O que é a célula
Por: Camille
Delio
Um homem é constituído por 60 milhões de células.
Cada uma delas é um conjunto de organismos tão complexos quanto o homem.
Somente com a descoberta do microscópio eletrônico é que se conseguiu estudar a
fundo a vida e ação das células. Elas realizam em um minuto, operações que na
natureza necessitariam de séculos. Ainda não se sabe muita coisa das células. A
membrana que isola uma da outra, ou a força que as une, permanece como enigmas.
Neste artigo mostramos uma curiosa aventura da ciência.
Seria
preciso ver sobre uma teia o nascimento de um pessegueiro e o seu crescimento,
filmados milímetro por milímetro, à razão de alguns segundos por dia, para
acreditar. Centenas de breves sequências, montadas em continuação, oferecem um
espetáculo terrível: diante de nossos olhos, os ramos se torcem e se alongam,
as folhas se desdobram, os brotos intumescem e explodem, as flores se abrem
como mãos — como se tudo fosse movido por uma força inexorável, orientada em
uma única direção, e extraordinariamente presente: cinco anos de vida
concentrados, ao máximo, em um curta-metragem que deixa no coração uma angústia
vaga, porque não sabíamos que "aquilo" era uma árvore: "aquilo"
são milhares de pequenas unidades de vida, milhares de células que se erguem no
ar, de maneira invisível, e constroem uma árvore de incrível pujança.
"Aquilo" são, também, os 60 milhões de milhões de milhões de células
que formam um homem. É a extraordinária energia fabricada e gasta a cada
instante para alimentá-lo, protegê-lo, assegurar-lhe a descendência e manter a
integridade de seu patrimônio hereditário. "Aquilo" é, enfim, a fusão
de uma célula masculina com uma célula feminina e o prodigioso processo que
presidirá a esses 60 milhões de células.
O filme dos
nove meses de vida de um embrião humano não foi realizado, mas as fotos e os
modelos mergulham-nos no sonho, no deslumbramento, livres de qualquer
inquietação que não seja apenas imensa curiosidade. Assim, paradoxalmente, uma
criança em formação seria menos surpreendente do que uma árvore que cresce
diante de 1 nossos olhos, em meia hora.
A exploração
da célula começou em 1665, quando Robert Hoocke, físico inglês, pôs em
funcionamento um microscópio óptico bastante poderoso para revelar, na cortiça,
pequenos alvéolos, aos quais deu o nome de células. Graças ao microscópio
eletrônico, essa pesquisa continua, hoje, em escala molecular.
Não existe vida sem a célula
Entre essas
duas descobertas, a distância entre dois mundos e a aproximação de um planeta
com relevo, com canais, com correntes desconhecidas, apresentando todas as
formas, todos os tamanhos, desde o quarto de mícron até o centímetro, desde a
bactéria até a gema de ovo, adaptado a todas essas funções, mas sempre composto
dos mesmos elementos essenciais — carbono, hidrogênio, oxigênio, azoto, fósforo
— organizados em formações invariáveis: um núcleo, uma membrana, um citoplasma.
Invariáveis, porém não imutáveis. De fato, quem diz célula diz vida, diz
mobilidade. Não pode existir vida sem célula, não pode existir vida sem
movimento. Quer a célula livre, quer a célula agregada a outras células para
formar um tecido, ela se move e palpita continuamente. Livre, nada ou rasteja.
Impelido por um flagelo, espécie de pequeno chicote, um espermatozoide abre seu
caminho na água.
