...Por que o céu é escuro à noite?
O céu noturno, pelo seu número de estrelas,
deveria ser uma cúpula deslumbrante. Mas uma noite sem lua mostra apenas escuro
total. Este paradoxo tem sido estudado pelos astrônomos desde Halley, em 1720.
Distribuição de estrelas no espaço, absorção da luz, escala de tempos e outras
teorias aqui mostradas é que produziriam o negro da noite
Por mais longe
que se observe o céu noturno, por mais possante que seja o instrumento
empregado na observação e para qualquer lado que se olhe, ver-se-ão apenas
estrelas e ainda estrelas: pequenas e grandes, azuis e vermelhas, solitárias e
em grupos, ou ainda grupos gigantescos, supergaláxias constituídas por sua vez
por bilhões de estrelas. Nem pensar na contagem desses astros um por um: são em
maior número que os grãos de areia em todas as praias da Terra. De fato, são em
tal quantidade que, qualquer que seja o lugar para onde se olhe, sempre se
encontra uma estrela. Surge, então, uma questão um pouco bizarra: se para
qualquer lugar que se olhe encontra-se uma estrela, então por que o céu é negro
durante a noite? Ao observarmos uma praia, não vemos os grãos de areia caírem
um por um no fundo de uma depressão. E se partirmos da hipótese cosmológica
mais geral, a saber, a de um universo estático e infinito onde as estrelas
semelhantes ao nosso Sol estão uniformemente distribuídas, chegaremos à
conclusão evidente de que o céu noturno deveria ter a aparência de uma praia de
estrelas. Por outra, seria um domo de luz deslumbrante, um vasto incêndio
cobrindo o horizonte de uma ponta a outra. Para ser justo e verdadeiro, é
mister reconhecer que uma noite sem lua e sem nuvens não difunde de modo algum
esta reverberação fascinante e é difícil até enxergar o caminho. Este é um
paradoxo curioso, revelado por Halley em 1720 e mais conhecido como paradoxo de
Olbers, do nome do astrônomo alemão que foi o primeiro a estudá-lo em 1823.
Para melhor
compreender esse paradoxo é necessário retomar as hipóteses originais: estrelas
em número ilimitado distribuídas uniformemente num espaço infinito. Que estejam
semeadas no vácuo intersideral de modo aleatório tem sua importância: se
estivessem alinhadas uma atrás da outra relativamente à Terra segundo um número
limitado de feixes, não haveria paradoxo: fora desses alinhamentos nenhuma luz,
donde o lugar da noite no céu. Por outro lado, se a distribuição é uniforme,
por menor que seja a porção de céu considerada, o eixo visual termina sempre
por cruzar com uma estrela, por mais longe que esteja esta. E para continuar de
acordo com a hipótese, em cada porção microscópica do céu existirá ainda uma
infinidade de estrelas. Então, mesmo que estejam tão distantes que seu brilho
seja infinitamente pequeno, o produto de um infinitamente grande (o número de
estrelas interceptado) por um infinitamente pequeno (luminosidade) dá um valor
finito e perceptível para o olho. É decorrência que não haverá um milímetro
quadrado de céu noturno em que a luminosidade seja nula, nem mesmo um canto
escuro. Toda abóbada celeste brilharia num vasto, denso e fascinante clarão.
Evidentemente
existem muitas maneiras de sair desse paradoxo, entre as quais a mais ingênua
consiste em responder que o céu é negro durante a noite para que se possa
dormir. Para um espírito científico é pouco precisa e retornando aos antigos
pode-se conceber o céu como um imenso veludo negro com pequenos buracos através
dos quais brilha o fogo exterior, as nebulosas sendo ta. somente o reflexo do
Sol nos pontos de apoio do veludo. Desejando ir além dessas duas e explicações
perfeitamente empíricas mas muito simples, os astrônomos lançaram-se durante
muito tempo num dilema de difícil solução. Por mais de dois séculos tentaram
todas as hipóteses possíveis, sem que se estabelecesse um acordo universal pela
aceitação de uma delas.
