Supletivismo
Em alguns
casos de flexão de gênero, de pronomes pessoais, de graus, de
significação de pessoas verbais, aparecem certas irregularidades que costumavam
as antigas gramáticas explicar como exceções da regra geral. Assim: de pai, marido, boi, bode, genro e tantos
outros substantivos, forma-se o feminino, não pela mudança de o em a como é da
regra geral, mas, por meio de outra palavra inteiramente diversa: mãe, esposa,
nora, vaca, cabra, etc. Entre os pronomes pessoais do caso reto: eu, tu, ele, ela e os seus respectivos
casos oblíquos me, te, se não há
também sequência. Nos graus vemos que bom,
mau, grande, pequeno apresentam os comparativos e superlativos diferentíssimos:
melhor, pior, maior, menor, átimo,
péssimo, máximo, mínimo. Na série dos verbos há alguns que recorrem a
outros temas para completar seus quadros pessoais como: remir e redimir; precaver-se e aprecatar-se; o verbo ir
que recorre aos temas latinos ire,
vadere, fugere: vou, vais, vai,
vamos, vades, vão ou então: imos,
ides, vão; fui, foste, foi, etc. Os modernos gramáticos dão a tais fenômenos
o nome de supletivismo.
Supletivismo é, pois, o fenômeno
morfológico pelo qual as flexões dos nomes e pronomes bem como dos verbos
deficientes se completam, recorrendo a outros temas diferentes. Os casos mais
importantes são os seguintes:
1) Supletivismo de gênero — Muitos
substantivos recorrem a outra forma completamente diversa para a indicação do
feminino. Exs.: pai, mãe; genro, nora;
boi, vaca; bode, cabra; etc. Todos estes e muitos outros fogem à regra
geral da mudança de o em a como: sogro,
sogra; pato, pata; Antônio, Antônia. Falta-lhes a todos esta flexão normal,
sendo-lhes necessário recorrer a outro tema para a formação do gênero feminino.
2) Supletivismo pronominal — Os casos retos
do singular apresentam temas diferentes dos casos oblíquos. Assim: eu (me, mini, comigo); tu (te, ti, contigo);
ele, ela (se, si, consigo, o, a). No plural existe regularidade temática: nós (nos, conosco); vós (vos, convosco); mas
eles, elas (se, si, consigo, os, as, lhes).
3) Supletivismo de graus — Em todas as
línguas românicas os adjetivos bom, mau,
grande, pequeno formam o comparativo e o superlativo, recorrendo a temas
diferentes: bom (melhor, átimo); mau
(pior, péssimo); grande (maior, máximo); pequeno (menor, mínimo).
4) Supletivismo verbal — Quase todos os
verbos denominados defectivos entram na classe geral dos que devem ser supridos
com outras formas alheias ao seu tema primitivo. Outros, que não são
considerados defectivos, como ser, ir,
são também formados de vários temas. Em ser
encontramos os latinos sedere e esse.
O presente do subjuntivo: seja, sejas, seja, etc., pertence a sedere (sediam, sedias, sediat, etc.). Mas sou, és, é, etc., pertencem a esse
(sum, es, est, etc.). — Nas formas de
ir encontramos os latinos ire, andare,
fugere. O imperfeito do indicativo ia, ias, ia, etc., depende de ire (ibam,
ibas, ibat); o presente: vou, vais,
vai, origina-se de vadere (vado, vadis, vadit); o pretérito
perfeito do indicativo: fui, foste,
foi é formado de fugere (fugi, fugisti, fugit, etc.). O verbo remir, naquelas pessoas em que pode
confundir-se com remar, recorre ao
composto redimir. Já precaver-se, não tendo o presente do
indicativo completo nem o do subjuntivo, supre, tal falta com outro qualquer
como aperceber-se, aprecatar-se, etc.
A causa
destes fenômenos de Supletivismo está na história de cada uma das palavras e
compete à gramática histórica ou à história da língua portuguesa explicá-la. Em
muitos casos, entretanto, a explicação só poderá ser encontrada na gramática
histórica do latim porque são fenômenos que já recebemos feitos na dialetação
desse idioma em o nosso. Não será, portanto, na gramática normativa, que se
darão as explicações últimas de tais ocorrências
As formas,
que suprem as deficiências de todos esses fatos, tomam o nome de supletórias, supletistas ou supletivistas. Querem alguns que haja
Supletivismo em sintaxe, o que não nos parece aceitável. Serão construções
várias, corretas todas, que cada qual emprega como lhe mais agrada. Já será
assunto de estilística e não de simples gramática.
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Fonte:
Gramática Normativa da Língua Portuguesa, por: Francisco da Silveira Bueno. Edição Saraiva, 7ª Edição. São Paulo, 1968, págs. 239-241.
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