Deformada
por uma corrente interna, comparável à lagarta de um tanque de guerra, apoiada
sobre os prolongamentos que ela própria emite, uma ameba se propulsiona, em um
movimento cujo mecanismo continua envolto em mistério. Em verdade, quer este
deslocamento se opere por meio de cílios, de pseudópodos (falsos pés), de véus
ondulantes ou, ainda, de "rugas" na superfície da membrana, o
processo dessa locomoção é desconhecido. Ignora-se quem orienta e dirige, no
embrião, a migração das células iniciais em direção aos pontos predeterminados
que as esperam. Ignora-se quem guia
uma bactéria ou um parasita no sentido do tecido ou órgão específico que deve
atacar. Contact guidance, orientação
por contato, disse alguém; ou ainda, por inibição ou repulsão, diante dos
fatores do meio, tomaria a célula, por si mesma, certas direções. Contrações
rítmicas do fluido, ou citoplasma, que enche a célula, acrescentou alguém.
Entretanto, esse ritmo caracteriza igualmente as células imóveis e não basta
para explicar a propulsão das primeiras.
A primeira
ideia que se fez da célula foi a de um líquido em movimento, retido por uma
membrana delgada, elástica e resistente, capaz de contrair-se, mas também de
escoar-se, ao mínimo rompimento. No centro um núcleo que gira devagar sobre si
mesmo, em lento movimento pendular. Estranha era a existência de correntes e
contracorrentes, aparentemente desorganizadas, às quais se acrescentava uma
variedade infinita de pulsações, movimentos em vaivém, em jato, ou ainda,
movimentos brownianos, que remexiam uma população inteira de organismos mal
definidos. A origem desta extraordinária circulação foi, por muito tempo,
atribuída a um impulso vindo de fora. Na realidade, ela nasce no próprio
interior da célula e deve resultar de um conjunto de fatores mal conhecidos. A
um dado momento, certa quantidade de energia se transformaria em energia
mecânica e daí o impulso.
Na escala
macromolecular, as torções das cadeias, a incessante modificação das proteínas
manteriam o movimento. Inúmeros fatores físicos e químicos participam do fenômeno,
certas drogas, como a morfina, podem acelerá-lo e mesmo provocar uma verdadeira
agitação na célula.
Os mitocôndrios são centrais de energia
A chegada do
microscópio eletrônico a este tumulto deve ter sido, guardadas as devidas
proporções, semelhante ao que seria a alunissagem do primeiro foguete. Com o
microscópio eletrônico, o movimento para, a infraestrutura e a trama da célula
aparecem. Para compreender a comoção resultante, é preciso ser míope, ir uma
vez ao cinema sem óculos e assistir, no dia seguinte, à projeção das imagens do
filme, com óculos; ou ainda, imaginar que reconhecemos, do alto do Empire State
Building, a central elétrica de Marcoule, através de um binóculo aperfeiçoado.
As centrais de energia da célula, os mitocôndrios, não passavam, ontem, de
minúsculos bastonetes, carreados pelos movimentos da água, do mesmo modo que
uma multidão de outros elementos indistintos, destinados, ao que parece, a
frear esses movimentos da água. Tais bastonetes ou mitocôndrios têm, em
realidade, o aspecto de bexigas, de pequenos vermes curtos ou de naves
espaciais extremamente flexíveis, cuja dupla membrana se dobra e redobra no
interior de um estranho labirinto, podendo inflar-se ou desinflar-se conforme o
meio que a cerca.
No interior
das dobras dessa pequena cápsula efetuam-se reações, que levarão à produção
maciça de energia e ao seu depósito em reserva — produção de energia, cada vez
que uma partícula alimentar for "queimada" no organismo; estocagem de
energia, cada vez que uma molécula da ATP (ácido adenil-trifosfórico) for
fabricada. Nesse meio tempo, um trabalho gigantesco se realiza na cadeia em
cujo curso os elétrons arrancados, das partículas orgânicas liberam sua
energia, saltando de molécula em molécula para reunir-se ao oxigênio, ativá-lo
e transformá-lo em gás carbônico e em água. Esta maratona se desenvolve ao
longo de circuitos, de cadeias preestabelecidas, de tal modo que a energia
bruta seja imediatamente conservada sob forma de ATP.
