quarta-feira, 20 de julho de 2016

Quem descobriu a América?

Quem descobriu a América?

Por: Louis Kervran
Os vikings descobriram a América mil anos antes de Colombo. Hoje, alguns manuais de história já admitem o fato como verdadeiro. Entretanto, as pesquisas vão ainda mais longe:  antes dos vikings, os celtas (galeses, irlandeses e bretões) também teriam visitado o "novo mundo". Colombo era apenas o representante  de uma nova mentalidade, que precisava de propaganda para se impor. Antes dele, porém, até o Vaticano já tinha enviado expedições para cobrar o dízimo dos vikings convertidos ao cristianismo, que residiam na Groenlândia.
A história oficial, gravada no mármore das universidades, continua a afirmar: Cristóvão Colombo descobriu a América em 1492. Colombo entrou a serviço da rainha Isabel de Castela com a intenção de abrir um novo itinerário marítimo para a índia. Partiu de Paios  no  dia  3   de  agosto  de   1492,  em meio  a uma grande festa popular,  e deparou em outubro com um obstáculo que barrava seu caminho:  um continente desconhecido. De fato, durante essa primeira viagem,   abordou   somente   São   Salvador, Cuba e  Haiti.  Só  desembarcou no  contingente em sua terceira expedição de 1498, que seria  a penúltima.
Nos últimos quinhentos anos, contudo, surgiram alguns elementos inesperados que não  podiam  ser  incluídos  na  tese  colombiana aceita tradicionalmente. Somente alguns vestígios, por vezes imperceptíveis, se desprendem do passado; o significado deles surge pouco a pouco graças ao estudo de alguns pesquisadores. A preguiça incita muitas vezes a repelir na sombra o que havia permanecido muito tempo nela: as certezas não gostam de ser abaladas. Pelo fato de importunar a história oficial, os indícios que afetavam a reputação da gloriosa epopeia colombiana foram classificados sob a rubrica do que Darwin denominava "os fatos malditos". O número deles cresceu a ponto de explodir o caldeirão.
Por que razão, segundo a narrativa do filho de Cristóvão Colombo em suas Memórias, o navegador genovês foi à Bretanha antes de empreender sua primeira viagem, com a certeza de encontrar ali informações  preciosas sobre a navegação no Atlântico? Qual é a origem de uma lenda transmitida pelas tribos da América Central antes do desembarque de Cortez: a lenda do homem branco? Quem ergueu certos monumentos antigos, inexplicados, na região de Boston?

Medo de modificar os livros
As pesquisas sistemáticas sobre a civilização dos vikings confirmou o fato de que esses conquistadores intrépidos atingiram a costa oriental da América do Norte por volta do século 10, isto é, cinco séculos antes de Colombo, e que se instalaram na Groenlândia.
A fim de não ter que modificar os livros de história, alguns autores admitiram que a descoberta fortuita deles, causada por tempestades que desorientaram os pilotos, não teve consequências. Sem dúvida, a lenda de Cristóvão Colombo sofreu com isso. Ele não havia domesticado uma virgem pura, mas apenas uma mulher inocente que tinha sido violada durante seu sono. Era um incidente sem muita significação, já que a virgem não conservava nenhuma lembrança desse fato dos bandidos, e que coubera à Espanha introduzi-la na civilização.
O ensino clássico é uma longa tradição transmitida nas escolas por gerações e gerações de professores. Ele aceita dificilmente certos retoques. Em compensação, o edifício inteiro desmorona algumas vezes sob a pressão dos fatos. Nossa época de renascimento assiste a diversas demolições e renovações. Eu, pessoalmente, critiquei a química tradicional de Lavoisier, pondo em dúvida alguns aspectos adquiridos da biologia, da medicina, da geologia e do atomismo.
As ciências naturais não são as únicas que envelhecem ou evoluem; as ciências humanas conhecem as mesmas transformações. As pesquisas arqueológicas de Schliemann não transformaram em realidade a lenda de Tróia?
A descoberta dos manuscritos do mar Morto revolucionou nossa visão das civilizações pré-cristãs. Da mesma forma, dos arquivos onde se encontram guardados os documentos sobre as relações da Europa — América antes de Colombo sobe um "grande clamor de silêncios", segundo a expressão colorida de Charles Fort.

