A Evolução do Homem está se invertendo
Ernst Mayr, um dos maiores antropólogos do mundo,
acha que o homem involui: os cérebros pequenos reproduzem-se mais
frequentemente que os grandes, e o animal humano necessita cada vez mais da química
para sobreviver... Social e biologicamente, o homem está se tornando o produto
de uma contra-seleção.
O homem de
amanhã não será um sucesso. Doentio, pouco inteligente, neurótico, dependerá,
desde o nascimento, de diversos medicamentos para sua sobrevivência. Como
podemos esboçar desta maneira o retrato do dono indiscutível do planeta, do
primata formado há milhões de anos por uma evolução que lhe deu um cérebro de
gigante?
São raros os
antropólogos, sociólogos, geneticistas e etnólogos que manifestam um pessimismo
tão franco. Em geral, os cientistas confiam no gênio humano. Entretanto, quando
pomos lado a lado os dados e as teorias sugeridas pelas ciências humanas, o
futuro do homem não é muito brilhante.
Um dos
antropólogos mais considerados do mundo, Ernst Mayr, ex-diretor do Museu de
Zoologia
Comparada da Universidade de Harvard, publicou recentemente um livro que Julian
Huxley qualificou como a obra mais importante desde A Origem das Espécies, de Darwin.
O volume de
quinhentas páginas. Populações, Espécies
e Evolução, apresenta uma síntese global das teorias darwinistas na
perspectiva da ciência moderna. Encontramos ali o retrato do homem, no tempo e
no espaço, e a conclusão final é que o cérebro e o organismo humano estão em
fase de involução.
É
problemático determinar uma data para o aparecimento do homem. Digamos
simplesmente que os primeiros hominídeos separaram-se dos grandes símios há uns
40 milhões de anos, aproximadamente.
O volume do
cérebro e as faculdades que acompanham este volume representam os traços mais
importantes que diferenciam o homem dos antropoides. O aumento da capacidade
cerebral é a transformação evolutiva mais espetacular que se conhece. O volume
do cérebro triplicou num período de 1 milhão de anos, passando de 400 g a mais
de 1.200 g. Esta transformação cessou completamente há 100 mil anos ou 200 mil
anos. Por quê?
O aumento do
volume do cérebro correspondeu provavelmente a forças ou pressões seletivas
consideráveis, das quais Mayr aponta três:
A caça aos
animais de grande porte, que exigiu a fabricação de armas e instrumentos novos;
a cooperação entre os diversos machos, uma forma de divisão do trabalho e das
responsabilidades e, por último, o hábito de expedições distantes. "É
quase certo que a recompensa de uma boa caçada produzia uma forte pressão
seletiva em benefício da evolução cerebral." A cooperação entre os machos
criou a necessidade da comunicação. Assim nasceu a linguagem humana, invenção
básica que motivou a passagem do hominídeo ao homem. Surgiu em seguida uma
estrutura social, cuja importância é primordial com respeito à reprodução.
Leis sociais prejudicam a espécie
Muitos
antropólogos pensam que a monogamia foi o sistema reprodutivo original da
espécie humana. Para Mayr, a evolução extraordinariamente rápida do cérebro só
pode ser explicada pela poligamia. Os cérebros grandes deveriam reproduzir-se
mais frequentemente que os pequenos. Os caçadores mais robustos e mais
inteligentes organizavam a caça, depois eram promovidos a chefes. Os chefes
podiam escolher diversas mulheres. Eram eles que tinham o maior número de
mulheres e de filhos, como é o costume ainda hoje em certas tribos primitivas.
Foi quando o
homem atingiu a condição atual de homo
sapiens que a monogamia tornou-se um fato difundido. Na mesma ocasião, por
volta de 100 mil a 200 mil anos atrás, o crescimento do cérebro cessou
bruscamente. Como é possível haver evolução mental sem aumento da capacidade
craniana?
Em nossa época,
o processo evolutivo não apenas parou, como começou a retroceder. Hoje, são os
cérebros pequenos que se reproduzem mais frequentemente. "A natureza
genética do homem está em fase de degeneração ...Os indivíduos mais
inteligentes, tanto nos países capitalistas quanto comunistas, possuem, em média, um índice de reprodução
mais baixo que os indivíduos menos inteligentes. Uma parte, pelo menos, desta
diferença intelectual é determinada pela genética."
Ninguém
duvida mais que a inteligência seja hereditária, pelo menos em parte, como
provam diversos estudos efetuados em gêmeos idênticos. Pouco importa, aliás,
que a inteligência seja transmissível em 25% ou 75%, e que o restante seja
determinado pela educação e pelo meio. "Basta haver apenas uma parcela de
traços hereditários para que o efeito negativo se acumule de geração em
geração.