O fluxo de
eletricidade varia de acordo com a atividade do organismo, e pode assumir
proporções fantásticas, „ quando pensamos que um único mitocôndrio contém 15
mil cadeias e uma única célula, de 5 a 40 mil mitocôndrios,- um corpo humano,
10 milhões de células. Além disso, se compararmos o rendimento de uma
locomotiva com o de um mitocôndrio, o resultado será impressionante — um
mitocôndrio transforma 50% de matéria-prima em energia, enquanto que uma
locomotiva dificilmente alcança a taxa de 8%.
Em um minuto, transformações que na natureza, exigiriam séculos
A chave
desse desempenho reside na sua grande riqueza de enzimas, isto é, de
substâncias proteicas capazes de provocar a união de moléculas, de acelerar as
reações e de promover, na própria célula, em um minuto, as transformações que
demandariam milhares de anos para produzir-se. Mais ainda, capazes de criar
nela um laboratório sem igual, onde se combinam, a temperaturas muito brandas,
certas operações misteriosas, que a química de síntese jamais conseguiu
reproduzir, apesar das temperaturas extraordinariamente elevadas de que dispõe.
Tais catalisadores não estariam dispersos, ao acaso, no mitocôndrio, mas
enfileirados em batalhões, nas cristas do labirinto interno. Ignora-se, entretanto, quais os pontos
em que esses batalhões seriam mobilizados, para entrar em ação. O curioso é
que, para ser ativo, um mitocôndrio não tem necessidade de ser inteiro. De
fato, depois da fragmentação, persiste a ação das enzimas, o que viria depor a
favor de sua fixação nas "cristas".
Qual a
origem exata desses reservatórios de energia? Eles existem, em número fixo,
desde o nascimento da célula, mas ignora-se
a que correspondem as mutações que se comprovam no decurso da espermatogênese. Os ribossomos são usinas aperfeiçoadas, onde
se efetua a síntese das proteínas.
Como se dá a
transferência de energia? Como descarregam eles o seu ATP no interior da
célula? Vemo-los às vezes empalidecer, mudar de forma, ou ainda reunir-se em
torno do núcleo, cujo nucléolo lança, então, um fino prolongamento. Este
prolongamento alcança o mitocôndrio. Será através dele que a troca de
"carburante" se dá? Somos tentados a supor que sim.
Outros
"reservatórios", os lisossomos, minúsculas vesículas carregadas de
enzimas destruidoras, cuja explosão provoca imediatamente a desagregação (a
lise) da matéria viva. Apelidados, por isso, "maleta de suicídio",
parecem estar ali para levar as células envelhecidas a uma morte rápida, a
menos que sejam — quando não explodem — os "estômagos" em miniatura
da célula, capazes de auxiliar na digestão de certos corpúsculos. Talvez
desempenhem ambos os papéis ao mesmo tempo, talvez sejam, ainda, meros pedaços
de citoplasma estragado, postos de lado de qualquer maneira e isolados por uma
membrana. Enzimas destruidoras e alteração andam juntas, o que justificaria
esta hipótese, mas ignora-se onde são
fabricadas essas enzimas e sob que influências as gavetas que as encerram
bruscamente se abrem.
Ao lado das
usinas de destruição, usinas de construção circulam continuamente em torno do
núcleo. Ao contrário das cápsulas-suicídio, os ribossomos constroem proteínas.
Todo crescimento, toda regeneração celular, todo desenvolvimento embrionário,
toda matéria viva implica na noção de proteína, ou, em outras palavras, de uma
estrutura plástica em perpétua modificação, de um edifício gigantesco, formado
de moléculas enormes, contorcidas sobre si mesmas, amontoadas ou dobradas,
capazes de desdobrar-se, de crescer mais, de reunir-se untas às outras, até o
infinito. Originariamente, 20 tipos de material extremamente simples, os
aminoácidos, que prendem, reúnem e ajustam as usinas de montagem da célula, os
milhares de grãozinhos, chamados ribossomos em virtude da alta porcentagem de
ácido ribonucleico ou ARN que neles se encontra.
