quinta-feira, 21 de julho de 2016

História secreta da espionagem

História secreta da espionagem
Pelo Grupo de Pesquisas de PLANETA
Quem são os verdadeiros detentores do poder numa grande potência como os Estados Unidos ou a Rússia? O presidente ou os homens dos serviços de informação? E quando estes serviços erram? E quando es espiões penetram nos segredos de uma nação, neutralizando ações decisivas? Como agem tais espiões? De que meios se valem nas suas operações? Que fontes são utilizadas?  É uma guerra de bastidores que oferece lances corajosos e também situações ridículas. Uma guerra de que depende o destino do mundo.
Os dois homens mais poderosos deste planeta são totalmente desconhecidos. Cerca de 50 pessoas, apenas, conhecem seus nomes. Dizem, que um deles é um enorme irlandês, e o outro, um minúsculo armênio. Mas, o que as lendas não dizem! Os dois homens mais poderosos do mundo têm, é claro, a mesma profissão. Eles são os avaliadores. Essa palavra não figura em nenhum dicionário com a definição especial que lhe é atribuída. Os norte-americanos chamam-nos de e-men. Os russos de svodka. Uma avaliação, em russo ou inglês, é a integração e a exploração das informações em alto nível. Essas avaliações são feitas a cada seis horas, tendo um único destinatário nos Estados Unidos: o presidente Nixon, e um único destinatário na Rússia; Brejnev.
Nenhum comitê de especialistas, nenhuma máquina, pode relacionar as informações que recomendem uma ação decisiva sobre a vida e a morte dos habitantes do planeta. Acima dos comitês e das máquinas há um cérebro, o do avaliador. Os avaliadores erram, às vezes. São humanos. Mas, até agora, não cometeram nenhuma falta grave, já que ainda não houve uma guerra nuclear. O posto de avaliador supremo, de detentor do verdadeiro poder, acima do poder aparente de chefe de Estado, existe na Rússia desde 1917. Foi criado por Lenin. Nos Estados Unidos sua existência é mais recente, data de 1947. A observação sobre a identidade do avaliador, russo ou norte-americano, reduz-se a hipóteses. Os especialistas percebem alguma mudança no posto de avaliador pela observação de sutis modificações no estilo político. Depois de 1947, três mudanças deste tipo teriam ocorrido nos Estados Unidos e quatro na Rússia.

Os homens invisíveis
Um livro de David Wise e Thomas B. Ross O Governo Invisível (Ed. Civilização Brasileira) relacionou informações sobre a estrutura do centro de avaliação norte-americano. Se contivesse informações realmente fundamentais, provavelmente jamais teria sido editado. O livro, porém, apresenta algumas verdades. McCone, o chefe dos serviços secretos norte.-americanos tentou, primeiro, impedir a edição, depois apreendeu todos os exemplares, e, por fim, ofereceu somas fabulosas, de até 1,2 milhão de dólares pela retenção da obra. Apesar de tudo, o livro foi editado.
Segundo McCone o livro contém, pelo menos, 120 fatos, que os serviços secretos soviéticos jamais descobririam por si mesmos. Seus autores são jornalistas do New York Herald Tribune e do Chicago Sun Times. O livro revela a existência de um governo invisível nos Estados Unidos. Este governo invisível, o grupo 54/12, uma extensão ultra-secreta do Conselho de Segurança Nacional, estaria acima do Departamento de Estado, dos estados-maiores e dos serviços secretos.
É possível que exista uma organização deste tipo, e que ela seja uma das fontes do avaliador norte-americano. Inventar, porém, um governo invisível é ir longe demais. Certamente caminhamos para uma criptocracia, mas ainda não chegamos lá.
É preciso desconfiar das estruturas paranoicas que o espírito tende a criar. O mundo certamente não é governado pelos judeus, pela maçonaria, pelo grupo 54/12 ou por qualquer outra organização secreta. Os Estados Unidos e a Rússia são governados pelos respectivos presidentes.
Mas os chefes de Estado, tanto russo quanto norte-americano, decidem em função das sínteses fornecidas a cada seis horas. Assim, os redatores dessas sínteses são os verdadeiros detentores do poder. Apresentar os serviços de informação norte-americanos como democráticos e os russos como totalitários é extremamente ingênuo.