Mil anos antes de Colombo
Das narrativas, dos mapas, dos vestígios, surgem à tona algumas "coincidências exageradas", feitas sob medida para derrubar nossos conhecimentos históricos. Uma conjuração de elementos parece demonstrar que o continente americano era conhecido uns mil anos antes da viagem do enviado especial de Isabel de Castela, que as ligações entre a Europa e a América eram frequentes e organizadas. Cristóvão Colombo, na verdade, beneficiou-se com a propaganda criada em torno de suas expedições que, além de influenciar a história e os historiadores, deu a elas uma importância imerecida. A Espanha armava seus navios com intenções de conquista e de comércio. Era necessário despertar a curiosidade das cortes e dos comerciantes da Europa para que o empreendimento fosse lucrativo. Nas brumas dos pequenos portos da Bretanha e d.a Irlanda, alguns comandantes transmitiam igualmente, há muitos séculos, os mapas dos ventos e das correntes marinhas que permitiam atravessar o Atlântico e chegar em menos de três semanas a sua outra costa.
A regra deles era o segredo e o silêncio, ao contrário da do navegador genovês, porque o essencial para eles era conservar o domínio do mar. Não há dúvida que Cristóvão Colombo ignorava onde tocaria realmente na terra, ao navegar em direção ao oeste, apesar de suas visitas insistentes aos marinheiros bretões. Mas o capitão da Santa Maria, Juan de Ia Cosa, sabia com exatidão. Mais informado sobre a cosmografia do que o comandante da expedição, não se enganou nos seus cálculos. Sabia perfeitamente que o solo onde desembarcou não era o das índias. Ele pertencia, certamente, ao número de iniciados para os quais o Atlântico não era um mar desconhecido e assustador.

Os celtas chegaram antes dos vikings
Desde o fim do século 19, uma extensa literatura foi dedicada ao período americano dos vikings, que principia antes do ano 1000. Alguns livros escolares começam mesmo a fazer referência a essa parte da história que permaneceu oculta durante mais de mil anos. A análise dos documentos não foi muito profunda, caso contrário teria revelado uma presença nitidamente anterior às navegações dos vikings: a dos celtas. Denominados celtas, os galeses, os irlandeses e os bretões, isto é, os povos do mar Céltico. Cristóvão Colombo não errou ao fazer suas investigações na Bretanha, em lugar de ir buscar informações na Noruega. Os celtas conheciam muito melhor do que os vikings as rotas marítimas para oeste — e há muito mais tempo. Cristóvão Colombo devia estar informado desse fato, já que se limitou a andar pelos portos interrogando os marinheiros. Tentou seguir os navios que partiam para oeste.
Nas primeiras vezes, foi facilmente despistado. Durante uma tentativa mais afortunada, os navios bretões preferiram voltar do meio do caminho ... e pôr-se ao mar sem aviso prévio. Cinquenta anos antes da partida da nau Santa Maria, de Paios, uma carta do rei da França concedia à abadia de Kérity, perto de Paimpol, o direito de receber uma décima parte de todos os produtos desembarcados procedentes do mar e dos países situados na outra costa do oceano.
Os vikings, por sinal, mencionam a presença dos celtas no continente americano. Essas alusões são encontradas muitas vezes em suas sagas, isto é, em suas narrativas familiares dos antepassados ilustres. Os arquivos dos chefes vikings foram transcritos em 1180. São esses documentos que chegaram até nós, confirmando que a viagem de ida e volta da Europa do Norte à América do Norte era realizada frequentemente. As sagas eram transmitidas oralmente há mais de dois séculos quando foram fixadas em pergaminho.

