Quem descobriu a América?
Por: Louis Kervran
Os vikings descobriram a América mil anos
antes de Colombo. Hoje, alguns manuais de história já admitem o fato como
verdadeiro. Entretanto, as pesquisas vão ainda mais longe: antes dos vikings, os celtas (galeses,
irlandeses e bretões) também teriam visitado o "novo mundo". Colombo
era apenas o representante de uma nova
mentalidade, que precisava de propaganda para se impor. Antes dele, porém, até
o Vaticano já tinha enviado expedições para cobrar o dízimo dos vikings
convertidos ao cristianismo, que residiam na Groenlândia.
A história
oficial, gravada no mármore das universidades, continua a afirmar: Cristóvão
Colombo descobriu a América em 1492. Colombo entrou a serviço da rainha Isabel
de Castela com a intenção de abrir um novo itinerário marítimo para a índia.
Partiu de Paios no dia 3 de
agosto de 1492,
em meio a uma grande festa
popular, e deparou em outubro com um
obstáculo que barrava seu caminho: um
continente desconhecido. De fato, durante essa primeira viagem, abordou
somente São Salvador, Cuba e Haiti.
Só desembarcou no contingente em sua terceira expedição de
1498, que seria a penúltima.
Nos últimos
quinhentos anos, contudo, surgiram alguns elementos inesperados que não podiam
ser incluídos na
tese colombiana aceita
tradicionalmente. Somente alguns vestígios, por vezes imperceptíveis, se
desprendem do passado; o significado deles surge pouco a pouco graças ao estudo
de alguns pesquisadores. A preguiça incita muitas vezes a repelir na sombra o
que havia permanecido muito tempo nela: as certezas não gostam de ser abaladas.
Pelo fato de importunar a história oficial, os indícios que afetavam a
reputação da gloriosa epopeia colombiana foram classificados sob a rubrica do
que Darwin denominava "os fatos malditos". O número deles cresceu a
ponto de explodir o caldeirão.
Por que
razão, segundo a narrativa do filho de Cristóvão Colombo em suas Memórias, o navegador genovês foi à
Bretanha antes de empreender sua primeira viagem, com a certeza de encontrar
ali informações preciosas sobre a
navegação no Atlântico? Qual é a origem de uma lenda transmitida pelas tribos
da América Central antes do desembarque de Cortez: a lenda do homem branco?
Quem ergueu certos monumentos antigos, inexplicados, na região de Boston?
Medo de modificar os livros
As pesquisas
sistemáticas sobre a civilização dos vikings confirmou o fato de que esses
conquistadores intrépidos atingiram a costa oriental da América do Norte por
volta do século 10, isto é, cinco séculos antes de Colombo, e que se instalaram
na Groenlândia.
A fim de não
ter que modificar os livros de história, alguns autores admitiram que a
descoberta fortuita deles, causada por tempestades que desorientaram os
pilotos, não teve consequências. Sem dúvida, a lenda de Cristóvão Colombo
sofreu com isso. Ele não havia domesticado uma virgem pura, mas apenas uma
mulher inocente que tinha sido violada durante seu sono. Era um incidente sem
muita significação, já que a virgem não conservava nenhuma lembrança desse fato
dos bandidos, e que coubera à Espanha introduzi-la na civilização.
O ensino
clássico é uma longa tradição transmitida nas escolas por gerações e gerações
de professores. Ele aceita dificilmente certos retoques. Em compensação, o
edifício inteiro desmorona algumas vezes sob a pressão dos fatos. Nossa época
de renascimento assiste a diversas demolições e renovações. Eu, pessoalmente,
critiquei a química tradicional de Lavoisier, pondo em dúvida alguns aspectos
adquiridos da biologia, da medicina, da geologia e do atomismo.
As ciências
naturais não são as únicas que envelhecem ou evoluem; as ciências humanas
conhecem as mesmas transformações. As pesquisas arqueológicas de Schliemann não
transformaram em realidade a lenda de Tróia?
