca existiu. Devido a governos apoiados e financiados pelos Estados Unidos,
grande parte da população vivia em miséria absoluta.
Essa
estrutura exploratória e dependente estendeu-se ao longo dos séculos, até que,
em 1959, surgiu um homem disposto a mudar o panorama. Seu instrumento para isso
chamava-se revolução. Seu nome, Fidel Castro.
Lançando mão
da revolta armada, Fidel e seu grupo de aliados conseguiram destituir o então
líder do país, Fulgêncio Batista, um forte colaborador dos Estados Unidos. Uma
vez no poder, o novo comandante procurou ajuda contra o imperialismo americano
sob as asas da União Soviética. Nascia o comunismo em Cuba.
Segundo o
especialista Shawn T. Malone, diretor do Projeto para o Caribe da Universidade
de Georgetown, nos EUA, naquele momento as igrejas evangélicas buscaram
estabelecer relações cordiais com o novo regime. Pela Internet, a SEARA teve
acesso a seu estudo Conflito,
coexistência e cooperação: relações Igreja-Estado em Cuba, uma análise
aprofundada sobre as influências do governo de Fidel Castro na vida religiosa
do país. "Identificando similaridades entre seus ideais de justiça social
e os da revolução, muitas denominações protestantes buscaram rapidamente
estabelecer relações cordiais com o regime, enquanto a mais conservadora igreja
católica experimentou um elevado grau de conflito", explica Malone.
Nesse
princípio do governo revolucionário, não se conhecia ainda o peso do comunismo
na ideologia de Fidel. Somente a partir de 1961, quando Castro anunciou
oficialmente a natureza marxista-leninista (e, implicitamente, ateísta) do
regime, foi que os religiosos perceberam que a existência de cordialidade era
uma utopia.
Em 1962,
confrontos entre Igreja e Estado eram desnecessários para ambos. Católicos e
evangélicos foram se enfraquecendo, perdendo a maioria de seus membros mais
progressistas devido à lealdade ao regime e muitos de seus integrantes mais
conservadores para o exílio. As igrejas foram sendo dizimadas. "Líderes de
denominações metodistas, presbiterianas e episcopais foram os primeiros a
aceitar o regime", afirma Malone. "As igrejas evangélicas menores e
as pentecostais (...) tendiam a permanecer apolítícas, concentrando-se no lado
espiritual em detrimento do social ou político. Embora essas igrejas
cooperassem com o governo para poder sobreviver, seriam melhor descritas como
neutras do que como pró-regi-me", ressalta o magistrado em seu estudo.
Malone
relata que a discriminação religiosa era comum nesse período, mesmo com relação
às igrejas mais cooperadoras. Obreiros eram perseguidos, serviços religiosos
obstruídos, igrejas empasteladas, o acesso dos fiéis à educação e ao trabalho
era restringido e pastores eram enviados a "campos de reeducação",
junto com prostitutas, criminosos e outros "elementos antissociais".
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Fonte:
Revista Seara. Ano 41 - Nº 17 - Abril de 1998. CPAD. Rio de Janeiro, págs. 13-14.
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