Uma equação com muitos parâmetros
O chefe de um país, como os Estados Unidos e a Rússia, deve estar sempre a par do que se relaciona com três problemas fundamentais:
1) Como está seu próprio país? Quais as armas conhecidas e secretas? Quais seus possíveis futuros aliados? Quais os atuais aliados? Quais os apoios de que dispõe seu país?
2) Quais as informações relativas às questões acima, que são conhecidas pelo adversário, e quais são ignoradas com certeza?
3 ) O máximo de informações sobre o adversário: idealmente, ele precisaria saber o que contém o sumário do adversário. É claro que as decisões dependem da interconexão dessas três ordens de preocupação. Temos, como exemplo, o sumário destinado ao presidente dos Estados Unidos, em 1961, com as seguintes informações: a) Forças contrarrevolucionárias cubanas, equipadas com material norte-americano e compostas por oficiais norte-americanos, estão prestes a desembarcar na baía dos Porcos, em Cuba.
b) Elementos anticastritas em Cuba estão prontos para apoiá-las.
c) Os russos ignoram isso. Conclusão do sumário: a operação é recomendada. O ponto "c", porém, era falso. E o caso da baía dos Porcos foi um desastre. O que precisa ser esclarecido é que o ponto "a" continha informações fornecidas por norte-americanos na Rússia. Mas o que contou foi a síntese dos três pontos. É preciso, então, discutir de um lado as fontes internas de informação, que exigem um controle sério do avaliador. Isso não é fácil porque os estados-maiores tendem a ser muito otimistas ou muito pessimistas. E de outro lado temos as fontes de informação sobre os países adversários que comumente operam por vias normais.
O coronel Pawel Monat, espião polonês nos Estados Unidos, que mudou de campo, publicou no livro Spy in the United States (Harpe e Row, 1961), uma relação das fontes utilizadas para informações militares sobre os Estados Unidos. "Os norte-americanos — diz ele — são despreocupados e loquazes e contam pelos jornais mais do que seria bom para eles".
Conta que conseguiu obter num número da revista Aviation Weekly o balanço anual do poderio aéreo, num livro com cerca de 372 páginas. Segundo ele "custaria meses de trabalho e milhares de dólares para os nossos agentes obterem esses dados, que a revista ofereceu reunidos numa bandeja de prata". Refere-se ainda à publicação Missiles and Rockets e, particularmente, ao que ele chama de órgãos da casa, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, e os fuzileiros que se empenham numa batalha de troca de informações.
Ele mostra o valor dos esforços desenvolvidos pelos comunistas a fim de se informarem das reuniões do Congresso sobre o orçamento da Defesa que ele classifica como uma de suas melhores fontes. "Deve ser extremamente difícil, conclui Monat, para os norte-americanos, defender a nação e suas liberdades quando os segredos da defesa são diariamente expostos a todos os que sabem ler".
Existem ainda as informações secretas que são obtidas por espiões que trabalham com risco de vida em país estrangeiro. Eles existem, e são fuzilados quase diariamente. Às vezes, esses acontecimentos ganham meia coluna ou duas linhas num jornal.
O papel dos avaliadores é fornecer uma síntese da situação, partindo de uma massa atordoante de estatísticas, relatórios, fotografias, matemáticas e documentos. É um trabalho prodigioso, do qual só o cérebro humano é capaz. Ele se desenvolve no topo de uma pirâmide que vamos tentar descrever.
Imaginem um acontecimento de alto nível: a explosão da primeira bomba atômica ou o lançamento do Sputnik I. A pirâmide estende-se no espaço e no tempo. Trata-se de prever o acontecimento antes que ele se produza, de anunciar as consequências que sofremos se ele se produzir. A somatória de informações relativas ao acontecimento resulta da combinação desses três meios: espionagem, estudo de fontes normalmente disponíveis e documentação confidencial.

Face oculta dos fatos
Teremos uma ideia exata do que se passa no domínio da espionagem, multiplicando por dez todos os elementos que povoam o romance: agentes secretos, papéis falsos, belas espias, disfarces, tratados, agentes duplos etc. No ponto em que estamos é difícil saber se é a vida que imita o romance de espionagem, ou o romance de espionagem que imita a vida.