A descoberta
dos manuscritos do mar Morto revolucionou nossa visão das civilizações
pré-cristãs. Da mesma forma, dos arquivos onde se encontram guardados os
documentos sobre as relações da Europa — América antes de Colombo sobe um
"grande clamor de silêncios", segundo a expressão colorida de Charles
Fort.
Mil anos antes de Colombo
Das
narrativas, dos mapas, dos vestígios, surgem à tona algumas "coincidências
exageradas", feitas sob medida para derrubar nossos conhecimentos
históricos. Uma conjuração de elementos parece demonstrar que o continente
americano era conhecido uns mil anos antes da viagem do enviado especial de
Isabel de Castela, que as ligações entre a Europa e a América eram frequentes e
organizadas. Cristóvão Colombo, na verdade, beneficiou-se com a propaganda
criada em torno de suas expedições que, além de influenciar a história e os
historiadores, deu a elas uma importância imerecida. A Espanha armava seus
navios com intenções de conquista e de comércio. Era necessário despertar a
curiosidade das cortes e dos comerciantes da Europa para que o empreendimento
fosse lucrativo. Nas brumas dos pequenos portos da Bretanha e d.a Irlanda,
alguns comandantes transmitiam igualmente, há muitos séculos, os mapas dos
ventos e das correntes marinhas que permitiam atravessar o Atlântico e chegar
em menos de três semanas a sua outra costa.
A regra
deles era o segredo e o silêncio, ao contrário da do navegador genovês, porque
o essencial para eles era conservar o domínio do mar. Não há dúvida que
Cristóvão Colombo ignorava onde tocaria realmente na terra, ao navegar em
direção ao oeste, apesar de suas visitas insistentes aos marinheiros bretões.
Mas o capitão da Santa Maria, Juan de Ia Cosa, sabia com exatidão. Mais
informado sobre a cosmografia do que o comandante da expedição, não se enganou
nos seus cálculos. Sabia perfeitamente que o solo onde desembarcou não era o
das índias. Ele pertencia, certamente, ao número de iniciados para os quais o
Atlântico não era um mar desconhecido e assustador.
Os celtas chegaram antes dos vikings
Desde o fim
do século 19, uma extensa literatura foi dedicada ao período americano dos
vikings, que principia antes do ano 1000. Alguns livros escolares começam mesmo
a fazer referência a essa parte da história que permaneceu oculta durante mais
de mil anos. A análise dos documentos não foi muito profunda, caso contrário
teria revelado uma presença nitidamente anterior às navegações dos vikings: a
dos celtas. Denominados celtas, os galeses, os irlandeses e os bretões, isto é,
os povos do mar Céltico. Cristóvão Colombo não errou ao fazer suas
investigações na Bretanha, em lugar de ir buscar informações na Noruega. Os
celtas conheciam muito melhor do que os vikings as rotas marítimas para oeste —
e há muito mais tempo. Cristóvão Colombo devia estar informado desse fato, já
que se limitou a andar pelos portos interrogando os marinheiros. Tentou seguir
os navios que partiam para oeste.
Nas
primeiras vezes, foi facilmente despistado. Durante uma tentativa mais
afortunada, os navios bretões preferiram voltar do meio do caminho ... e pôr-se
ao mar sem aviso prévio. Cinquenta anos antes da partida da nau Santa Maria, de
Paios, uma carta do rei da França concedia à abadia de Kérity, perto de
Paimpol, o direito de receber uma décima parte de todos os produtos
desembarcados procedentes do mar e dos países situados na outra costa do oceano.
Os vikings,
por sinal, mencionam a presença dos celtas no continente americano. Essas
alusões são encontradas muitas vezes em suas sagas, isto é, em suas narrativas
familiares dos antepassados ilustres. Os arquivos dos chefes vikings foram
transcritos em 1180. São esses documentos que chegaram até nós, confirmando que
a viagem de ida e volta da Europa do Norte à América do Norte era realizada
frequentemente. As sagas eram transmitidas oralmente há mais de dois séculos
quando foram fixadas em pergaminho.
