Entrevista com Fernando Henrique Cardoso
Por: Cleber Leite
"Crença é coisa que se guarda no
coração"
FHC evita falar de religião, mas reconhece
importância dos evangélicos no processo social
Presidente
ou candidato? A pergunta, feita toda vez que o presidente Fernando Henrique
Cardoso participa de atos públicos ou anuncia medidas do governo, sintetiza a
novidade, em termos de política brasileira, que as próximas eleições representam:
pela primeira vez um presidente da República poderá ser reconduzido ao cargo
pelo voto direto. E, a julgar pelas pesquisas, ele é o favorito para permanecer
mais quatro anos no Palácio do Planalto.
Boa parte do
sucesso do presidente Fernando Henrique deve ser creditado, sem dúvida, ao
Plano Real, lançado em julho de 1994, três meses antes das eleições daquele
ano, das quais FHC saiu consagrado com uma vitória no primeiro turno. Mas houve
polêmica no seu governo. O fim da aposentadoria por tempo de serviço e a
extinção da estabilidade no emprego para os servidores públicos foram
princípios defendidos com fervor por Fernando Henrique e sua equipe. Outro
ponto de destaque, não menos contestado, foi a privatização de empresas como a
Vale do Rio Doce.
FHC
apresenta os avanços do seu governo como credenciais para a reeleição A
trajetória de FHC começou muito antes do dia em que ele subiu a rampa do
Palácio do Planalto pela primeira vez. Nascido no Rio de Janeiro em 1931,
radicou-se em São Paulo, onde iniciou destacada atuação no magistério como
professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) em 1953. Com o golpe
de 1964, Fernando Henrique transferiu-se para o Chile. De volta ao Brasil em
1968, teve os direitos políticos cassados um ano depois pelo Ato Institucional
n° 5.
Participou
da campanha pelas diretas em 1984 e, no ano seguinte, disputou a prefeitura de
São Paulo. Num episódio polêmico, deixou fotografar na cadeira de prefeito dias
antes das eleições, que perdeu para Jânio Quadros. Um dos fatos apontados para
a derrota da declaração a ele atribuída, de que ateu. Hoje, nega que tenha dito
isto.
Casado com a
antropóloga Ruth Cardoso, FHC exibe um vistoso currículo de títulos academia
apresenta as conquistas do seu governo para tentar um novo mandato. Ao eleitor,
cabe decidir se ele deve permanecer mais quatro anos no Planalto.
O segmento evangélico vem ganhando
visibilidade na sociedade. Além de inúmeros parlamentares, há empresários,
artistas e atletas que se confessam crentes. De que maneira o senhor vê a
atuação dos evangélicos na sociedade brasileira?
Tenho tido a
felicidade de contar com uma base de apoio extremamente ampla, que representa a
diversidade da sociedade brasileira. Seja entre os parlamentares da base de
apoio do governo, seja entre meus assessores no Executivo, conto com pessoas
cujas convicções são ligadas às igrejas evangélicas, a quem sempre recorro e
consulto. A atuação de evangélicos -e hoje são muitos os que se destacam na
cena brasileira, nas mais variadas áreas - é também digna de nota.
Hoje, os evangélicos formam um grupo
importante nas estratégias dos candidatos. Como a coordenação de sua campanha
pretende atrair este grupo?
Nestes
quatro anos de governo, procurei ser o presidente de todos os brasileiros.
Pretendo, como candidato, continuar agindo desta maneira. É claro que não
desconheço interesses e demandas específicas de inúmeros grupos, religiosos ou
não, da sociedade brasileira. Os evangélicos são um desses importantes
segmentos. Reconheço a atuação destacada da Igreja Evangélica na luta pela
construção de um Brasil mais justo e solidário.
O problema da fome no Nordeste mobilizou
tanto o governo quanto as igrejas cristãs. O senhor pensou em fazer trabalhos
conjuntos com esses grupos religiosos?
Sempre disse
que os desafios que o Brasil tem a vencer não são só do Estado ou do governo.