Palavra escrita e tradição oral
Esse fato diminui sua importância? Nossa civilização livresca manifesta uma desconfiança profunda pela tradição oral. Suspeitamos que os diversos narradores tenham deformado ou embelezado suas histórias. Não estamos, dessa forma, atribuindo aos antigos nossos próprios defeitos? Mas um povo sem escrita, cujo pensamento e história circulam há muito tempo de boca em boca, não deve demonstrar um respeito minucioso pelos textos que transportam a totalidade de seu patrimônio cultural?
O narrador que se deixasse empolgar ou cuja memória falhasse, era imediatamente repreendido e corrigido por um vizinho atento. A palavra não tinha a força de nossos contratos assinados? E ninguém ousava infringi-la. Nessas condições, é possível que algumas deformações tenham ocorrido durante um milênio. Mas em duzentos anos, que supõem apenas três ou quatro intermediários entre o primeiro que viveu os fatos e o último que os transmitiu, a verdade não sofreu mais do que alterações insignificantes.
A maioria dos conhecimentos adquiridos nessa época eram transmitidos oralmente, e alguns não podiam ser retocados sem causar graves incidentes. Onde os marinheiros conservavam suas ciências senão na memória? Descobertas recentes provam que existiam mapas em épocas muito antigas: os mapas de Piri Reis, de Thordsten ou de Zeno ainda não revelaram todos os seus mistérios aos especialistas. Eles descrevem os contornos dos continentes e a topografia interior.
Mas a direção dos ventos? Os pontos de encontro das correntes marítimas? As estações favoráveis às navegações? O comportamento a ser adotado nas tempestades? Os locais em que as tempestades afastavam os navios da rota? Essas informações, tão valiosas quanto as outras, pertenciam à tradição oral. A fantasia dos mensageiros não encontrava um terreno propício. Nossos longínquos antepassados tinham certamente em relação à palavra a mesma atitude de respeito que reservamos aos escritos. Isso explica por que .Colombo voltou de mãos vazias de sua viagem à Bretanha. Se as informações que procurava estivessem nos mapas, ele as teria encontrado. Mas diante do estrangeiro que não pertencia à profissão de marinheiro os capitães bretões guardaram o silêncio.

As sagas nórdicas são provas históricas
As sagas que conhecemos, sejam de origem norueguesa, groenlandesa ou islandesa, formam um conjunto suficientemente homogêneo para confirmar o papel que atribuímos à tradição oral. Fora isso, elas fornecem informações que revolucionam a história. Nas 80 sagas que conhecemos, há inúmeras alusões à presença dos celtas na América.
Cada uma das referências consideradas isoladamente não prova grande coisa; mas quando são reunidas e comparadas, constituem um acervo impressionante de provas. Num estudo curto como esse é impossível analisar todas as menções, uma por uma; devemos nos limitar ao essencial. A saga mais antiga é a de Ari Marson. Esse marujo que partiu da Islândia em 983, após a conquista da ilha pelos vikings, foi arrastado por uma tempestade até uma costa desconhecida, onde brancos que falavam o gaélico acolheram-no e batizaram-no à força na religião católica. Vinte e cinco anos mais tarde, o nobre islandês Karselfni e sua mulher em sua viagem de núpcias à América, encontraram indígenas chefiados por celtas, entre os quais havia "uma mulher de cabelos claros presos na testa por uma fita, e de pele muito clara" Ela se dirigiu em celta à jovem esposa e fez alguns comentários sobre o filho recém-nascido. Em 1013, ao navegar pela costa da Nova Escócia após ter desistido de se instalar no continente ocupado por populações hostis, Karselfni avistou um homem barbado na companhia de duas mulheres e de duas crianças.