A primeira
ideia que advém a um espírito cientificamente cultivado consiste em admitir que
a obscuridade do céu noturno é devida à absorção da luz no espaço. Por outra, o
raio proveniente de uma estrela distante sofrerá difusão, será amortecido pela
poeira sideral até ser completamente absorvido. Na verdade conhecemos certas
regiões obscuras do céu que se devem, precisamente, a nuvens de poeira quase
opacas. Esta explicação é, portanto, insuficiente, pois a energia não deve ser
perdida e a luz absorvida por um obstáculo qualquer deve sempre ser reemitida
por esse mesmo obstáculo, mas numa frequência por vezes diferente. Em média, todavia,
um raio luminoso reapareceria sob a forma de um raio luminoso e em lugar de um
maravilhoso véu de estrelas teríamos um véu de poeira luminosa.
Escala de tempos
Mais tarde,
alguns pesquisadores adiantaram que o espaço não é euclidiano, que é muito
jovem, que possui uma estrutura hierarquizada, que suas dimensões são finitas e
não ilimitadas, ou que a expansão desloca as frequências para o vermelho, a luz
celeste existe mas sob a forma de uma radiação que nos é imperceptível. As duas
últimas hipóteses são mais sérias e voltamos ao deslocamento das frequências,
mas elas não resolvem melhor o paradoxo. Por exemplo, no caso de um universo
finito são ainda em número suficiente para que em cada milímetro quadrado do
céu existam em enorme quantidade. A luminosidade dos astros mais longínquos
pode, na verdade, ser fraca, mas, multiplicando muito pouca luz por uma enorme
quantidade de estreias, chegaremos da mesma forma a uma luminosidade claramente
perceptível. A abóbada seria apenas menos luminosa que no caso de um universo
infinito.
É
conveniente ouvir o professor Harrison, da Universidade de Massachusetts, para
ver claramente nesta obscuridade celeste: o céu noturno é negro — porque o
tempo necessário para que o campo de radiações atinja seu equilíbrio
termodinâmico é grande comparado a todas as outras escalas interessantes de
duração. Esta é a explicação do paradoxo, mas requer um estudo atento para ser
bem compreendido. É conveniente, entretanto, estabelecer os dados do problema
com uma certeza matemática. Como dissemos, é suficientemente evidente que um
número infinito de estrelas deve nos mostrar um céu totalmente luminoso: um
observador postado no centro de uma floresta imensa, por mais espaçadas que
estejam as árvores, jamais vê o horizonte; percebe apenas troncos de árvore. Se
todos esses troncos estão pintados de vermelho, parecer-lhe-á estar encerrado
num imenso cinturão vermelho sem a menor falha. O mesmo se verifica
relativamente às estrelas e isto é fácil de estabelecer da maneira rigorosa:
considerando que as estrelas estejam uniformemente distribuídas no espaço com
densidade n, cada uma tendo
luminosidade L e a luz se propagando
à velocidade c, a densidade média de energia que alcança o observador O, da distância r é: du/dr = n L/c. Por
integração, esta diferencial dá u infinito para um universo infinito. Isto
porque as estrelas foram consideradas como pontos geométricos: o observador
seria imediatamente atingido por uma irradiação infinita.
Na verdade,
as estrelas têm dimensões claramente finitas e interceptam, por vezes, a luz
proveniente de outra estrela. Ou, para ser perfeitamente preciso, cada estrela
esconde todas aquelas que estão atrás dela relativamente ao observador. Levando
isto em conta chegamos a uma equação um pouco mais complicada e que seria
inútil desenvolver aqui. Lembraremos todavia que, por integração, esta equação
dá para densidade média de energia em todo ponto do espaço, não mais um valor infinito, mas simplesmente o
valor que reina na superfície das estrelas: a abóbada celeste vista de um ponto
qualquer é tão brilhante quanto a própria superfície solar. Eis o que
demonstram os cálculos. E, como dissemos, de nada serve fazer intervir a
absorção pela matéria difusa do espaço: esta apenas se aquece e se põe a
irradiar por sua própria conta a mesma quantidade de radiações que recebeu. Da
mesma forma, o agrupamento de estrelas em galáxias que se fazem sombra mutuamente,
fracassa como explicação do paradoxo pelas mesmas razões.