Palavra escrita e tradição oral
Esse fato
diminui sua importância? Nossa civilização livresca manifesta uma desconfiança
profunda pela tradição oral. Suspeitamos que os diversos narradores tenham
deformado ou embelezado suas histórias. Não estamos, dessa forma, atribuindo
aos antigos nossos próprios defeitos? Mas um povo sem escrita, cujo pensamento
e história circulam há muito tempo de boca em boca, não deve demonstrar um
respeito minucioso pelos textos que transportam a totalidade de seu patrimônio
cultural?
O narrador
que se deixasse empolgar ou cuja memória falhasse, era imediatamente
repreendido e corrigido por um vizinho atento. A palavra não tinha a força de
nossos contratos assinados? E ninguém ousava infringi-la. Nessas condições, é
possível que algumas deformações tenham ocorrido durante um milênio. Mas em
duzentos anos, que supõem apenas três ou quatro intermediários entre o primeiro
que viveu os fatos e o último que os transmitiu, a verdade não sofreu mais do
que alterações insignificantes.
A maioria
dos conhecimentos adquiridos nessa época eram transmitidos oralmente, e alguns
não podiam ser retocados sem causar graves incidentes. Onde os marinheiros
conservavam suas ciências senão na memória? Descobertas recentes provam que
existiam mapas em épocas muito antigas: os mapas de Piri Reis, de Thordsten ou
de Zeno ainda não revelaram todos os seus mistérios aos especialistas. Eles
descrevem os contornos dos continentes e a topografia interior.
Mas a
direção dos ventos? Os pontos de encontro das correntes marítimas? As estações
favoráveis às navegações? O comportamento a ser adotado nas tempestades? Os
locais em que as tempestades afastavam os navios da rota? Essas informações,
tão valiosas quanto as outras, pertenciam à tradição oral. A fantasia dos
mensageiros não encontrava um terreno propício. Nossos longínquos antepassados
tinham certamente em relação à palavra a mesma atitude de respeito que
reservamos aos escritos. Isso explica por que .Colombo voltou de mãos vazias de
sua viagem à Bretanha. Se as informações que procurava estivessem nos mapas,
ele as teria encontrado. Mas diante do estrangeiro que não pertencia à
profissão de marinheiro os capitães bretões guardaram o silêncio.
As sagas nórdicas são provas históricas
As sagas que
conhecemos, sejam de origem norueguesa, groenlandesa ou islandesa, formam um
conjunto suficientemente homogêneo para confirmar o papel que atribuímos à
tradição oral. Fora isso, elas fornecem informações que revolucionam a
história. Nas 80 sagas que conhecemos, há inúmeras alusões à presença dos
celtas na América.
Cada uma das
referências consideradas isoladamente não prova grande coisa; mas quando são
reunidas e comparadas, constituem um acervo impressionante de provas. Num
estudo curto como esse é impossível analisar todas as menções, uma por uma;
devemos nos limitar ao essencial. A saga mais antiga é a de Ari Marson. Esse
marujo que partiu da Islândia em 983, após a conquista da ilha pelos vikings,
foi arrastado por uma tempestade até uma costa desconhecida, onde brancos que
falavam o gaélico acolheram-no e batizaram-no à força na religião católica.
Vinte e cinco anos mais tarde, o nobre islandês Karselfni e sua mulher em sua
viagem de núpcias à América, encontraram indígenas chefiados por celtas, entre
os quais havia "uma mulher de cabelos claros presos na testa por uma fita,
e de pele muito clara" Ela se dirigiu em celta à jovem esposa e fez alguns
comentários sobre o filho recém-nascido. Em 1013, ao navegar pela costa da Nova
Escócia após ter desistido de se instalar no continente ocupado por populações
hostis, Karselfni avistou um homem barbado na companhia de duas mulheres e de
duas crianças.