A ciência,
em geral, rejeita todas as medidas que visam à melhoria da espécie humana. A
razão é que seria preciso escolher alguns critérios mais ou menos arbitrários
do que é positivo ou negativo, e daí para o racismo falta apenas um passo. Mas
a realidade é que algumas leis humanas são francamente antieugênicas, como se
tivessem por objetivo a deterioração da espécie.
"O
indivíduo superior é punido por seu Governo de diferentes maneiras, pelos
impostos que paga e outras medidas, que tornam mais difícil criar uma família
numerosa. Podemos indagar também por que a isenção de impostos para as crianças
não é uma quantidade fixa, em vez de uma porcentagem dos impostos totais...
Muitos regulamentos e leis administrativas fazem discriminações cegas contra os
membros mais dotados da comunidade... Modificar estas leis de maneira a
recompensar os desempenhos de cada um é uma medida inteiramente diferente da
distribuição dos privilégios segundo os critérios artificiais e arbitrários dos
racistas, representados por exemplo pelos cabelos louros e olhos azuis, ou por
algum descendente particular, como nas sociedades medievais."
Se aceitamos
a existência de uma contra-seleção no homem moderno, podemos acrescentar que,
em muitos países, o sistema das deduções familiares encoraja a reprodução dos
menos dotados e representa uma medida antieugênica. Os diversos métodos
anticoncepcionais, utilizados pelas mulheres mais evoluídas, seriam igualmente
antieugênicos. Um outro aspecto do cérebro atua hoje contra o homem. Ele se
diferencia dos outros animais pelo longo aprendizado que recebe durante sua
formação. O homem tem uma capacidade de aprender superior à do primata, mas não
é suficiente.
"Ela
deve ser completada pelo desejo bem definido, ou pela aptidão, de conservar a
informação adequada (...) O homem possui um grande talento para conservar o que
aprendeu, como provam sua aceitação dos sistemas éticos e religiosos, sua
vulnerabilidade à propaganda e à opinião das massas (...) Todos os membros da
comunidade beneficiam-se com as realizações dos indivíduos superiores. Contanto
que não esteja muito abaixo da média, o indivíduo comum pode viver e se
reproduzir com tanto êxito quanto o indivíduo que está acima da média. Estes
são os fatores que contribuíram para a estabilização do volume cerebral, para a
interrupção repentina de um progresso evolutivo excessivamente rápido."
Este fenômeno brecou o homem na sua evolução para o super-homem. "Não
existe nenhum motivo para a interrupção do crescimento do cérebro, sobretudo se
uma vantagem seletiva decorria deste processo." Hoje, o cérebro grande não
oferece nenhuma vantagem reprodutiva, pelo contrário.
A transmissão dos genes nocivos
E o que
pensar da evolução do organismo humano? Mayr, como a maioria dos autores
recentes, acredita que "o perigo da extinção do homem é remoto, a menos
que ele não se auto-extermine por meio de uma guerra atômica ou outra loucura
semelhante ... O homem é suficientemente polimorfo (dotado de uma variedade
genética) para sobreviver até mesmo às epidemias mais devastadoras. A
existência semi-isolada de algumas sociedades primitivas aumenta esta
probabilidade de sobrevivência. No domínio puramente biológico, não há muitas
razões para nos preocuparmos com a continuidade genética da espécie
humana".
Senhor quase
supremo do seu meio, o homem não tem mais necessidade de adaptação. Ele adapta,
em vez disso, o meio às suas necessidades. Aquece-se no frio, refrigera-se no
calor, protege-se da chuva e do vento. Venceu as grandes epidemias, aumentou
sua longevidade. O recém-nascido, portador de uma doença congênita, que há cem
anos atrás estava condenado, sobrevive hoje graças à medicina. Sobrevive e se
reproduz, o que é um desastre do ponto de vista evolutivo. Porque um grande
número de doenças são hereditárias, ou comportam, pelo menos, um fator
transmissível. E se podemos curar o doente, não podemos, por enquanto, eliminar
o defeito congênito que provoca a doença e transmite a predisposição de geração
em geração. No passado, este gene defeituoso era eliminado pela morte do
portador antes da idade reprodutiva. Hoje, o gene acumula-se à comunidade
genética da humanidade. Um exemplo é a diabete, doença de forte componente
hereditário. "A propagação da diabete deve estender-se lentamente nas
gerações futuras, observou o dr: Theodosius Dobzhansky. Não sabemos ainda
quanto tempo levará para dobrar. Provavelmente centenas ou milhares de anos.