Para
resolvê-lo, como mostrou Harrison é preciso recorrer aos conhecimentos atuais
em matéria de astrofísica. Particularmente, é preciso considerar três escalas
de duração; em primeiro lugar a idade do universo (t) no caso de um modelo estático, ou o período de expansão (T) no
caso de uma explosão inicial. Na maior parte das cosmologias, t e T
têm sensivelmente o mesmo valor, a saber 1010 anos. Por outro lado,
em certos modelos estáticos, t é infinito, o que é pouco cômodo, mas não
modifica os resultados do problema. Em segundo lugar é conveniente lembrar a
duração da vida luminosa de uma estrela, seja t' esta duração. No caso
específico de nossa própria galáxia, a maior parte da luz irradiada é
proveniente de estrelas cuja emissão luminosa principal dura sensivelmente 108
anos. Todavia, a massa de matéria contida no astro pode' seguir ciclos de
conversão termonucleares mais complexos, ao final dos quais o hidrogênio se
converteu em ferro e a duração dá vida é largamente aumentada. Pode-se
estabelecer, portanto, uma duração média de emissão luminosa próxima de 1010 anos.
O céu todo luminoso
Resta,
finalmente, o intervalo de tempo que separa a emissão de um fóton (partícula de
luz) por uma fonte e sua absorção por um outro corpo celeste. Esta duração t, chamada também escala termodinâmica
de tempos, pode ser calculada conhecendo-se o número de estrelas por unidade de
volume, a densidade de matéria luminosa no universo e os parâmetros médios que
caracterizam uma estrela: sua massa, sua luminosidade e sua densidade
superficial de irradiação. Encontramos: t
— 1024 anos. Ora, se consideramos as hipóteses de partida, a maior
parte da luz estrelas é proveniente de regiões longínquas cuja distância é ct, isto é, 1024 anos-luz.
Logo, para que o céu fique todo luminoso durante a noite é necessário que duas
condições imperativas sejam reunidas: a primeira é que a idade t do universo seja pelo menos tão grande
quanto t; tendo em vista que a luz
viaja com uma velocidade finita é preciso que tenha tempo para chegar até o
observador; e a segunda é que as estrelas permaneçam luminosas durante um tempo
t' que também deve ser pelo menos
igual a t, sem o que todos os fótons
emitidos seriam absorvidos, entrementes, por um outro corpo estelar.
A primeira
dessas condições é satisfeita por um modelo estático de universo cuja idade é
infinita: a luz teve tempo suficiente para nos alcançar. Mas não é satisfeita
nos outros modelos que supõem a idade do universo muito menor que 1024
anos. Por outro lado, qualquer que seja o modelo, a segunda condição é
impossível de ser satisfeita porque a duração da vida luminosa de uma estrela é
muito inferior ao tempo termodinâmico t.
Em outras palavras, o astro não brilha suficientemente para que existam fótons
não absorvidos. A solução do paradoxo, mesmo no caso de um universo eterno, é
esta: a duração de vida de uma estrela é extremamente curta comparada a 1024
anos. Existe, por outro lado, uma maneira distinta de ver que o céu negro é uma
realidade explicável em termos de astrofísica: é suficiente imaginar que toda
matéria do universo é bruscamente convertida numa irradiação correspondente a
uma certa temperatura do corpo negro ideal. Ora esta densidade de energia
corresponde a um campo de radiação equivalente à temperatura 20°K (-253°C) que
é muito inferior à temperatura superficial de uma estrela média. Desta maneira,
o paradoxo do céu luminoso contradiria o princípio da conservação de energia.
Brilho simultâneo das estrelas
Assim sendo,
é divertido ver como se comporta o céu para um observador no caso de um
universo infinito, ou mesmo finito segundo as concepções da relatividade. No
primeiro caso é preciso assegurar a substituição das estrelas de modo
permanente, sem o que serão finitas e será bastante difícil de escolher o
-instante inicial nas profundezas da eternidade, a data que precede o infinito
negativo; a menos que se recorra aos números transfinitos e à condição que a
eternidade do tempo não seja o maior dos transfinitos — lembremos que os
números cardinais transfinitos servem para classificar e comparar os diversos
infinitos. Por maior comodidade, escolhamos um momento inicial onde todas as
estrelas comecem a brilhar simultaneamente. O observador situado num ponto
qualquer do universo vê o céu se iluminar bruscamente de todos os lados e
conclui que a luz veio a ser.