Nós temos procurado aumentar, sensivelmente, o grau de parceria entre as várias
esferas de governo - federal, estadual, municipal — e entre o governo e as
organizações da sociedade civil, como igrejas, sindicatos, empresas
universidades. Não foi com outro espírito que eu e Ruth Cardoso, mulher do
presidente] criamos o Conselho da Comunidade Solidária, que representa uma nova
forma de relacionamento, articulação e parceria entre o Estado e a sociedade.
Caso seja reeleito, a parceria continua?
Se eu for
reeleito, vou continuar incentivando o aumento dessa parceria. No caso
específico das ações para o Nordeste, tenho colocado todo meu empenho para que
tudo se faça de forma a minorar o sofrimento dos mais atingidos pela seca e
pela fome. São inúmeros os programas dirigidos a essas populações, mas muito há
por fazer. Por isso, vejo como absolutamente fundamental o envolvimento de
todos no apoio a ações concretas e no combate a essa dramática situação.
O senhor já se declarou ateu, afirmou ser
preciso uma "pitada de candomblé" para governar o Brasil e disse
"aleluia" num encontro da Assembleia de Deus em São Paulo, em
setembro passado. Afinal, o senhor tem alguma religião?
Para
começar, não sou ateu e nunca disse que era. Também não basta apenas declarar a
crença em Deus. Crença é uma coisa que se guarda no coração, O que vale é a
prática. O mais importante é agir com os sentimentos da fé, da esperança, da
solidariedade, da justiça e da fraternidade entre os homens. O que mais fascina
na sociedade brasileira é o pluralismo religioso, conjugado com a imensa
tolerância do povo na convivência com as diferentes crenças.
Como
presidente de todos os brasileiros, independentemente de credo ou raça, cabe a
mim respeitar a pluralidade e incentivar a tolerância, com profundo respeito
aos símbolos e às crenças deste povo.
Setores católicos e evangélicos criticaram
o senhor pelo governo ter abandonado a parte social em detrimento do combate à
inflação. Quais são os fundamentos de seu programa de governo, nesta área, para
um eventual segundo mandato?
Sempre disse
que a estabilidade econômica não é um fim em si mesmo. Ela é a pré-condição
para a superação das desigualdades sociais. O Plano Real já deu uma
contribuição importante na medida em que permitiu que 13 milhões de brasileiros
deixassem a faixa de pobreza nestes quatro anos. Pela primeira vez, também,
milhões de brasileiros puderam ter acesso à proteína animal. Há cinco ou seis
anos, a inflação era de tal ordem que se tornava impossível pensar em
alternativas para o futuro, tamanho o grau de desorganização da economia e da
sociedade. A prova de que a estabilidade era um anseio generalizado está não só
no fato de que a população me elegeu para tocar este projeto, como, sobretudo,
no apoio que ela contínua dando à estabilização. Mas é um equívoco pensar que o
governo só cuidou disso.
Mas há quem diga que, com a estabilidade -
uma bandeira de seu governo -, o país pagou um preço social muito alto, a
começar pela elevação do índice de desemprego. O que o senhor acha disso?
Na educação,
meu governo realizou uma verdadeira revolução no ensino fundamental,
modificando completamente a atuação do Ministério da Educação, com uma série de
projetos que culminaram na bem-sucedida campanha "Toda criança na
escola". Em segundo lugar, realizamos o maior programa de reforma agrária
de que o país tem notícia: estamos assentando 300 mil famílias - um total
superior à meta proposta em 1994. Isso significa dar acesso à terra a um número
de famílias maior do que todos os governos anteriores. Além disso, temos o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf,
igualmente sem paralelo na história do País. Tivemos também, em quarto lugar,
um grande avanço na área de qualificação e requalificação de trabalhadores: em
1994, foram 100 mil os atingidos; este ano, serão treinados e requalificados
dois milhões de trabalhadores. Não é verdade, portanto, que meu governo tenha
se restringido ao combate à inflação. A economia voltou a crescer estavelmente
e, apesar de todas as dificuldades, me orgulho em dizer que, além de obtermos a
estabilidade, conseguimos crescer a taxas estáveis e realizar profundas
transformações para vencer o desafio imenso do problema social.