Somerset Maughan, espião inglês na Rússia em 1917, em seu livro autobiográfico: Mr. Ashendern, Agente Secreto, já colocava a questão, entre duas guerras. E a questão permanece.
A espionagem existente, com todas as aventuras romanescas imagináveis, fornece cerca de cinco por cento da informação necessária para prever ou modificar um importante evento. Um espião, por melhor colocado que esteja, fornece fragmentos importantes, porém pequenos, em relação ao que pode ser obtido por outros meios. Um traidor, bem utilizado, pode fornecer alguns documentos, mas em geral ele não sabe exatamente o que é necessário fornecer. Um agente secreto (reúnem-se sob essa denominação tanto traidores quanto agentes secretos, o que é injusto) pode, corajosamente, passar sob os muros de uma usina atômica, ou assistir ao lançamento de um foguete. Mas arrisca-se à tortura e à morte para obter pouca coisa.
A visão de um muro de usina pode nada esclarecer sobre os aparelhos empregados para separar isótopos. A partida de um foguete não ensina que o carburante usado é a dimetil-hidrazina assimétrica.
A espionagem é útil, mas está longe de ser indispensável e essencial.
A. Huxley, em Contraponto, refere-se à distinção que a Enciclopédia Britânica faz de três categorias de inteligência: a inteligência humana, a animal e a militar.
É um jogo espirituoso de palavras como o termo inglês intelligence, que significa tanto informação quanto inteligência. No mesmo sentido, empregamos intelligence ouverte (inteligência aberta como oposto da inteligência secreta) para denominar a informação obtida por meios diferentes da espionagem.
O termo inteligência aberta é apropriado, qualquer que seja o sentido que dermos à palavra inteligência. Podemos chegar a uma ideia bem precisa das armas secretas em fabricação, do seu avanço, e de sua utilização tática e estratégica, examinando com inteligência aberta a imprensa de um país, sua literatura, relatos de visitantes, importações e exportações etc.
A inteligência aberta utiliza ainda o registro de radiações atômicas do adversário. Ela utiliza a descodificação das mensagens emitidas ou recebidas pelo adversário em todos os meios de comunicação. As máquinas eletrônicas são extremamente úteis e decifram quase todas as mensagens. A inteligência aberta examina com cuidado a literatura de ficção científica de um país: a bomba atômica e o raio laser — para citar uma arma do passado e uma do futuro — apareceram primeiro na ficção científica.

Está tudo nos livros
A inteligência aberta é um processo de apreensão das estruturas que estão por trás dos fatos. Para a opinião pública, a aventura do capitão Carlsen e o salvamento de seu barco foi apenas mais um fato sensacional. Mas, para os especialistas da inteligência significou que o submarino atômico americano estava para ser lançado ao mar, pois sabiam que Carlsen transportava minério de sirconium, metal indispensável à construção de submarinos atômicos.
Nada significou para o leitor comum a nota saída no jornal francês Le Monde: "O sr, Smith, da sociedade Space Dynamics, atenderá no Hotel Claridge, engenheiros e físicos especializados em bombeação ótica desejosos de trabalhar nos Estados Unidos". Para o especialista esta nota indica que os norte-americanos estavam a ponto de construir o raio da morte.
A parte mais importante da informação é a pirâmide da inteligência aberta. A partir de informações aparentemente insignificantes, saídas no Jornal Industrial e Econômico soviético, os norte-americanos suspeitaram da existência da base soviética de Baikanour, na Ásia Central.
Os norte-americanos instalaram na Turquia radares capazes de captar os sinais elétricos que os foguetes emitem no momento do lançamento. Os gases transformam-se em eletricidade no instante da partida, por causa da temperatura elevada. Os russos, por sua vez, descobriram as estações de radar comum e observaram aviões sobrevoando o território turco, e, assim, ficaram sabendo o que os norte-americanos sabiam.