Mas,
contrariamente às aparências, não vê brilhar todas as estrelas; somente um
observador privilegiado, situado num referencial divino e dotado de um dom de
vidência que o faça escapar ao tempo pode contemplar de um único golpe de vista
todo o universo brilhando. Nosso observador-padrão é sujeito às restrições
ordinárias de tempo e espaço: não vê todas estrelas ao mesmo tempo pela simples
razão de que a luz leva um certo tempo para percorrer um dado trajeto. Em
outras palavras, a luz das estrelas próximas chega até ele em primeiro lugar, e
ele vê se iluminar uma primeira franja em torno de si; depois as estrelas mais
distantes enviam a sua luz e uma segunda franja mais distante se ilumina,
depois a claridade de estrelas mais distantes ainda e assim sucessivamente de
maneira contínua durante horas, dias, anos, séculos, milênios e mais ainda.
Nosso
observador-padrão — dotado de uma longevidade que ultrapassa os limites usuais.
para clareza da demonstração — vê o céu como uma esfera de estrelas brilhantes
que aumenta indefenidamente à velocidade da luz; de fato, depois de um tempo t, esta esfera tem um raio que vale ct. Mas à medida que passam os milhões
de milênios, as estrelas começam a enfraquecer como velas que chegam ao fim e
um dia se apagarão todas, eis o que constata um observador divino e
clarividente. Mas nosso observador-padrão não as vê se apagando da mesma forma
que não as viu principiar a brilhar simultaneamente. Constata tão-somente que
depois de um tempo t', que
corresponde à duração da vida luminosa de uma estrela, os astros próximos dele
começam a se apagar, depois, esta esfera de astros mortos aumenta lentamente no
espaço, sempre à velocidade da luz. Além desta esfera uma coroa de estrelas que
lhe aparecem ainda como luminosas, mas que na verdade estão tão extintas quanto
as outras. Esta coroa tem por espessura, certamente, ct. Enfim, além desta
coroa, um vasto conjunto de estrelas cuja luz ainda não lhe chegou. De qualquer
modo, esta luz não lhe chegará jamais, posto que as estrelas não vivem
suficientemente para que sua irradiação preencha todo universo na densidade em
que foi emitida.
Como
dissemos, esse tempo é aquele que separa emissão e absorção e é 1014 vezes
maior que a duração de uma estrela.
Pelo fato
desse decurso, dito escala termodinâmica, ser absolutamente imenso é que o céu
é negro durante a noite. Esta explicação do paradoxo utiliza, aliás, dados
familiares, onde o primeiro é que nós não vemos jamais o universo em
seu.conjunto, num dado instante. O tempo que a luz leva para percorrer o
trajeto de regiões distantes até nós é tão grande que, de uma parte as estrelas
não estão nos lugares onde as vemos e por outro lado uma boa parte delas que
vemos como intensamente brilhantes extinguiram-se há muito tempo.
Os
desenvolvimentos modernos da cosmologia não modificam, por outro lado, as
demonstrações do prof. Harrison. Num universo em expansão, os cálculos mostram
que a densidade de radiações é da mesma ordem de grandeza que num universo
eterno e estático. Num universo em criação contínua sem expansão, tal como o de
Mac Millan, as estrelas nascem da energia difusa, formam-se, brilham e
desaparecem; uma vez liberada no espaço, a luz é convertida novamente em.
matéria e o ciclo recomeça. Ainda assim, o período do processo sendo inferior à
escala termodinâmica, o céu fica escuro durante a noite. No universo em criação
contínua e em expansão, como o de Hoyle, a matéria é também criada de maneira
contínua, mas a densidade permanece constante por consequência da expansão dos
limites do universo. Esta expansão serve também como escoadouro da energia
irradiada, sem o que esta terminaria por inundar todo o universo. Nesse tipo de
universo há apenas uma fração de estrelas luminosas num dado instante, o que
modifica por vezes a duração da vida luminosa média e a escala termodinâmica
segundo um mesmo fator. Recaímos portanto no caso precedente.
Uma simples
questão de bom senso levou a desenvolvimentos cosmológicos os mais vastos.
Compreende-se facilmente que um dia um astrônomo terminaria por se perguntar
por que o céu escurece durante a noite quando há um número inacreditável de
estrelas. A infelicidade é que elas não duram suficientemente. Ou, mais exatamente,
que seu brilho é muito fraco para preencher na duração de uma vida estelar todo
o imenso espaço vazio com uma densidade suficiente de luz. Finalmente, há muito
mais espaço que energia e o céu será eternamente negro durante a noite.
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Fonte:
Ciência & Vida, nº 1. Editora Três. São Paulo, maio de 1975, págs. 42-49.
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