O trabalho
parece ser feito em equipe. De fato, estas usinas de proteínas não flutuam
livremente, mas prendem-se à tênue rede de canais que sulca a célula e cerca o
núcleo. Imprecisa em sua silhueta, esta fina rede constituiria o sistema
circulatório da célula, assegurando as trocas com o exterior e a eliminação dos
detritos.
Portadora
dos ribossomos, ela transportaria as proteínas destinadas a serem exportadas
para o aparelho menos conhecido da célula — o aparelho de Golgi, descpberto há
67 anos nas células nervosas de uma coruja. Sua forma sugere o ano 2000, sua
tarefa é um enigma. Entretanto, quando se rompe, seus pedaços revelam uma
espantosa concentração de proteínas. Recolherá ele estas últimas, nas bolsas
achatadas que o compõem, expedindo-as em seguida, de acordo com a demanda,
devidamente embaladas e protegidas? Isto não passa de hipótese.
O ARN é o mensageiro que leva ordens a pequenas usinas
Sejam quais
forem, essas proteínas são fabricadas nos ribossomos, em uma última etapa, que
nenhum outro aparelho celular pode realizar. De fato, somente os ribossomos
possuem as mesas de montagem necessárias, sob a forma de ARN.
Sobre essa
mesa virão despejar-se os aminoácidos, inicialmente ativados, despertados de
alguma forma pelos esforços conjugados de uma enzima e de certa quantidade de
energia; depois, no citoplasma, um intermediário químico — ou ARN solúvel —
deles se encarrega.
Isto se faz
em uma ordem determinada, por informação genética obtida do núcleo, transmitida
por um enviado especial, o ARN mensageiro, terceira forma do ácido ribonucleico.
Sua existência foi pressentida, pela primeira vez, em 1961, pela equipe dos
três Prêmios Nobel franceses e confirmada um ano depois, em virtude de
dificuldades experimentais apresentadas pela descoberta. Realmente, esse
mensageiro morre alguns minutos depois de transmitir a mensagem, e desaparece.
As ordens
são formais e o mínimo erro pode desencadear unia catástrofe. Assim, o
deslocamento de um único dos 574 aminoácidos da hemoglobina basta para provocar
uma verdadeira transformação dos glóbulos vermelhos, que assumem a forma de
pequenas foices, tornando-se então responsáveis por uma anemia mortal, que se
converte depois em hereditária. O modelo, o esquema inicial deverá ser não
apenas perfeito como ainda decalcado e reproduzido de modo igualmente perfeito.
Entre esses dois estágios de fabricação, o mensageiro desempenha o papel
principal. Sem ele, os dois outros ARN fabricariam proteínas descontroladas,
entregues a si mesmas, na mais completa anarquia.
Para que a
anarquia não se instale, um centro de controle funciona continuamente: o
núcleo. Centro de controle, mas também centro diretor indispensável à vida da
célula, indispensável ao seu metabolismo e — atribuição suprema — guardião dos
caracteres hereditários: em outras palavras, o cérebro, o coração da célula.
Definido de outra maneira, um glóbulo viscoso, limitado por uma membrana,
composto de filamentos estranhamente emaranhados, e contendo na própria massa
um outro glóbulo ou nucléolo. Estes filamentos representam a mais importante
partícula biológica que existe, os cromossomos, portadores da molécula
biológica mais importante que existe: o ADN, ou ácido desoxirribonucleico.
Recordemos que, sem ele, o mensageiro ARN nada teria a transmitir, ou melhor,
não teria qualquer forma de existência. Segregado continuamente pelo núcleo, o
ARN é, de fato, modelado pelo ADN, que lhe dá forma, impondo-lhe sua própria arquitetura.
Esta
arquitetura é atualmente bem conhecida, sob o nome de esquema de Watson e
Cricks: uma escada retorcida sobre si mesma, uma escada gigante, com milhões de
degraus — sendo as rampas laterais formadas de um açúcar e de um fosfato — que
se sucedem regularmente e formado, cada um deles, da união de duas bases entre
si.