Quando os primeiros satélites foram lançados, o físico francês Charles-Noel Martin calculou as coordenadas de Baikanour e publicou-as em seu livro. Os Satélites Artificiais. Essa obra encontra-se em todas as livrarias, mas os russos recusam-se a dizer onde fica Baikanour. Com um senso patético do segredo, eles se recusam a dar a posição de sua base de lançamento.
Os norte-americanos conhecem a obra de Martin? Ou se obstinam em enviar corajosos agentes secretos, disfarçados em camelos, para obterem a posição exata da base, que os radares localizam, de modo aproximado? Sabemos que norte-americanos e russos assinam milhares de publicações. Leem e resumem tudo. Essa é a verdadeira informação.
Por que fazemos referência apenas aos Estados Unidos e Rússia? Porque eles são as duas únicas forças verdadeiras. Eles detêm os meios de destruição da Terra. Os outros possuem quantidades negligenciáveis, como a Europa ou a China. As informações de alto nível interessam sobretudo a esses dois blocos: a América e a OTAN, a Rússia e os aliados do Pacto de Varsóvia. Os outros países limitam-se a espionagem miúda. Evidentemente, se jovens Repúblicas africanas se fragmentam em diversas tribos e iniciam uma guerra local, é útil saber quantos fuzis dispõe cada adversário.
É necessário, então, ter agentes entre os feiticeiros locais.
Se a Inglaterra tem aborrecimentos com algum sultanato do mar Vermelho ou de outro local, o Serviço de Inteligência precisa saber de quantas metrabalhadoras, modelo 1914, dispõe o sultão. É útil como agente uma jovem médica trabalhando no harém do sultão. Mas, se essas querelas fornecem material para os escritores de romances de espionagem, elas não ilustram o verdadeiro problema da informação moderna.
A guerra secreta moderna consiste em saber o que faz um adversário vigilante nos Estados Unidos ou na Rússia. Isso é uma tarefa fácil para a inteligência aberta. As informações devem relatar também o que os adversários sabem, e essa tarefa é mais delicada. É de alçada da contraespionagem, um jogo de lances extremamente sutis e não de caça aos espiões.

A contraespionagem
A melhor maneira de saber o que o adversário conhece é descobrindo o que ele deseja saber. Para isso, é necessário ver os questionários enviados aos agentes inimigos. A tarefa não é fácil. É preciso descobrir o espião e mantê-lo sob controle, a fim de descobrir os meios que utiliza para encaminhar a correspondência e receber instruções. Por motivos políticos a prisão de espiões é considerada um acidente deplorável, que os serviços de contra-inteligência procuram evitar ao máximo. Depois da descoberta e manipulação do espião ou agente secreto começa a segunda fase.
Nessa fase são fornecidas informações falsas aos espiões. Essa técnica alcançou refinamentos extraordinários. O adversário já chegou a receber cadáveres de pessoas que jamais existiram, e portadores de documentos relatando operações que jamais seriam realizadas. Esse procedimento foi usado pelos ingleses contra o Eixo, pouco antes do desembarque na Sicília, durante a última guerra.
Inclusive, fizeram sobrevoar em território inimigo aparelhos aparentemente eletrônicos e nucleares, mas que na realidade não correspondiam a nada, e foram criados por escritores de ficção científica, antes que os conhecimentos científicos empregados nessa direção chegassem a um resultado concreto.
A intoxicação, isto é, o fornecimento de informações falsas ao inimigo, é uma arma sutil, praticada de vez em quando. Calculamos que de 25 informações passadas aos SS alemães, estacionados na Inglaterra na Segunda Guerra, apenas uma era verdadeira. As informações falsas serviam para camuflar as verdadeiras sobre o desembarque da Normandia, recebidas pelos alemães. Essas vinham no meio de uma massa de outras informações sobre desembarques na Noruega, no Báltico, na Espanha, no Mediterrâneo, nos Bálcãs etc.
Acredita-se que as informações exatas provenientes da Rússia são, agora, proporcionalmente bem menores. A terceira fase da contraespionagem, mais complexa que a intoxicação, chama-se reconversão.
Trata-se de persuadir um espião ou agente inimigo a mudar de campo. Isso pode e tem sido feito. É um trabalho extremamente perigoso. É preciso uma coragem incomum para encontrar um oficial soviético importante, e persuadi-lo a ir para os Estados Unidos. São enormes as chances de prisão e fuzilamento imediato.