Seu governo elegeu as privatizações como um
dos carros-chefes destas transformações. A privatização do Sistema Telebrás,
ocorrida em agosto passado, pode colocar o poder de definir a política de
concessões de canais de comunicação nas mãos de um ou outro grupo. Comenta-se
que este é o principal motivo de a Igreja Universal do Reino de Deus, a cujo
grupo pertence a Rede Record, ter acenado para seus rivais na campanha para a
presidência. O que o senhor acha disso?
A
privatização das empresas de telecomunicações foi feita com o objetivo de,
primeiro, atrair grupos que possam realizar os investimentos necessários ao
setor, a fim de dotar o país de um sistema mais eficiente, mais barato e
acessível a todos. Foi um dos maiores negócios do mundo, e as empresas
vencedoras se comprometeram com vultosos investimentos no país. Vários
benefícios ao consumidor se farão sentir de imediato.
E como é possível garantir que haverá
concorrência? Uma das maiores preocupações dos opositores do processo de
privatização é a formação de monopólios...
O monopólio
acabou. Pela primeira vez, a partir do ano que vem, vamos ter concorrência no
setor de telecomunicações com a criação das chamadas empresas-espelhos, que vão
concorrer com as atuais concessionárias. É bom deixar claro que o Estado não
perdeu sua capacidade de regulamentação. Foi criada a Agência Nacional de
Telecomunicações [Anatel], que mantém o poder normativo e regulador e que
interferirá sempre que o interesse público assim o exigir.
Mesmo assim, não há o perigo de vir a
existir um monopólio privado, em substituição ao monopólio estatal?
Não há
riscos de que os interesses de algum grupo prevaleçam sobre os demais e sobre o
interesse público, ou de formação de monopólio privado. A Anatel estará atenta
a esses aspectos. Além disso, desde o início do governo, sob o comando do
ministro Sérgio Motta, cuidamos de dar transparência e seriedade ao processo de
concessões e à regulamentação do setor.
Os cinco dedos, que foram a marca
registrada de sua campanha de 1994 vão voltar?
Enumerar
todas as metas do programa de 1994 e as respectivas ações do governo nestes
quatro anos seria muito longo. Algumas já foram mencionadas aqui. Quanto às
prioridades simbolizadas pelos cinco dedos, quero dizer que são preocupações
permanentes do povo e, portanto, do meu governo também. Certamente, no novo programa,
constarão avanços que devemos fazer em saúde, educação, segurança, agricultura,
reforma agrária.
O emprego terá atenção maior no seu
eventual segundo mandato?
É sobretudo
na questão do emprego que pretendo, caso mereça novamente a confiança dos brasileiros
e brasileiras, concentrar esforços do próximo mandato para atacar este grave
problema. O meu programa de governo procurará articular um conjunto muito
grande de ações no combate ao desemprego. Povo e governo juntos, porque juntos
soubemos derrotar a inflação, e seremos capazes também de vencer o desemprego.
É possível sintetizar todos os seus
projetos numa ideia central? Como seria sua concepção de um Brasil ideal?
O meu
programa ainda está sendo amplamente discutido em todo o País. Começamos por divulgar
25 cadernos para mostrar que os compromissos assumidos em 1994 estão sendo
cumpridos. Em agosto, divulgamos as metas para um novo mandato e, o que é
fundamental destacar, mostramos como e de onde sairão os recursos. Mas, para
resumir, esse programa tem um sonho: transformar o Brasil num país mais justo,
generoso e solidário no alvorecer do Terceiro Milênio depois de Cristo. Esse
sonho está ao alcance de nossas mãos. Resta-nos transformá-lo em realidade
(1998).
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Fonte:
Revista Vinde. Ano III - Nº 34 - Setembro de 1998. Editora Vinde. Rio de Janeiro, págs. 12-15.
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