terça-feira, 26 de julho de 2016

Cristianismo e Filosofia (Religiosidade)

Cristianismo e Filosofia

Por: Adgeny Carvalho de Almeida.
Professores de Filosofia têm sido constantemente alvos de críticas e rotulações de "hereges". A partir de que conceito tem sido gerada e alimentada toda essa confusão? O que é que se teme tanto?
Antes de responder essa questão, precisamos ter em mente que o domínio da fé e da ciência é distinto. A fé, que está no domínio das verdades reveladas, inacessíveis à razão, é demonstrada com a razão natural, que tem como ponto de partida o lógico. "Estejam sempre prontos para responder a qualquer pessoa que pedir que explique a fé que vocês têm" (l Pé 3.15).
Os filósofos gregos, conhecidos como amantes do saber ou da verdade, julgavam poder encontrar na investigação racional o conhecimento que fosse ao mesmo tempo o mais válido e o mais extenso possível. "Toda filosofia tem seu ponto de partida no homem, apela a seu intelecto e trata de noções e problemas puramente naturais. Seu objetivo é proporcionar uma interpretação racional do mundo, da natureza, da sociedade, do homem e da sua vida interior, a fim de torná-lo verdadeiramente sábio e orientá-lo para a consecução de sua meta natural" (Philothaus Boehner, p. 10 e 11).
Os filósofos consideravam que uma "teoria" devia ser discutida e não defendida. E é exatamente aí que se dá a confrontação da filosofia helênica com o cristianismo. A filosofia helênica se ocupava, também, com questões de ordem religiosa. Em face disso, tornou-se imperioso o Cristianismo assumir uma atitude crítica, uma vez que tem a posse da verdade absoluta, garantida pela revelação em Cristo Jesus. O Cristianismo faz o homem ver pela razão a necessidade de se deixar curar pela fé e pela graça. A razão orientada pela fé torna-se capaz de retificar e aprofundar na verdade o que a razão lesada dos pagãos não pode alcançar. Ela realiza a meta que a filosofia grega, base de todo pensamento humano, só pôde esboçar em traços gerais.

ESCÂNDALO E LOUCURA
A notícia de que Deus havia se feito homem num lugar e num momento preciso e havia morrido crucificado pelos romanos nunca foi e nem poderia ser assimilada pela filosofia grega, pois era incompatível com a imutabilidade, impassibilidade e perfeição divina desenvolvida até então.
A partir de Heráclito de Éfeso (século V a.C.) logos designava a inteligência cósmica ou razão do mundo, princípio fontal, gerador, do ser e do conhecimento. Filo, filósofo judeu, via, no logos, a ideia divina do mundo e o meio pelo qual Deus opera no mundo. João aplica o termo logos em relação a Jesus Cristo, como o Deus vivo (não está em e com Deus, ele, logos é o próprio Deus. Esta personalidade do logos e sua encarnação, constituíam escândalo para os judeus e loucura para os gentios. O logos contém em si as ideias; é luz espiritual, fonte de todo o conhecimento que ilumina toda Terra. "Deus fez todas as coisas por meio dele, e nada do que existe foi feito sem ele. Ele tinha vida em si mesmo, e essa vida trouxe luz para os seres humanos. Essa é a luz verdadeira, a luz que veio ao mundo e ilumina todas as pessoas" (Jo 1.3,4,9).

SUJEIÇÃO HUMILDE
A sabedoria deste mundo é referência à sabedoria hostil a Deus. A sabedoria que Paulo conheceu fazia parte desta sabedoria mundana. Paulo jamais pretendeu, como alguns interpretam, contrastar a razão e a revelação ou a razão e a fé, pois, como já dissemos, as áreas de domínio são distintas. Mas ele sentiu a oposição da filosofia helênica versus a doutrina cristã.
O cristianismo condena a soberba e a autossuficiência da razão mundana e exige a sujeição humilde à cruz de Cristo. Paulo confronta os gregos com o absurdo de um Deus morto, ressuscitado e elevado à glória dos céus, em lugar do imponente sistema de ideias construído em fundamentos puramente racionais, sustentado por sua própria coerência interna. Paulo substitui a ciência puramente humana, que não passa de desvios e especulações, pela sabedoria salvífica de Deus.
Jesus declara que a sabedoria é um dom de Deus, e não um produto da mera razão natural. A sabedoria não depende de recursos humanos, ela se manifesta na fraqueza humana segundo a lei universal da graça.
"Ó pai, senhor do céu e da Terra! Eu te agradeço porque tens mostrado aos que não são instruídos aquilo que escondeste dos sábios e dos instruídos" (Mt 11.25). Essa oração de Jesus não é um enunciado contra a razão. A razão em si mesma é dom de Deus. Ela só é incapaz de penetrar nos mistérios mais profundos de Deus. Como são grandes as riquezas de Deus! Como são profundos o seu conhecimento e a sua sabedoria! Quem pode explicar as suas decisões? (Rm 11.33,34a), mas pode aplicar-se com êxito a problemas de sua competência.
Vivemos hoje em plena era das ciências, fruto de trabalho consistente de investigação do homem, a partir do lógico, do verificável, o que foi um longo processo. Quantos não são os benefícios conquistados pela razão? O problema se dá, na ciência e na religião, quando o conhecimento se deriva do abuso da razão, pois a partir daí temos a distorção e até mesmo a inversão do conhecimento verdadeiro, tanto científico como religioso.

CONHECIMENTO NATURAL
Os gentios não convertidos possuíam algum conhecimento natural de Deus independente de uma revelação especial, mas, por não lhe terem dado a devida reverência, o seu entendimento obscureceu na mais absurda idolatria. "E, como não querem saber do verdadeiro conhecimento a respeito de Deus, ele os entregou aos seus maus pensamentos, para que façam o que não devem. Estão cheios de perversidade, maldade, avareza, vícios, ciúmes, lutas, mentiras e malícia. Difamam e falam mal uns dos outros. Odeiam a Deus e são atrevidos, orgulhosos e vaidosos. Inventam muitas maneiras de fazer o mal, desobedecem aos pais, são imorais, não cumprem a palavra, não têm amor por ninguém e não têm pena dos outros. Eles sabem que a lei de Deus diz que quem vive assim merece a morte. Mas mesmo assim continuam a fazer essas coisas e, pior ainda, aprovam os que agem como eles" (Rm 1.28-32).
"Mas onde pode ser achada a sabedoria? Em que lugar está a inteligência?" (Jó 28.12). "A sabedoria não entra numa alma maligna, ela não habita num corpo devedor ao -pecado. Pois o Espírito Santo, o Educador, foge da duplicidade, ele se retira diante dos pensamentos sem sentido, ele se ofusca quando sobrevêm a injustiça" (Sabedoria l .4-5). "Para ser sábio, é preciso temer ao Senhor; para ter compreensão é necessário afastar-se do mal" (Jó 28:28).
O homem, mesmo antes dos filósofos gregos sistematizarem a investigação racional à busca do conhecimento e da verdade, tenta explicar e compreender a origem do mundo, a essência do homem, o destino do homem, o fundamento das normas político-morais. Ele tem encontrado as respostas mais diversas a essas questões. Mas a razão é um dom de Deus e da só pode ser vivenciada como um presente quando sujeita a Cristo, pois ele é o alfa e ômega, o princípio e o fim de todas as coisas.


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Fonte:
Revista UniJovem. Ano XI - Nº 49 - 1993. JUMOC. Rio de Janeiro,  págs. 38-39.

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