Uma operação deste tipo foi realizada com sucesso pelos norte-americanos. O desertor denunciou, entre outros, o coronel sueco Wemerstrom, chefe da rede soviética de espionagem nos países da OTAN, e Pâques, espião da OTAN. O agente norte-americano, que teve a audácia de abordar em Moscou o oficial soviético, convencê-lo a escoltá-lo até os Estados Unidos, mostrou uma coragem e energia apreciáveis.
Provavelmente, não obteremos detalhes maiores sobre essa operação, mas no livro de Pierre Nord, Mes Carades Sont Morts, há o relato de outra missão análoga. "As batalhas de espionagem são grandes batalhas do espírito" diz ele. O termo ofício de cavalheiros, inventado pelos alemães, aplica-se perfeitamente a aventuras deste porte.

Uma batalha do espírito
A grande esperança de todo serviço de contraespionagem é levar para o lado dele, não um agente ou um oficial, mas um exército inteiro. Afastai a França da órbita soviética, trazer a Hungria para o bloco ocidental, ganhar Fidel Castro, fragmentar a China em diversos países mutuamente hostis são empresas que aparentemente se encontram no domínio do possível.
A aplicação de técnicas matemáticas à guerra psicológica e, principalmente, os excelentes trabalhos de Von Neumann sobre estratégia generalizada e teoria dos jogos, introduziram uma possibilidade teórica futura de uma campanha de reconversão a longo prazo. Essa operação permitiria a paralisação do inimigo e o deslocamento de importantes peças no tabuleiro de xadrez.
Futuramente, um grupo humano será equacionado e, com a ajuda de enormes calculadoras, será definida uma estratégia que permitirá o deslocamento do grupo e modificações nas linhas de força que determinam o processo evolutivo. John Buchan predisse tudo isso, já há algum tempo, em Central de Energia, Os Três Reféns e Campo de Manhã. As predições do escritor inglês que foi o primeiro ministro de Propaganda da história (durante a Primeira Guerra Mundial), realizam-se atualmente. Ele escreveu: "O verdadeiro poder não é a manipulação de energias nem o controle de grandes massas de matéria inanimada. O verdadeiro poder é o do espírito sobre o espírito". A guerra psicológica é a grande esperança da China. Ela não superará jamais a defasagem material dos russos e norte-americanos em relação aos chineses, mas ganhará os espíritos e reunirá em torno de si todos os descontentes do mundo. A guerra psicológica obtém na África algum resultado. Mas ela é frágil, muito mais frágil do que parece. O terreno principal da guerra psicológica não é a África, mas a índia. A América, a Rússia, a Inglaterra e a China entregam-se a uma guerra invisível e onde utilizam os métodos mais modernos. A jogada vale a pena: o subcontinente indiano organizado pode tornar-se uma grande força.
A luta psicológica pela índia, provavelmente, será o grande combate do terceiro milênio. Não é possível prever quem ganhará, mas, certamente, será aquele que combinar adequadamente o máximo de certezas teóricas com o máximo de ousadia prática.

A tentação da ação
Quando se joga o complexo jogo da informação, da intoxicação e da guerra psicológica, a tentação de intervir é bem grande. Se uma central atômica pudesse ser sabotada, se um acidente acontecesse a um protótipo, se um personagem desaparecesse, tudo sairia a contento.
Todos os governos negam enfaticamente a existência de um serviço de ação acusado de sabotagem e assassinato. Oficialmente, todos estes serviços foram desenvolvidos no fim da guerra. Portanto, precisamos acreditar em coincidências quando o general Nedeline, chefe do serviço de foguetes russo, morre num acidente de avião; quando o submarino atômico norte-americano, Tresher, desaparece sem deixar traços, ou quando Bella Lapunnyik, chefe da polícia secreta húngara, atravessa clandestinamente a fronteira de seu país para entrar em contato com o serviço norte-americano em Viena, e morre envenenado antes de falar.