Uma estranha procissão católica
Os adultos
fugiram, mas as crianças foram capturadas e levadas para a Noruega como prova
do contato com o continente americano. Ao aprenderem a língua dos vikings, as
crianças contaram que, certos dias, seus pais brancos, vestidos com roupas
claras, reuniam-se em procissões tendo à frente homens vestidos de branco, que
cantavam alto, enquanto outros carregavam tecidos de cores vivas na ponta de
varas compridas. Quem eram esses homens brancos? Padres celtas e seus fiéis,
sem dúvida alguma, vestidos com seus hábitos e cantando hinos atrás de seus
estandartes religiosos. Os ritos e o cerimonial, muito apreciados pelos povos
de todas as épocas, chamaram a atenção das crianças capturadas por Karselfni.
Os celtas fugiram da Irlanda antes da invasão pagã dos vikings.
Expulsos por
esses degoladores de padres, saqueadores de igrejas, destruidores de abadias,
refugiaram-se no continente americano conhecido há muito tempo. Os
historiadores surpreenderam-se de que os vikings tenham se instalado na
Islândia e na Groenlândia e só tenham feito breves incursões no continente
americano. Concluíram que as tempestades arrastaram alguns navios perdidos em
direção à costa oriental do Atlântico, e que os náufragos só tinham um desejo:
ancorar num porto seguro. Um estudo minucioso das sagas demonstra que diversas
tentativas de fixação no continente foram levadas a cabo sem sucesso. Os celtas
chefiavam os indígenas: sua preocupação principal era repelir os invasores. Ás
sagas dos vikings mencionam contatos esporádicos com os celtas estabelecidos na
América de 983 a 1029, isto é, durante 46 anos.
O nobre Leif
passou um inverno no continente americano com 35 homens, de 1003 a 1004.
Seu irmão,
Thorvald, explorou a região do oeste por volta de 1006, mas morreu num combate.
Em 1004, uma tentativa épico-cômica terminou como as precedentes: diante dos
insucessos dos homens, a irmã de Leif, violenta e depravada, organizou uma
expedição composta essencialmente de mulheres. Também essa foi mal sucedida
após vários combates sangrentos.
Os celtas
que se encontravam na América no momento dessas incursões vikings habitavam ali
há muito tempo. No século 9, os piratas noruegueses ocuparam todos os portos da
Irlanda e instalaram-se pouco depois na etapa necessária que constitui a
Islândia. Nas datas dos acontecimentos narrados pelas sagas, a viagem dos
celtas da Europa para a América era impraticável desde um século e meio.
Os celtas
encontrados por Leif, Thorvald, Karselfni e outros chefes de expedições
residiam há várias gerações na América. Como não eram provavelmente muito
numerosos e como havia cessado toda contribuição de sangue novo, devem ter se
mesclado pouco a pouco às populações indígenas assumindo a liderança delas.
As sagas não
são as únicas fontes de informação sobre a América pré-colombiana; os arquivos
do Vaticano fornecem comparações preciosas.
A Igreja não
podia desinteressar-se dos cristãos instalados na outra costa do Atlântico, os quais
deviam contribuir para as despesas do culto. A autoridade do papa levou algum
tempo para se estender sobre roda a cristandade mas, desde 1026, Inocêncio III
nomeou um arcebispo para a Noruega, a Islândia e a Groenlândia, e se queixava
das irregularidades na contribuição obrigatória à Igreja.
O Vaticano também chegou antes de Colombo
Diversas
expedições foram organizadas para cobrar o dízimo dos sete mil vikings
residentes na Groenlândia e convertidos ao cristianismo. Em 1354, o papa
Inocêncio IV lançou um grito de alarma: as populações cristãs da Groenlândia
passaram mais de 12 anos sem enviar uma única pele nem uma única presa de morsa
(grande mamífero anfíbio) ao Vaticano. Convocado pelo papa, o rei da Noruega
organizou uma nova expedição.