O número de
pares realizados limita-se a quatro: suas afinidades são de fato imutáveis e,
entre as quatro bases iniciais, somente a timina pode reunir-se à adenina de um
e de outro lado da escada, a guanina à citosina. A posição dos pares ao longo
dos montantes da escada é a chave da mensagem. Em verdade, a ordem de sucessão
dos degraus, de cima para baixo, pode variar até o infinito e formar milhares
de combinações: 6 milhões de degraus para uma única célula humana, cuja ordem
de sucessão é hereditariamente determinada. Em outras palavras, trazemos, em
nossas células, ao nascer, milhares de pequenos pergaminhos onde estão
inscritas as diretrizes de vida, sob a forma de mensagem miniaturizada, cujo
texto seria constituído pela própria cadeia de ADN e cujas letras, símbolos do
código, constituídas pelo encadeamento de três bases ao longo da escada.
O núcleo evita que se instale a anarquia
É esse
código, essa mensagem, que o ARN mensageiro transmite integralmente e que o ARN
solúvel do citoplasma recebe integralmente, para que lhe seja possível colocar
os aminoácidos na ordem desejada e descarregá-los, na mesma ordem, sobre o ARN
dos ribossomos. Um símbolo do código corresponde a um aminoácido particular;
diversos símbolos, a uma dada proteína. Existem tantos padrões, tantos modelos
de confecção quantas proteínas, notavelmente organizadas, classificadas no
núcleo, ao longo dos cromossomos. De fato, a desordem seria total sem uma
organização rigorosa. São os cromossomos, particularmente visíveis no momento
da divisão da célula, sob a forma de molas duplas, irregularmente distendidas,
protegidas por uma bainha e ligeiramente recurvadas em V, "os elementos
ordenadores". Cada cromossomo traz, na ponta do V, uma espécie de pequena
polia; na extremidade de um dos dois ramos, oscila um satélite, na ponta de uma
haste fina, ou talo; finalmente, na própria mola se acham dispostos os genes,
sob a forma de grãozinhos, cuja espécie varia de acordo com as espiras. Assim,
as regiões muito espiraladas seriam responsáveis pela síntese das proteínas,
enquanto que as regiões frouxas e sem espirais seriam as partes nobres do
cromossomo, os suportes da hereditariedade. Em verdade, ignora-se ainda qual é a estrutura exata da mola ou cromonema.
Haverá um cromonema ou vários cromonemas?
Em outras
palavras: serão as imensas cadeias de ADN que o compõem orientadas
paralelamente ao eixo do cromossomo ou perpendicularmente a ele? Formariam
então, segundo a recente teoria do sábio norte-americano, J. H. Taylor,
pequenos bastões paralelos, que trepariam, em espiral, ao longo desse eixo. Ò
cromonema seria único e encurvado sobre si mesmo, em pontos determinados, para
formar os nós, os novelos, os cromômeros ou genes. A imagem é atraente: um
único fio, elegantemente amarrado em regiões preferenciais, sem que o nó nunca
seja o mesmo, sem que o acaso jamais interfira. Metros de ADN redobrados em 1.250
grãos por cromossomo humano, em porções de matéria aparentemente
infinitesimais, cuja atividade é prenhe de consequências: não será absurdo
dizer que nossa vida está presa por um fio. Por um fio e, sem dúvida presa
também ao sistema regulador que ele encerra, pois a síntese das proteínas não é
apenas regulada em qualidade, mas ainda em quantidade; é isto o que acabam de
demonstrar os professores Monod, Lwoff e Jacob. Existe, de fato, um equilíbrio
constante entre as proteínas fabricadas e os materiais básicos necessários;
bastará impedir as enzimas, que presidem todas as reações de síntese, de agir,
para bloquear imediatamente a produção. Esse bloqueio é realizado pelo sistema
regulador recentemente descoberto. O gene de estrutura, isto é, a molécula
capaz de impor a fabricação de uma proteína ou de uma enzima dada, dependerá,
em verdade, de três outros genes: um gene operador, que ordenaria aos genes de
estrutura que agissem; um repressor, capaz de bloquear essas ordens, de
impedi-las, sob o efeito de um terceiro gene, chamado regulador, que entraria
bruscamente em ação, desde que uma taxa máxima de proteínas aparecesse. Como um
verdadeiro termostato, a interferência do gene regulador provocaria, da parte
da célula, a construção imediata do repressor, que desempenharia então o papel
de um interruptor elétrico, em face do gene operador.