Uma estranha procissão católica
Os adultos fugiram, mas as crianças foram capturadas e levadas para a Noruega como prova do contato com o continente americano. Ao aprenderem a língua dos vikings, as crianças contaram que, certos dias, seus pais brancos, vestidos com roupas claras, reuniam-se em procissões tendo à frente homens vestidos de branco, que cantavam alto, enquanto outros carregavam tecidos de cores vivas na ponta de varas compridas. Quem eram esses homens brancos? Padres celtas e seus fiéis, sem dúvida alguma, vestidos com seus hábitos e cantando hinos atrás de seus estandartes religiosos. Os ritos e o cerimonial, muito apreciados pelos povos de todas as épocas, chamaram a atenção das crianças capturadas por Karselfni. Os celtas fugiram da Irlanda antes da invasão pagã dos vikings.
Expulsos por esses degoladores de padres, saqueadores de igrejas, destruidores de abadias, refugiaram-se no continente americano conhecido há muito tempo. Os historiadores surpreenderam-se de que os vikings tenham se instalado na Islândia e na Groenlândia e só tenham feito breves incursões no continente americano. Concluíram que as tempestades arrastaram alguns navios perdidos em direção à costa oriental do Atlântico, e que os náufragos só tinham um desejo: ancorar num porto seguro. Um estudo minucioso das sagas demonstra que diversas tentativas de fixação no continente foram levadas a cabo sem sucesso. Os celtas chefiavam os indígenas: sua preocupação principal era repelir os invasores. Ás sagas dos vikings mencionam contatos esporádicos com os celtas estabelecidos na América de 983 a 1029, isto é, durante 46 anos.
O nobre Leif passou um inverno no continente americano com 35 homens, de 1003 a 1004.
Seu irmão, Thorvald, explorou a região do oeste por volta de 1006, mas morreu num combate. Em 1004, uma tentativa épico-cômica terminou como as precedentes: diante dos insucessos dos homens, a irmã de Leif, violenta e depravada, organizou uma expedição composta essencialmente de mulheres. Também essa foi mal sucedida após vários combates sangrentos.
Os celtas que se encontravam na América no momento dessas incursões vikings habitavam ali há muito tempo. No século 9, os piratas noruegueses ocuparam todos os portos da Irlanda e instalaram-se pouco depois na etapa necessária que constitui a Islândia. Nas datas dos acontecimentos narrados pelas sagas, a viagem dos celtas da Europa para a América era impraticável desde um século e meio.
Os celtas encontrados por Leif, Thorvald, Karselfni e outros chefes de expedições residiam há várias gerações na América. Como não eram provavelmente muito numerosos e como havia cessado toda contribuição de sangue novo, devem ter se mesclado pouco a pouco às populações indígenas assumindo a liderança delas.
As sagas não são as únicas fontes de informação sobre a América pré-colombiana; os arquivos do Vaticano fornecem comparações preciosas.
A Igreja não podia desinteressar-se dos cristãos instalados na outra costa do Atlântico, os quais deviam contribuir para as despesas do culto. A autoridade do papa levou algum tempo para se estender sobre roda a cristandade mas, desde 1026, Inocêncio III nomeou um arcebispo para a Noruega, a Islândia e a Groenlândia, e se queixava das irregularidades na contribuição obrigatória à Igreja.

O Vaticano também chegou antes de Colombo
Diversas expedições foram organizadas para cobrar o dízimo dos sete mil vikings residentes na Groenlândia e convertidos ao cristianismo. Em 1354, o papa Inocêncio IV lançou um grito de alarma: as populações cristãs da Groenlândia passaram mais de 12 anos sem enviar uma única pele nem uma única presa de morsa (grande mamífero anfíbio) ao Vaticano. Convocado pelo papa, o rei da Noruega organizou uma nova expedição.
Ela nos interessa mais do que as primeiras, porque os enviados especiais do rei e do papa não se limitaram dessa vez a ir à Groenlândia: navegaram até o continente americano. O Vaticano fornece assim a prova de que os marujos possuíam desde o século 13 o domínio perfeito do Atlântico e conheciam a existência de um continente situado além da Islândia.
Quando a expedição aportou na Groenlândia, descobriu casas e estábulos intactos, mas nenhum vestígio dos cristãos. Supondo que a população houvesse partido em direção a regiões mais clementes, a expedição ganhou o mar e abordou o continente americano na região da atual cidade de Boston. Mas não encontrou tampouco nenhum indício dos fiéis vikings. Em vista disso, as naus seguiram a costa em direção ao norte e entraram na baía de Hudson. Os arquivos nos informaram que a expedição instalou seu acampamento junto à foz do rio Nelson. Um grupo de expedicionários partiu para a pesca enquanto o acampamento ficou guardado por dez homens.
 Quando os pescadores voltaram e descobriram que os guardas haviam sido massacrados, decidiram aumentar o número dos homens da guarda para evitar novas surpresas. Vinte homens permaneceram em terra; trinta outros subiram o rio Nelson em canoas. Atravessaram o lago Winnipeg e rumaram para o sul. Acamparam a 14 lias de marcha dos navios da expedição, a noroeste dos Grandes Lagos. Continuam sem notícias dos cristãos desaparecidos.