Ela nos
interessa mais do que as primeiras, porque os enviados especiais do rei e do
papa não se limitaram dessa vez a ir à Groenlândia: navegaram até o continente
americano. O Vaticano fornece assim a prova de que os marujos possuíam desde o
século 13 o domínio perfeito do Atlântico e conheciam a existência de um
continente situado além da Islândia.
Quando a
expedição aportou na Groenlândia, descobriu casas e estábulos intactos, mas
nenhum vestígio dos cristãos. Supondo que a população houvesse partido em direção
a regiões mais clementes, a expedição ganhou o mar e abordou o continente
americano na região da atual cidade de Boston. Mas não encontrou tampouco
nenhum indício dos fiéis vikings. Em vista disso, as naus seguiram a costa em
direção ao norte e entraram na baía de Hudson. Os arquivos nos informaram que a
expedição instalou seu acampamento junto à foz do rio Nelson. Um grupo de
expedicionários partiu para a pesca enquanto o acampamento ficou guardado por
dez homens.
Quando os pescadores voltaram e descobriram
que os guardas haviam sido massacrados, decidiram aumentar o número dos homens
da guarda para evitar novas surpresas. Vinte homens permaneceram em terra;
trinta outros subiram o rio Nelson em canoas. Atravessaram o lago Winnipeg e
rumaram para o sul. Acamparam a 14 lias de marcha dos navios da expedição, a
noroeste dos Grandes Lagos. Continuam sem notícias dos cristãos desaparecidos.
Caracteres rúnicos gravados nas rochas
A missão
decidiu finalmente, oito anos depois de sua partida, voltar à Noruega, e deixou
um barco para comemorar sua passagem: no alto de uma pedra plana que faz parte
de um conjunto de rochedos, gravou .uma inscrição em caracteres rúnicos. Os
marujos voltaram ao porto de partida em 1362 e enviaram um relatório a Urbano
VII, que nesse meio tempo ocupava o trono de São Pedro.
Assim, a
América do Norte, a partir da região de Nova York e de Boston, até os Grandes
Lagos e a baía de Hudson, foi explorada pelos escandinavos enviados pela corte
da Noruega e pelo Vaticano. Os exploradores sabiam onde se situavam os rios e
as montanhas. Sabiam perfeitamente que estavam desembarcando em continente americano.
Relatórios escritos e minuciosos existiam há 130 anos antes da viagem de
Cristóvão Colombo. Não se tratava mais de narrativas transmitidas com dois
séculos de atraso, mas de um diário de bordo, por assim dizer, dos membros da
expedição organizada pelo papa e pelo rei da Noruega. Os arquivos romanos,
apesar de se preocuparem de uma maneira geral com o destino dos cristãos da
Islândia e da Groenlândia, não fazem nenhuma menção aos celtas instalados na
América. Talvez esse silêncio se explique pelo fato de que a implantação deles
era nitidamente anterior à supremacia do Vaticano, e que a organização
religiosa deles não seguia estritamente a da Igreja romana: ela gravitava em
torno de um mosteiro. Nenhum bispo era nomeado e nenhum arcebispo reconhecido:
a única autoridade aceita era o abade, o chefe da abadia ou mosteiro.
Os celtas da
América seguiram certamente o exemplo dos europeus. Foi somente na metade do
século 9 que a Igreja bretã organizou-se nas mesmas bases da Igreja franca, e
foi somente em 1199 que aceitou a integração e renunciou a seu arcebispo autônomo.
Entretanto, encontramos nos documentos religiosos nórdicos alguns elementos
provando que o papado se interessou um momento pelos cristãos da América: foi
por essa razão que o bispo Jon embarcou na Islândia, em 1054, com destino ao
continente americano. Foi aprisionado e morto pelos índios. Um outro bispo, Eric
Gnupson, partiu da Dinamarca meio século depois com o mesmo destino:
desapareceu sem deixar notícia.