Resultaria
daí uma produção controlada de enzimas e, portanto, de proteínas, um mecanismo
de auto-regulagem notável, se pensarmos no estado de permanente desequilíbrio
que ameaça a célula.
Desequilíbrio,
uma vez que construções e destruições se sucedem sem descanso, pois tudo não
passa de instantes e mobilidade, transformações e mudanças, no seio da própria
estrutura. Como observa Henri Firket: "A célula, cuja forma parece ter
certa permanência, não a tem mais firme que a chama de um bico de gás ou um rio
que corre. Seus contornos são estáveis, suas moléculas continuamente
substituídas por outras, idênticas ..." Como conseguiu ela, entretanto, atingir,
no curso da evolução, o estado de perfeição, de domínio e de equilíbrio que a
caracteriza? Quais são os mecanismos que presidem a essa regulagem minuciosa e
espontânea? Que são eles e como funcionam? Não desenharia essa regulagem, por
sua vez, uma outra imagem da célula, um contorno interno, do qual o sistema
regulador, descoberto pelos três sábios franceses, seria, talvez, apenas um dos
reflexos?
A membrana que isola as células é o elemento mais misterioso
Os contornos
externos da célula são, em compensação, bem visíveis ao microscópio comum, sob
a forma de fina película, aparentemente uniforme. O microscópio eletrônico põe
em dúvida, porém, a sua existência real. Conjunto heterogêneo, crivada de
poros, de crateras e vales, variando no tempo e no espaço, cercada de moléculas
de água, a membrana constitui, atualmente, uma das formações mais misteriosas e
mais fantásticas que existem. Graças a ela, a célula pode deslocar-se e, ainda,
nutrir-se e "apanhar" diretamente os alimentos de que necessita.
Bastará uma deformação interna ou externa, uma envaginação ou um tentáculo,
para que a célula possa envolver a presa ou o líquido cobiçado. Como ela reconhece
os elementos que a cercam? Através de que meios "sabe" um glóbulo
branco reconhecer o corpo estranho que deverá digerir, fazendo a discriminação
entre os elementos da sua raça e os outros? A que substâncias químicas,
constituintes da estrutura de sua membrana, se liga esta capacidade de
discriminação, que é a própria base de todos os processos imunológicos? Seria
de extremo interesse descobrir isto.
Esta
estrutura está curiosamente associada à presença da água que "liga"
entre si as três camadas de moléculas superpostas na superfície da célula: duas
fileiras proteicas, entre as quais uma cadeia dupla de lipídeos se alinha em
paliçada, de tal modo que o todo forma espécies de pilares, capazes de
afastar-se ou aproximar-se uns dos outros, de abrir-se ou fechar-se. Estará ali
a explicação das variações de permeabilidade da membrana, cujas causas
continuam desconhecidas? Ignora-se, mas todas as trocas com o meio ambiente
dependem da seleção que se opera à entrada da célula, permitindo a passagem de
certas substâncias ou proibindo-lhes a saída, conforme a ocasião.
A força que une as células é um mistério
Esta mesma
estrutura explicaria a passagem de certas substâncias para dentro da célula.