Caracteres rúnicos gravados nas rochas
A missão decidiu finalmente, oito anos depois de sua partida, voltar à Noruega, e deixou um barco para comemorar sua passagem: no alto de uma pedra plana que faz parte de um conjunto de rochedos, gravou .uma inscrição em caracteres rúnicos. Os marujos voltaram ao porto de partida em 1362 e enviaram um relatório a Urbano VII, que nesse meio tempo ocupava o trono de São Pedro.
Assim, a América do Norte, a partir da região de Nova York e de Boston, até os Grandes Lagos e a baía de Hudson, foi explorada pelos escandinavos enviados pela corte da Noruega e pelo Vaticano. Os exploradores sabiam onde se situavam os rios e as montanhas. Sabiam perfeitamente que estavam desembarcando em continente americano. Relatórios escritos e minuciosos existiam há 130 anos antes da viagem de Cristóvão Colombo. Não se tratava mais de narrativas transmitidas com dois séculos de atraso, mas de um diário de bordo, por assim dizer, dos membros da expedição organizada pelo papa e pelo rei da Noruega. Os arquivos romanos, apesar de se preocuparem de uma maneira geral com o destino dos cristãos da Islândia e da Groenlândia, não fazem nenhuma menção aos celtas instalados na América. Talvez esse silêncio se explique pelo fato de que a implantação deles era nitidamente anterior à supremacia do Vaticano, e que a organização religiosa deles não seguia estritamente a da Igreja romana: ela gravitava em torno de um mosteiro. Nenhum bispo era nomeado e nenhum arcebispo reconhecido: a única autoridade aceita era o abade, o chefe da abadia ou mosteiro.
Os celtas da América seguiram certamente o exemplo dos europeus. Foi somente na metade do século 9 que a Igreja bretã organizou-se nas mesmas bases da Igreja franca, e foi somente em 1199 que aceitou a integração e renunciou a seu arcebispo autônomo. Entretanto, encontramos nos documentos religiosos nórdicos alguns elementos provando que o papado se interessou um momento pelos cristãos da América: foi por essa razão que o bispo Jon embarcou na Islândia, em 1054, com destino ao continente americano. Foi aprisionado e morto pelos índios. Um outro bispo, Eric Gnupson, partiu da Dinamarca meio século depois com o mesmo destino: desapareceu sem deixar notícia.
A partir do século 7, no momento em que os piratas do Norte da Europa atacavam a Irlanda e a Bretanha, a região de Boston eram um centro monástico importante. Além dos monges celibatários, alguns padres tinham se instalado com suas famílias, o que possibilitava a renovação da colônia celta.

Descobridores e cosmonautas
O celibato do clero só foi imposto por Hildebrando, que se tornou papa em 1073 e assumiu o nome de Gregório VII.
Não foi por acaso que a colônia se estabeleceu em Boston. O mar impôs essa região. Ela oferecia a vantagem capital, reconhecida pelos primeiros marinheiros celtas que tinham sido desorientados pelas tempestades, de apresentar ali, em volta do cabo Cod, o ponto de encontro das rotas naturais, rápidas e diretas, para a Irlanda, a Mancha e a Bretanha.
De maio a outubro, durante todo o período da navegação, os ventos sopram ali favoravelmente. Essa zona costeira era igualmente um ponto natural de chegada. Os veleiros que partiam da Europa tomavam naturalmente essa direção. Os vikings fizeram essa experiência depois dos celtas, dificultando por sinal a implantação europeia ao barrarem a passagem das embarcações.
O domínio dos mares não se limitava porém ao conhecimento dos recifes, das ilhas e dos continentes. Ultrapassava a cartografia banal. Era devido sobretudo à ciência das correntes e dos ventos. Em que época do ano os ventos impeliam as naus? A partir de que ponto do oceano? Para onde?
Os veleiros dos antigos eram semelhantes às naves espaciais que os cientistas modernos põem em órbita. O capitão que deixava um porto da Irlanda ou da Bretanha procurava, antes do mais, dirigir suas naus para as correntes permanentes, de água ou de ar, que cruzavam o oceano. Os barcos penetravam no meio das forças imensas que governam o planeta, da mesma forma que as espaçonaves ingressam na lei geral da gravidade. O paralelo entre os primeiros conquistadores dos mares e os exploradores do cosmo pode ser levado mais adiante.
Os cosmonautas que explorarão amanhã Vênus ou um outro planeta do sistema solar, depois de amanhã a região da Alfa do Centauro, não deverão possuir as mesmas qualidades dos navegadores celtas? O que havia do outro lado dó oceano? O que há do outro lado do cosmo? As perguntas se parecem, da mesma forma que a coragem necessária para encontrar a resposta. O oceano era mais misterioso inicialmente do que o espaço.
Os primeiros conquistadores que desembarcaram no continente americano ignoravam quem os receberia. Monstros? Homens? Ninguém? Os punhados de pioneiros que subiam penosamente os rios, no silêncio impressionante das florestas virgens, à procura do homem branco hipotético, eram semelhantes aos nossos Gagarins e Shepards. Como vimos, as expedições duravam dezenas de anos. Durante quanto tempo os primeiros exploradores da Alfa do Centauro vão se ausentar do sistema solar? O tempo das cidades, segundo o qual calculamos, é o tempo artificial dos relógios. A dois mil anos de distância, alguns homens vão viver segundo os ritmos amplos da natureza.
O que restará daqui a dois milênios da primeira passagem do homem por um outro mundo? Uma modesta pedra gravada que despertará o interesse dos cientistas? Um pingo d'água na imensidade: eis o que restou da presença dos celtas na América no início de nossa era.
As sagas não são, por sinal, os únicos elementos que provam a presença dos celtas na América. Suas indicações são confirmadas por vestígios arquitetônicos. E é curioso observar que os únicos monumentos encontrados estão situados exatamente nas regiões mencionadas pela tradição viking. Em Newport, na região de Boston, uma torre intriga os arqueólogos há vários séculos. Em seu livro, The Last Discovery, o arqueólogo americano Frederick Pohl refere-se a ela nesses termos: "Uma das funções prováveis da torre de Newport, segundo sua estrutura, era a de fortaleza. O único acesso aos andares superiores era por uma porta que ficava a 4,5 m do chão, exigindo o emprego de uma escada que era facilmente levantada por uma corda". Essa descrição pode ser completada por um texto de Gérard Lavallée: "Essas torres eram certamente construções militares que surgiram nas cidades no século 9, época das primeiras invasões normandas: torres de vigia de onde era dado o alarma, e de defesa passiva onde os habitantes se refugiavam graças a uma escada móvel, porque não possuíam porta, mas apenas uma janela elevada, a uns 5 m do solo". Essa descrição não se aplica à torre de Newport, mas à de Clonmcnois, na Irlanda. Trata-se de uma obra celta autêntica e reconhecida como tal.