A partir do
século 7, no momento em que os piratas do Norte da Europa atacavam a Irlanda e
a Bretanha, a região de Boston eram um centro monástico importante. Além dos
monges celibatários, alguns padres tinham se instalado com suas famílias, o que
possibilitava a renovação da colônia celta.
Descobridores e cosmonautas
O celibato
do clero só foi imposto por Hildebrando, que se tornou papa em 1073 e assumiu o
nome de Gregório VII.
Não foi por
acaso que a colônia se estabeleceu em Boston. O mar impôs essa região. Ela
oferecia a vantagem capital, reconhecida pelos primeiros marinheiros celtas que
tinham sido desorientados pelas tempestades, de apresentar ali, em volta do
cabo Cod, o ponto de encontro das rotas naturais, rápidas e diretas, para a
Irlanda, a Mancha e a Bretanha.
De maio a
outubro, durante todo o período da navegação, os ventos sopram ali
favoravelmente. Essa zona costeira era igualmente um ponto natural de chegada.
Os veleiros que partiam da Europa tomavam naturalmente essa direção. Os vikings
fizeram essa experiência depois dos celtas, dificultando por sinal a
implantação europeia ao barrarem a passagem das embarcações.
O domínio
dos mares não se limitava porém ao conhecimento dos recifes, das ilhas e dos
continentes. Ultrapassava a cartografia banal. Era devido sobretudo à ciência
das correntes e dos ventos. Em que época do ano os ventos impeliam as naus? A
partir de que ponto do oceano? Para onde?
Os veleiros
dos antigos eram semelhantes às naves espaciais que os cientistas modernos põem
em órbita. O capitão que deixava um porto da Irlanda ou da Bretanha procurava,
antes do mais, dirigir suas naus para as correntes permanentes, de água ou de
ar, que cruzavam o oceano. Os barcos penetravam no meio das forças imensas que
governam o planeta, da mesma forma que as espaçonaves ingressam na lei geral da
gravidade. O paralelo entre os primeiros conquistadores dos mares e os
exploradores do cosmo pode ser levado mais adiante.
Os cosmonautas
que explorarão amanhã Vênus ou um outro planeta do sistema solar, depois de
amanhã a região da Alfa do Centauro, não deverão possuir as mesmas qualidades
dos navegadores celtas? O que havia do outro lado dó oceano? O que há do outro
lado do cosmo? As perguntas se parecem, da mesma forma que a coragem necessária
para encontrar a resposta. O oceano era mais misterioso inicialmente do que o
espaço.
Os primeiros
conquistadores que desembarcaram no continente americano ignoravam quem os
receberia. Monstros? Homens? Ninguém? Os punhados de pioneiros que subiam
penosamente os rios, no silêncio impressionante das florestas virgens, à
procura do homem branco hipotético, eram semelhantes aos nossos Gagarins e Shepards.
Como vimos, as expedições duravam dezenas de anos. Durante quanto tempo os
primeiros exploradores da Alfa do Centauro vão se ausentar do sistema solar? O
tempo das cidades, segundo o qual calculamos, é o tempo artificial dos
relógios. A dois mil anos de distância, alguns homens vão viver segundo os
ritmos amplos da natureza.
O que
restará daqui a dois milênios da primeira passagem do homem por um outro mundo?
Uma modesta pedra gravada que despertará o interesse dos cientistas? Um pingo
d'água na imensidade: eis o que restou da presença dos celtas na América no
início de nossa era.