Esta perspectiva não é muito confortadora. As injeções de insulina podem se
tornar tão comuns quanto os comprimidos de aspirina. Nossa vida já depende
muito da civilização e da tecnologia, mas a de nossos descendentes dependerá
ainda mais." Na opinião de Mayr, o aumento da frequência dos genes
transmissores de afecções hereditárias controláveis não terá um efeito
dramático para o futuro da espécie humana enquanto contarmos com medicamentos
adequados.
Previsão
tranquilizante, sem dúvida. Uma boa parte da humanidade seguirá um tratamento
médico desde a infância. Não somente os genes nocivos sobrevivem e se
transmitem, como o índice de aparecimento dos genes recessivos aumenta sempre.
A era industrial criou uma outra espécie de paradoxo contra-seletivo, cujo
impacto é considerável. E contra o qual não fazemos nada. As mutações são
alterações dos cromossomos, e elas se produzem sobretudo em consequência das
radiações ionizantes e das reações químicas.
A evolução,
segundo se admite, é o resultado da seleção natural das mutações favoráveis,
cuja proporção é ínfima em relação às mutações nocivas, porque a maioria destas
foi eliminada. Atualmente, no entanto, dois fatores novos entram em jogo: as
radiações e os produtos químicos foram multiplicados por um fator desconhecido.
E os genes nocivos foram eliminados em grau menor. Nossa civilização, neste
sentido, é menos cruel que a natureza.
Os males da superpopulação
Alguns
genes, evidentemente, continuam sendo eliminados: os que provocam o aborto
espontâneo ou a morte do seu portador, antes da idade reprodutiva. Mas a
criança que sobrevive e se reproduz, graças à medicina moderna, poderá
transmitir o gene defeituoso à geração seguinte. Estas mutações são repentinas
e imprevisíveis. A importância delas é muito variável: podem ir da modificação
da secreção de uma enzima ao desaparecimento de um membro. Algumas são
dominantes, outras recessivas. Se não forem mortais, ou não provocarem a
esterilidade do portador, elas se acrescentam ao capital humano, ocupando o
lugar dos genes favoráveis correspondentes.
"A
perda progressiva dos genes favoráveis não é o único perigo que enfrenta a
espécie humana. A superpopulação constitui um problema mais sério," Mayr
não se refere aos efeitos materiais da superpopulação, como o esgotamento dos
recursos naturais, sejam minerais, energéticos ou alimentares. Ainda mesmo que
a técnica encontre uma solução para estes problemas, a superpopulação deterá a
evolução do homem para um ideal humano. Este fato é novo: o desequilíbrio entre
o índice da natalidade e o da mortalidade é um fenômeno do século. As
sociedades primitivas compreendem melhor do que as sociedades evoluídas a
necessidade de limitar sua população. Sabemos que uma das consequências da
densidade humana muito acentuada é a doença mental, em suas diversas formas.
Num país industrializado, as doenças mentais atingem até 10% da população —
como é o caso nos Estados Unidos.
O próprio Darwin
indicou o perigo de uma população onde só houvesse lugares em pé. "Não
estamos preparados para enfrentar este dilema. Aceitamos o mandamento 'não
matarás' sem indagar quais são as restrições legítimas à liberdade individual.
Mas não admitimos o mandamento igualmente importante: 'Não produzirás mais de
dois ou três filhos. É impossível manter a procriação sem restrições entre as
liberdades individuais do homem, se não definimos como liberdade um direito que
nos cabe contanto que não seja prejudicial aos outros... O direito à procriação
sem limites não deveria mais figurar entre as liberdades humanas." Esta
tomada de consciência não se limita a uma minoria, mas inclui todos os homens.
"De que adiantaria se os mais dotados tivessem apenas dois ou três filhos,
enquanto os outros procriassem oito ou dez?... Apesar da atitude dos governos,
dos legisladores e das autoridades eclesiásticas, que são quase criminosos
quando formulam opiniões insensíveis sobre estes problemas, cabe a cada
indivíduo lutar pelo bom senso e pela saúde no que diz respeito à política da
população. Qualquer outra alternativa seria um desastre para a espécie
humana." Com estas palavras Mayr conclui sua análise magistral.
Entretanto, da mesma forma que a grande maioria dos antropólogos e dos
geneticistas, ele não apresenta uma solução que seja ao mesmo tempo eficaz e
aceitável. Devemos aguardar uma solução "natural", como seria a
guerra total ou a fome universal, predita por alguns especialistas em
alimentação? Enquanto isso, a espécie humana continuará sua involução. O
processo é lento, naturalmente. O homem de Cro-Magnon, com exceção da aparência
e da cultura, era mais ou menos idêntico ao homem moderno. Temos por isso
alguns milhares de anos pela frente. Também isso é confortador. Os humoristas
poderão dizer que nós não temos pressa.
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Fonte:
Ciência & Vida, nº 4. Editora Três. São Paulo, agosto de 1975, págs. 61-66.
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