A única torre celta na América
A torre americana é única. Na Europa, ela existe em série. Realizei pessoalmente um trabalho de aproximação entre a torre de Newport e a torre céltica de Lanleff que se encontra nas costas do norte. Os documentos fotográficos, nesse caso específicos, não revelam apenas.uma simples concordância, mas uma semelhança verdadeira. A torre de Newport é um terço menor do que o templo de Lanleff, mas a espessura das paredes — 3 pés — é a mesma; os arcos são bem trabalhados; as pedras foram assentadas, nos dois casos, por uma massa composta de cimento e areia, conchas calcárias e argila cozida; a porta elevada é bem estreita e avança para o exterior.
Enquanto o templo de Lanleff é obra de um arquiteto habilidoso, a construção de Newport parece ser uma cópia realizada por amadores, monges e índios; as arcadas sobretudo são grosseiras.
O monumento de Lanleff, que data de 860 £ terminou por pertencer à abadia de Lehon, era um priorado de monges; o claustro ficava no andar térreo; em caso de perigo, os monges refugiavam-se na parte superior. Esse tipo de igreja redonda só foi construído na Bretanha até o início do século 11. A arquitetura evoluiu definitivamente a partir dessa data. A torre de Newport só pode ter sido construída por monges que deixaram a Europa antes dessa época.
Um outro elemento confirma essa teoria sobre a origem dos construtores de Newport:  em 918, uma reunião dos delegados das diversas abadias da Bretanha realizou-se em Lehon (situada a alguns quilômetros do priorado de Lanleff). Diante das invasões dos vikings, os religiosos deliberaram sobre as providências a serem tomadas: recuar para o interior da Gália e guardar em lugar seguro as relíquias e os tesouros. Um texto nos informa que os monges de Lehon preferiram partir para alto-mar. Talvez seja essa a última grande expedição que se dirigiu ao "país dos homens brancos" antes dos conquistadores normandos invadirem a Bretanha e barrar a rota marítima.