As sagas não
são, por sinal, os únicos elementos que provam a presença dos celtas na
América. Suas indicações são confirmadas por vestígios arquitetônicos. E é
curioso observar que os únicos monumentos encontrados estão situados exatamente
nas regiões mencionadas pela tradição viking. Em Newport, na região de Boston,
uma torre intriga os arqueólogos há vários séculos. Em seu livro, The Last Discovery, o arqueólogo
americano Frederick Pohl refere-se a ela nesses termos: "Uma das funções
prováveis da torre de Newport, segundo sua estrutura, era a de fortaleza. O
único acesso aos andares superiores era por uma porta que ficava a 4,5 m do
chão, exigindo o emprego de uma escada que era facilmente levantada por uma
corda". Essa descrição pode ser completada por um texto de Gérard
Lavallée: "Essas torres eram certamente construções militares que surgiram
nas cidades no século 9, época das primeiras invasões normandas: torres de
vigia de onde era dado o alarma, e de defesa passiva onde os habitantes se
refugiavam graças a uma escada móvel, porque não possuíam porta, mas apenas uma
janela elevada, a uns 5 m do solo". Essa descrição não se aplica à torre
de Newport, mas à de Clonmcnois, na Irlanda. Trata-se de uma obra celta
autêntica e reconhecida como tal.
A única torre celta na América
A torre
americana é única. Na Europa, ela existe em série. Realizei pessoalmente um
trabalho de aproximação entre a torre de Newport e a torre céltica de Lanleff
que se encontra nas costas do norte. Os documentos fotográficos, nesse caso
específicos, não revelam apenas.uma simples concordância, mas uma semelhança
verdadeira. A torre de Newport é um terço menor do que o templo de Lanleff, mas
a espessura das paredes — 3 pés — é a mesma; os arcos são bem trabalhados; as
pedras foram assentadas, nos dois casos, por uma massa composta de cimento e
areia, conchas calcárias e argila cozida; a porta elevada é bem estreita e
avança para o exterior.
Enquanto o templo
de Lanleff é obra de um arquiteto habilidoso, a construção de Newport parece
ser uma cópia realizada por amadores, monges e índios; as arcadas sobretudo são
grosseiras.
O monumento
de Lanleff, que data de 860 £ terminou por pertencer à abadia de Lehon, era um
priorado de monges; o claustro ficava no andar térreo; em caso de perigo, os
monges refugiavam-se na parte superior. Esse tipo de igreja redonda só foi construído
na Bretanha até o início do século 11. A arquitetura evoluiu definitivamente a
partir dessa data. A torre de Newport só pode ter sido construída por monges
que deixaram a Europa antes dessa época.
Um outro
elemento confirma essa teoria sobre a origem dos construtores de Newport: em 918, uma reunião dos delegados das diversas
abadias da Bretanha realizou-se em Lehon (situada a alguns quilômetros do
priorado de Lanleff). Diante das invasões dos vikings, os religiosos
deliberaram sobre as providências a serem tomadas: recuar para o interior da
Gália e guardar em lugar seguro as relíquias e os tesouros. Um texto nos
informa que os monges de Lehon preferiram partir para alto-mar. Talvez seja
essa a última grande expedição que se dirigiu ao "país dos homens
brancos" antes dos conquistadores normandos invadirem a Bretanha e barrar
a rota marítima.
Os índios eram aliados dos celtas
As sagas
narram que os vikings surgiram na região de Newport, vizinha ao acampamento de
Leif, em 1003 e 1004. Essa incursão foi seguida pelo reconhecimento de
Thorvald, irmão de Leif, em 1005-1006, pela tentativa de implantação de
Karselfni durante três anos, de 1010 a 1013, e finalmente pela expedição de
Freydis, irmã de Leif, em 1014-1015. De todas as expedições organizadas nessa
época, conservamos apenas algumas narrativas. Somos informados assim que os
combates foram sangrentos.
Os celtas,
aliados aos índios, julgaram prudente construir essa torre imensa como tinham
feito seus predecessores na Bretanha em circunstâncias idênticas. A torre de
Newport permitia vigiar toda passagem para oeste, da foz do Hudson à cidade
atual de Nova York. Alguns autores atribuem sua construção aos vikings.
Ignoravam certamente a presença dos celtas na América antes do século 9. Não há
nada na arquitetura da torre que lembre as construções norueguesas, enquanto
tudo, da base à porta elevada, aproxima-a dos santuários bretões .