Assim, os anestésicos, solúveis em gordura, atravessariam naturalmente a camada
de lipídeos e as substâncias solúveis na água penetrariam, ao contrário, graças
à água retida nas fileiras de proteínas. A palavra "entrabilidade"
substitui, frequentemente, a palavra permeabilidade. À ideia de uma membrana
passiva, sujeita a fenômenos de simples difusão ou de osmose, acrescenta-se a
ideia de um transporte ativo, talvez com dispêndio de energia. As
macromoléculas da superfície celular mudam constantemente de orientação. Será
uma adaptação automática, em função da vizinhança ou, ao contrário, a expressão
de um rearranjo voluntário, de certa maneira "pensado" pela célula,
com a finalidade de melhor utilizar essa mesma vizinhança? Aqui se colocaria,
se quiséssemos ir mais longe, o problema da liberdade celular.
É preciso
não esquecer, entretanto, que uma célula raramente é livre e que ela vive mais
frequentemente em populações, em estreita relação com as outras células e em
estado de estabilidade aparente.
Que forças
as unem? Que afinidades? Através de que cimento aderem elas, umas às outras?
Ligações químicas, forças de coesão, cargas elétricas? Ignora-se exatamente, mas as células se engrenam estreitamente,
acavalam-se, livres e no entanto, ligadas, unidas por pontes fibrilares,
minúsculas faixas de calafetação, ou ainda curiosas engrenagens ou mosomas, verdadeiros
dispositivos de solidariedade, capazes de manter mecanicamente os maciços
celulares. Outro fenômeno, outra ligação de natureza infinitamente mais sutil
parece consolidar essa reunião: a presença constante, entre as células, de um
"espaço em branco", recentemente revelado pelo microscópio eletrônico.
Sua composição é desconhecida, seu papel exato indeterminado. Será ele um
espaço, uma camada acolchoada, destinada a permitir que as células escorreguem
umas sobre as outras? Será ele a zona neutra onde se efetuam as trocas ou o
"pool" indispensáveis para assegurar as ligações com o meio interior?
Todas as questões são permitidas. Deixemos que Maeterlink responda a respeito
deste assunto:
"Aliás,
se examinarmos as coisas de mais perto, veremos que, embora fechados em nosso
corpo, nossos 60 trilhões de células estão relativamente tão espalhadas quanto
milhares de abelhas, de térmitas ou de formigas, fora de sua casa. As
distâncias entre esses pares de células são proporcionais ao tamanho delas, ou
pelo menos, ao tamanho dos elétrons que constituem a sua alma; e estas distâncias
devem ser comparativamente tão grandes quanto as que separam os astros no céu,
pois o infinitamente pequeno equivale ao infinitamente grande..."
Que será
feito, então, desse espaço em branco, quando se desagregar um maciço celular? A
experiência é há muito tempo conhecida. Basta fazer passar uma esponja viva
através de um tecido fino de seda, para que suas células se separem, e
conservá-las em suspensão para ver a sua reagregação. Ou melhor, células
misturadas de órgãos embrionários e desagregadas por técnicas mais modernas
reagregam-se para formar, em seguida, os órgãos de onde se originaram
inicialmente. Em outras palavras: esta reassociação é ordenada, orientada de
maneira seletiva, tanto assim que uma t célula hepática jamais virá a juntar-se
a uma célula renal. Tudo parece trabalho de moléculas e é de fato de moléculas
que se trata, quando se considera a vida no interior da própria célula.
Desintegrada, o número de seus átomos permanece o mesmo, mas suas combinações
se destroem. Ora, da ordem dessas combinações depende a organização profunda da
vida celular em "compartimentos", cada um com um papel determinado.
Parece reinar ali uma disciplina férrea, que controla a integração das
diferentes funções e impede que se instale o caos. Através de que misterioso
controle se mantém a harmonia? Não temos, para tudo, uma resposta que vá além
do sonho: nós também lhe cederemos, agora, a vez.
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Fonte:
Planeta, nº 19. Editora Três. São Paulo, março de 1974, págs. 8-15.
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