O Brasil encoberto
Por: Percival
de Souza
Quinhentos
anos se passaram desde que as naus do capitão Cabral partiram, segunda-feira, 9
de março de 1500, por volta das 9h da manhã, da Torre de Belém, em Portugal,
para avistar, na quarta-feira, 22 de abril, o Monte Pascoal. "Terra à
vista!" Fomos descobertos há cinco séculos, dizem os principais estímulos
comemorativos. Na Porto Seguro (Bahia) de hoje, onde o Brasil começou mais
intensamente, o lugar será capital por um dia neste abril de 2000. A gente pode
imaginar o desembarque, a missa celebrada por Coimbra, a cruz feita de
pau-brasil. A poeira da história atravessa a noite dos tempos e completa 500
anos.
Mas, nesses
tempos de festa, raciocinar é preciso. Afinal, as leitoras e os leitores sabem
pensar, e é preciso respeitá-los na capacidade de discernir. Brasil-colônia,
Reino Unido, Império e Brasil-república. Longa história. Equívocos na festança
que se anuncia para comemorar os 500 anos de descobrimento.
Chegamos ao
ponto: afinal, fomos descobertos por quem? Pelos europeus, dizem os
colonizadores para os colonizados.
Quando
Colombo descortinou as Américas, em 1492, já havia milhões de habitantes nesta
terra que haveria de se chamar Brasil. Poucos leram a carta que o escrivão das
naus, Caminha , escreveu para El-Rei D. Manuel ("A terra é dadivosa e boa,
em se plantando, tudo dá"), que se transformou numa espécie de certidão de
nascimento moderna, embora só tenha sido publicada em 1817.
O sangue de
3 milhões de nativos, em três séculos, salpicou as nossas terras, resultado da
crueldade colonizadora, a mesma que, para compensar, trouxe desumanamente, nos
porões dos sinistros navios negreiros, 3 milhões de escravos africanos que não
tiveram destino diferente. Vergonha para Castro Alves, poeta morto
precocemente, expressar em versos magistrais: "Colombo, fecha a porta de
teus mares!" E mais: "Varrei os mares, tufão!"
Pois é,
viramos Brasil com essa matança para a qual se usa a palavra
"genocídio". Um horror: dos 5 milhões de índios que tínhamos em 1500,
não restam mais de 300 mil. E olhem que Vaz de Caminha assinalou em sua carta a
El-Rei: eles "são muito mais nossos amigos que nós seus". Na verdade,
fomos achados por gente do Velho Mundo. Os primeiros brasileiros já estavam
aqui. Para nós, não houve descobrimento em 1500. Já habitávamos estas terras
que seriam chamadas, a princípio, Vera Cruz e depois Santa Cruz. "A mais
bela e luminosa província da terra", como diria em nosso tempo o saudoso
antropólogo Darcy Ribeiro.
Será difícil
explicar isso que você acaba de ler na febre comemorativa dos 500 anos.
Paciência. Mas existem outros ângulos na nossa história de país jovem. Nossa
reminiscência passa por invasores que se instalaram, mas foram expulsos; pelo
sangue de nossos heróis com seus gritos de liberdade que lhes custou a vida em
holocausto.
A riqueza
primitiva, pau-brasil, quase acabou; deve ser substituída pela luz e pelo sal
do Evangelho, pelo amor, pela paz, pela solidariedade e pelo testemunho"
Tivemos que
enfrentar invasores de três nacionalidades e piratas de toda parte. Contudo,
precisamos ainda nos descobrir como país. Aprender que "feliz é a nação
cujo Deus é o Senhor". Perceber que temos urna só bandeira, um só hino e,
mais importante que tudo, somos um só povo. Cantamos, em nosso hino, que somos
gigantes pela própria natureza, mas temos agido de modo a fazer a nação
adormecer dentro do país.
Precisamos
de um surpreendente amanhecer. O povo brasileiro está sofrendo com a
desigualdade, a miséria, o desemprego. A violência e a droga estão contaminando
e destruindo. Falta-nos educação, saúde, perspectiva. Como escreveu Camões, um
fraco rei faz fraca uma forte gente. Ou seja: maus governantes tornam débil um
povo que tem tudo para ser forte e feliz. Brigamos e matamos pela terra, que,
em verdade, não nos falta. As capitanias continuam hereditárias. Chamamos
"cultura" o mau gosto, a ignorância, as excrescências. A natureza é
pródiga conosco, mas não desfrutamos desta bênção.
Irmã, irmão:
cada cristã, cada cristão que recebeu a bênção de aqui ter nascido precisa,
mais do que nunca, irradiar fé e esperança. A riqueza primitiva, pau-brasil,
quase acabou. Tem que ser substituída pela luz e pelo sal do Evangelho, pelo
amor e pela paz, pela solidariedade e pelo testemunho, pela vontade de mudar e
transformar, pelo destemor de converter e dignificar. Sentimentos que são
vontade do Senhor, expressa nas Sagradas Escrituras. Recebemos e transmitimos.
Aprendemos e ensinamos. Por isso queremos descobrir verdadeiramente o nosso
Brasil, ainda encoberto. O que somente será possível com a presença de Deus, a
vida plena e abundante oferecida por Jesus Cristo e o bálsamo sempre confortador
do Espírito Santo.
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Fonte:
Revista Eclésia. Ano V - Nº 53 - Abril de 2000. Eclesianet. São Paulo, pág. 48.
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