Essa torre
não é o único monumento que coloca certos problemas aos historiadores. Em
Salem, no New Hampshire, a 75 km de Boston, uma construção lembra, como
escreveu o arqueólogo Pohl, "certas obras antiquíssimos da Islândia, da
Escócia e da Bretanha, todas elas de pedra".
A descrição
de Salem nos levou a aproximar essa construção misteriosa da arquitetura do
curioso santuário dos Sete Santos, na comuna do Vieux-Marché (Costa do Norte),
monumento igualmente enterrado, utilizando lajes de granito, com nichos abertos
na pedra. Esse oratório de aspecto druídico data do século 6 ou 7. No início do
cristianismo na .Bretanha, a mistura dos ritos não surpreendia os fiéis; os
monges utilizavam inclusive certos locais de culto tradicional para não ferir a
sensibilidade dos povos que tentavam converter. O estilo arquitetônico indica
que os oratórios dos Sete Santos e de Salem são contemporâneos e produtos de
uma mesma cultura. Essa última construção nos permite datar as primeiras
viagens dos celtas à América. A lenda celta (puramente oral) da navegação de
São Brandão, um dos primeiros druidas convertidos ao cristianismo, precisa que
no século 6 um intercâmbio periódico existia com a Islândia.
Somos
informados igualmente que o santo, avisado por um oráculo, reuniu uma
tripulação de 16 homens para sair à procura de um outro monge, Mermoc, que não
estava perdido, mas simplesmente atrasado. . . por uma penitência que se
impusera. As primeiras viagens para a América realizaram-se provavelmente nessa
época, sob a liderança de Brandão, conhecido por seu proselitismo infatigável.
Os vestígios de Salem reúnem-se às lendas bretãs, como a torre de Newport
confirma as sagas dos vikings.
É impossível
abalar meio milénio da história oficial sem recorrer às referências. E
utilizamos apenas alguns dados essenciais, tanto no tempo quanto no espaço.
Fornos celtas e vikings, pedaços de punhais e de espadas, datados segundo os
métodos científicos modernos, foram igualmente enumerados, fotografados,
classificados e analisados. São apenas algumas das provas, espalhadas por uma
costa de várias centenas de quilômetros. O detetive dispõe frequentemente de um
número menor de vestígios para reconstituir a verdade. A totalidade das
aproximações que estabelecemos ultrapassa os limites de uma introdução. Abrimos
arquivos que estavam classificados separadamente, quando deviam estar juntos.
No século 15, Cristóvão Colombo tomou conhecimento de uma tradição perdida. De
fato, as viagens para a América realizaram-se até a metade do século 14.
Foi assim
que em 1364, o armador veneziano Zeno, indo negociar na Irlanda, escreveu a
seus irmãos uma notícia fantástica: um marinheiro contou-lhe em detalhe sua
estada de 26 dias no além-mar, no "Nuovo Mondo". É a primeira vez que
a expressão "novo mundo" foi empregada.
Colombo representava uma nova mentalidade
As colônias
celtas da América e as vikings da Groenlândia e da Islândia foram dizimadas
pelas epidemias. Assediada por lutas internas, a Europa se fechou.
Durante
vários séculos, entre o 6 e o 10, a Europa tinha seus portos abertos. Esse é um
detalhe importante. Cristóvão Colombo levou para os mares e para a América a
mentalidade da Europa do século 15: espírito de conquista, de comércio, de
imperialismo. O ideal dos monges medievais era bem diferente. Indo evangelizar
e não escravizar, uniram-se imediatamente aos indígenas que consideravam como
irmãos e não como escravos. A história conservou apenas alguns ecos dessa
aventura fantástica.
---
Fonte:
Planeta, nº 09. Editora Três. São Paulo, dezembro de 1973, págs. 11-25.
Fonte:
Planeta, nº 09. Editora Três. São Paulo, dezembro de 1973, págs. 11-25.
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