Os índios eram aliados dos celtas
As sagas narram que os vikings surgiram na região de Newport, vizinha ao acampamento de Leif, em 1003 e 1004. Essa incursão foi seguida pelo reconhecimento de Thorvald, irmão de Leif, em 1005-1006, pela tentativa de implantação de Karselfni durante três anos, de 1010 a 1013, e finalmente pela expedição de Freydis, irmã de Leif, em 1014-1015. De todas as expedições organizadas nessa época, conservamos apenas algumas narrativas. Somos informados assim que os combates foram sangrentos.
Os celtas, aliados aos índios, julgaram prudente construir essa torre imensa como tinham feito seus predecessores na Bretanha em circunstâncias idênticas. A torre de Newport permitia vigiar toda passagem para oeste, da foz do Hudson à cidade atual de Nova York. Alguns autores atribuem sua construção aos vikings. Ignoravam certamente a presença dos celtas na América antes do século 9. Não há nada na arquitetura da torre que lembre as construções norueguesas, enquanto tudo, da base à porta elevada, aproxima-a dos santuários bretões .
Essa torre não é o único monumento que coloca certos problemas aos historiadores. Em Salem, no New Hampshire, a 75 km de Boston, uma construção lembra, como escreveu o arqueólogo Pohl, "certas obras antiquíssimos da Islândia, da Escócia e da Bretanha, todas elas de pedra".
A descrição de Salem nos levou a aproximar essa construção misteriosa da arquitetura do curioso santuário dos Sete Santos, na comuna do Vieux-Marché (Costa do Norte), monumento igualmente enterrado, utilizando lajes de granito, com nichos abertos na pedra. Esse oratório de aspecto druídico data do século 6 ou 7. No início do cristianismo na .Bretanha, a mistura dos ritos não surpreendia os fiéis; os monges utilizavam inclusive certos locais de culto tradicional para não ferir a sensibilidade dos povos que tentavam converter. O estilo arquitetônico indica que os oratórios dos Sete Santos e de Salem são contemporâneos e produtos de uma mesma cultura. Essa última construção nos permite datar as primeiras viagens dos celtas à América. A lenda celta (puramente oral) da navegação de São Brandão, um dos primeiros druidas convertidos ao cristianismo, precisa que no século 6 um intercâmbio periódico existia com a Islândia.
Somos informados igualmente que o santo, avisado por um oráculo, reuniu uma tripulação de 16 homens para sair à procura de um outro monge, Mermoc, que não estava perdido, mas simplesmente atrasado. . . por uma penitência que se impusera. As primeiras viagens para a América realizaram-se provavelmente nessa época, sob a liderança de Brandão, conhecido por seu proselitismo infatigável. Os vestígios de Salem reúnem-se às lendas bretãs, como a torre de Newport confirma as sagas dos vikings.
É impossível abalar meio milénio da história oficial sem recorrer às referências. E utilizamos apenas alguns dados essenciais, tanto no tempo quanto no espaço. Fornos celtas e vikings, pedaços de punhais e de espadas, datados segundo os métodos científicos modernos, foram igualmente enumerados, fotografados, classificados e analisados. São apenas algumas das provas, espalhadas por uma costa de várias centenas de quilômetros. O detetive dispõe frequentemente de um número menor de vestígios para reconstituir a verdade. A totalidade das aproximações que estabelecemos ultrapassa os limites de uma introdução. Abrimos arquivos que estavam classificados separadamente, quando deviam estar juntos. No século 15, Cristóvão Colombo tomou conhecimento de uma tradição perdida. De fato, as viagens para a América realizaram-se até a metade do século 14.
Foi assim que em 1364, o armador veneziano Zeno, indo negociar na Irlanda, escreveu a seus irmãos uma notícia fantástica: um marinheiro contou-lhe em detalhe sua estada de 26 dias no além-mar, no "Nuovo Mondo". É a primeira vez que a expressão "novo mundo" foi empregada.

Colombo representava uma nova mentalidade
As colônias celtas da América e as vikings da Groenlândia e da Islândia foram dizimadas pelas epidemias. Assediada por lutas internas, a Europa se fechou.
Durante vários séculos, entre o 6 e o 10, a Europa tinha seus portos abertos. Esse é um detalhe importante. Cristóvão Colombo levou para os mares e para a América a mentalidade da Europa do século 15: espírito de conquista, de comércio, de imperialismo. O ideal dos monges medievais era bem diferente. Indo evangelizar e não escravizar, uniram-se imediatamente aos indígenas que consideravam como irmãos e não como escravos. A história conservou apenas alguns ecos dessa aventura fantástica.


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Fonte:
Planeta, nº 09. Editora Três. São Paulo, dezembro de 1973, págs. 11-25.

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