Allen Dulles, que não costumava romancear, escreveu: "O funcionário da polícia secreta húngara, Bella Lapunnyik, escapou audaciosamente cruzando a fronteira austro-húngara, em maio de 1962, chegando são e salvo para morrer envenenado, provavelmente por agentes russos ou húngaros, antes de ter podido contar seus segredos às autoridadês ocidentais".
Vamos ser sinceros: vivemos numa época em que o assassinato, o atentado e a sabotagem são meios políticos perfeitamente caracterizados. Foi na realidade e não num romance de espionagem, que o presidente dos Estados Unidos foi assassinado e seu assassino eliminado antes de ter podido falar.
A sabotagem e o assassinato existem, acreditemos ou não. Os serviços de ação também, apesar de sua existência ser oficialmente negada. Não é preciso exagerar nem subestimar a influência destes serviços. Há mais revelações sobre espionagem, do que sobre sabotagem, e, provavelmente, jamais saberemos por que o Tresher desapareceu, ou por que o U-2, do aviador-espião Power, foi sabotado com uma bomba de efeito retardado, quando decolava do Ira. Poucos especialistas oficiais da informação admitem ser encontrados os sabotadores. Um dos chefes da espionagem norte-americana, porém, Ladislas Farago, admitiu ter conhecido bastante o alemão Ernst Wollweber, chefe do serviço de sabotagem soviético durante a Segunda Guerra. Segundo Farago, Wollweber, cuja rede de espionagem se estendia por toda a Europa, é atualmente chefe da polícia secreta da República Democrata alemã.
A sabotagem é uma tentação constante para as organizações políticas que se ocupam da informação. É sempre uma solução simples para um problema difícil. Entre as operações clássicas de sabotagem estão a famosa batalha da água-pesada, em que foram destruídos os estoques que permitiriam à Alemanha construir a bomba atômica e as múltiplas sabotagens em Budapest, a 20 de abril de 1952, por ocasião da chegada do marechal Vorochilov. Um grande número de usinas e de instalações militares soviéticas incendiaram-se, ao mesmo tempo em que os condutores de água estavam inutilizados. Os danos materiais e morais foram enormes e os sabotadores nunca foram presos. Um dia, talvez, alguém conte a verdadeira história desta série de atentados conhecidos como Operação Tocha. Por enquanto, jamais saberemos se o misterioso organizador, Baltin Boda, é um pseudônimo, ou um personagem imaginário, inventado para simbolizar a resistência húngara.

O poder acima do poder
Uma organização que assassina quem for preciso, que impõe suas decisões ao próprio chefe de Estado, não é mais perigosa para seu próprio país do que para o inimigo? Os técnicos de propaganda da intoxicação gostariam de criar governos invisíveis mais poderosos do que os reais? Os serviços secretos desejariam substituir o governo eleito? Essas questões não são absurdas em princípio. É preciso considerar o problema sem cair no romance, no delírio de perseguição ou na monotonia.
Allen Dulles escreveu que: "De tempos em tempos vozes se elevam, acusadoras, avisando que um serviço de informação ou segurança pode transformar-se numa ameaça às nossas próprias liberdades, que o segredo em que operam é vagamente sinistro, e que suas atividades podem estar em contradição com seus fundos secretos" Mais adiante ele diz: "Mostrei que na Rússia branca assim como na soviética, na Alemanha de Hitler, no Japão dos senhores da guerra e em outros países, os serviços de segurança com funções de informação foram usados para ajudar um tirano, ou uma sociedade totalitária a suprimir a liberdade interna e executar operações terroristas no exterior. Aconteceram muitos casos — os mais espalhafatosos na América Latina — em que os ditadores transformaram os serviços de informação em autêntica Gestapo particular, para garantir o seu domínio".
Atualmente a CIA, e sua equivalente soviética, a KGB, possuem meios de ação perigosos. Mas os organismos superiores são dirigidos diretamente pelos avaliadores, são estados dentro do Estado: possuem créditos ilimitados, sedes espalhadas no mundo inteiro, possibilidade de ações terroristas & assim por diante.
Mas não está longe o dia em que os detentores do poder real desejarão deter o poder político. Muitos já se preocupam com isso. O jornal New York Herald Tribune publicou na primeira página, 20 de julho de 1964, um artigo intitulado: "A vitória de Goldwater é devida às informações recebidas dos serviços de inteligência?"
O texto dizia que o grupo de coordenação geral, DIA (Defense Intelligence Agency), organismo militar ligado diretamente ao avaliador-chefe, fornecia secretamente, ao senador Goldwater, informações que lhe facilitaram uma estratégia a longo prazo, superior à de seus adversários.
Um dos antigos diretores desse organismo, o general William Quinn, era, segundo o Herald Tribune, um amigo chegado do senador. O jornal recordava, no mesmo artigo, que o senador havia recusado a oferta do presidente de receber os boletins avaliativos porque os considerava parciais e incompletos e possuía melhores fontes de informação.
A possibilidade de um grande país vir a ser governado pelos serviços secretos, e o governo legal ser transformado em fantoche, não pode ser excluída. Dizem que é isso que está acontecendo, ou vai acontecer na Rússia.
Allen Dulles escreve: "O observador ocidental pergunta-se, frequentemente, se as lutas internas pelo poder, que grassassem na hierarquia da União Soviética, afetariam a situação e o poder da KGB, enquanto organismo mais privilegiado do Estado soviético. Não esperamos que, simplesmente, seus chefes sejam afastados, como foram seus antigos dirigentes, Yezhov, Yoagoda e Béria, mas que a organização inteira, com as fileiras ligadas aos elementos perigosos ao Estado, possa ser expurgada. Seu principal rival, pela força, é o Exército, que na história soviética tem interferido periodicamente, minimizando o papel do ditador em benefício do órgão civil de segurança, instrumento pessoal do ditador, que poderia ser usado para espionar o Exército".
Na realidade existe na Rússia um terceiro poder além do Exército e da KGB, são os cientistas, que constituem uma classe no sentido marxista. São numerosos, fortemente organizados e apoiam-se mutuamente. Tendo sentido o sabor do segredo na Rússia, não podemos excluir a possibilidade do nascimento de uma criptocracia, de um governo invisível controlando a Rússia. Mas, o país que parece estar melhor preparado para uma tomada do poder oculto, pelos serviços secretos, é a Alemanha Ocidental. Os serviços secretos, de avaliação e de ação, aí são privados e financiados pela grande indústria (como eram os de Hitler no começo).
A substituição insidiosa de um governo mais ou menos legal por uma criptocracia, suscitada por influência dos serviços secretos, é perigosa. Entretanto, fala-se de quando em quando de uma possibilidade mais extraordinária ainda.
E se os dois grandes avaliadores, o norte-americano e o russo, concordassem entre si? Se os conhecimentos de que dispõem mostrassem que um acordo secreto entre ambos levaria à dominação da raça branca, da qual fazem parte, e da civilização ocidental, da qual são manifestações pouco discordantes? E se um entendimento de cúpula, entre os Estados Unidos e a União Soviética, resultasse num governo mundial secreto, colocando em comum 50% dos armamentos e 95% dos laboratórios interplanetários existentes no mundo? Essa eventualidade precisa ser considerada.
Kruschev, tempos atrás, mostrava a industriais norte-americanos, em visita a Moscou, fotos de cidades atômicas norte-americanas, e lhes dizia: "As suas fotos também devem ser excelentes. Deveríamos unir nossos serviços secretos. Aliás, têm quase os mesmos agentes. Seria um começo para futuramente colocarmos nossas armas em comum". Essa conversa foi amplamente divulgada pela imprensa como uma anedota divertida. Mas não é segredo que os sábios russos e norte-americanos concordaram em partilhar segredos do mais alto nível, e desenvolver pesquisas em comum. Seus encontros são feitos em Pugwash (EUA), de onde saiu, particularmente, um projeto de uma cidade científica internacional em Berlim. Depois de tudo o que se sabe, parece que além e acima do telefone vermelho, existe uma rádio clandestina ligando os serviços de avaliação e de decisão dos dois grandes países e possibilitando conversações que no futuro poderão levar a uma ação comum.

---
Fonte:
Planeta, nº 11. Editora Três. São Paulo, julho de 1973, págs. 21-34.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário