História secreta da espionagem
Pelo Grupo
de Pesquisas de PLANETA
Quem são os verdadeiros detentores do poder
numa grande potência como os Estados Unidos ou a Rússia? O presidente ou os
homens dos serviços de informação? E quando estes serviços erram? E quando es
espiões penetram nos segredos de uma nação, neutralizando ações decisivas? Como
agem tais espiões? De que meios se valem nas suas operações? Que fontes são
utilizadas? É uma guerra de bastidores
que oferece lances corajosos e também situações ridículas. Uma guerra de que
depende o destino do mundo.
Os dois
homens mais poderosos deste planeta são totalmente desconhecidos. Cerca de 50
pessoas, apenas, conhecem seus nomes. Dizem, que um deles é um enorme irlandês,
e o outro, um minúsculo armênio. Mas, o que as lendas não dizem! Os dois homens
mais poderosos do mundo têm, é claro, a mesma profissão. Eles são os avaliadores. Essa palavra não figura em
nenhum dicionário com a definição especial que lhe é atribuída. Os
norte-americanos chamam-nos de e-men.
Os russos de svodka. Uma avaliação, em russo ou inglês, é a integração e a
exploração das informações em alto nível. Essas avaliações são feitas a cada
seis horas, tendo um único destinatário nos Estados Unidos: o presidente Nixon,
e um único destinatário na Rússia; Brejnev.
Nenhum comitê
de especialistas, nenhuma máquina, pode relacionar as informações que
recomendem uma ação decisiva sobre a vida e a morte dos habitantes do planeta.
Acima dos comitês e das máquinas há um cérebro, o do avaliador. Os avaliadores
erram, às vezes. São humanos. Mas, até agora, não cometeram nenhuma falta
grave, já que ainda não houve uma guerra nuclear. O posto de avaliador supremo,
de detentor do verdadeiro poder, acima do poder aparente de chefe de Estado,
existe na Rússia desde 1917. Foi criado por Lenin. Nos Estados Unidos sua
existência é mais recente, data de 1947. A observação sobre a identidade do
avaliador, russo ou norte-americano, reduz-se a hipóteses. Os especialistas
percebem alguma mudança no posto de avaliador pela observação de sutis
modificações no estilo político. Depois de 1947, três mudanças deste tipo
teriam ocorrido nos Estados Unidos e quatro na Rússia.
Os homens invisíveis
Um livro de
David Wise e Thomas B. Ross O Governo
Invisível (Ed. Civilização Brasileira) relacionou informações sobre a
estrutura do centro de avaliação norte-americano. Se contivesse informações
realmente fundamentais, provavelmente jamais teria sido editado. O livro,
porém, apresenta algumas verdades. McCone, o chefe dos serviços secretos
norte.-americanos tentou, primeiro, impedir a edição, depois apreendeu todos os
exemplares, e, por fim, ofereceu somas fabulosas, de até 1,2 milhão de dólares
pela retenção da obra. Apesar de tudo, o livro foi editado.
Segundo
McCone o livro contém, pelo menos, 120 fatos, que os serviços secretos
soviéticos jamais descobririam por si mesmos. Seus autores são jornalistas do New York Herald Tribune e do Chicago Sun Times. O livro revela a
existência de um governo invisível nos Estados Unidos. Este governo invisível,
o grupo 54/12, uma extensão ultra-secreta do Conselho de Segurança Nacional,
estaria acima do Departamento de Estado, dos estados-maiores e dos serviços
secretos.
É possível
que exista uma organização deste tipo, e que ela seja uma das fontes do
avaliador norte-americano. Inventar, porém, um governo invisível é ir longe
demais. Certamente caminhamos para uma criptocracia, mas ainda não chegamos lá.
É preciso
desconfiar das estruturas paranoicas que o espírito tende a criar. O mundo
certamente não é governado pelos judeus, pela maçonaria, pelo grupo 54/12 ou
por qualquer outra organização secreta. Os Estados Unidos e a Rússia são
governados pelos respectivos presidentes.
Mas os
chefes de Estado, tanto russo quanto norte-americano, decidem em função das
sínteses fornecidas a cada seis horas. Assim, os redatores dessas sínteses são
os verdadeiros detentores do poder. Apresentar os serviços de informação
norte-americanos como democráticos e os russos como totalitários é extremamente
ingênuo.
Uma equação com muitos parâmetros
O chefe de
um país, como os Estados Unidos e a Rússia, deve estar sempre a par do que se
relaciona com três problemas fundamentais:
1) Como está
seu próprio país? Quais as armas conhecidas e secretas? Quais seus possíveis
futuros aliados? Quais os atuais aliados? Quais os apoios de que dispõe seu
país?
2) Quais as
informações relativas às questões acima, que são conhecidas pelo adversário, e
quais são ignoradas com certeza?
3 ) O máximo
de informações sobre o adversário: idealmente, ele precisaria saber o que contém
o sumário do adversário. É claro que
as decisões dependem da interconexão dessas três ordens de preocupação. Temos,
como exemplo, o sumário destinado ao presidente dos Estados Unidos, em 1961,
com as seguintes informações: a) Forças contrarrevolucionárias cubanas,
equipadas com material norte-americano e compostas por oficiais
norte-americanos, estão prestes a desembarcar na baía dos Porcos, em Cuba.
b) Elementos
anticastritas em Cuba estão prontos para apoiá-las.
c) Os russos
ignoram isso. Conclusão do sumário: a operação é recomendada. O ponto
"c", porém, era falso. E o caso da baía dos Porcos foi um desastre. O
que precisa ser esclarecido é que o ponto "a" continha informações
fornecidas por norte-americanos na Rússia. Mas o que contou foi a síntese dos
três pontos. É preciso, então, discutir de um lado as fontes internas de
informação, que exigem um controle sério do avaliador. Isso não é fácil porque
os estados-maiores tendem a ser muito otimistas ou muito pessimistas. E de
outro lado temos as fontes de informação sobre os países adversários que
comumente operam por vias normais.
O coronel
Pawel Monat, espião polonês nos Estados Unidos, que mudou de campo, publicou no
livro Spy in the United States (Harpe
e Row, 1961), uma relação das fontes utilizadas para informações militares
sobre os Estados Unidos. "Os norte-americanos — diz ele — são
despreocupados e loquazes e contam pelos jornais mais do que seria bom para
eles".
Conta que
conseguiu obter num número da revista Aviation
Weekly o balanço anual do poderio aéreo, num livro com cerca de 372
páginas. Segundo ele "custaria meses de trabalho e milhares de dólares
para os nossos agentes obterem esses dados, que a revista ofereceu reunidos
numa bandeja de prata". Refere-se ainda à publicação Missiles and Rockets e, particularmente, ao que ele chama de órgãos da casa, o Exército, a Marinha e
a Aeronáutica, e os fuzileiros que se empenham numa batalha de troca de
informações.
Ele mostra o
valor dos esforços desenvolvidos pelos comunistas a fim de se informarem das
reuniões do Congresso sobre o orçamento da Defesa que ele classifica como uma
de suas melhores fontes. "Deve ser extremamente difícil, conclui Monat,
para os norte-americanos, defender a nação e suas liberdades quando os segredos
da defesa são diariamente expostos a todos os que sabem ler".
Existem
ainda as informações secretas que são obtidas por espiões que trabalham com
risco de vida em país estrangeiro. Eles existem, e são fuzilados quase
diariamente. Às vezes, esses acontecimentos ganham meia coluna ou duas linhas
num jornal.
O papel dos
avaliadores é fornecer uma síntese da situação, partindo de uma massa
atordoante de estatísticas, relatórios, fotografias, matemáticas e documentos.
É um trabalho prodigioso, do qual só o cérebro humano é capaz. Ele se
desenvolve no topo de uma pirâmide que vamos tentar descrever.
Imaginem um
acontecimento de alto nível: a explosão da primeira bomba atômica ou o
lançamento do Sputnik I. A pirâmide
estende-se no espaço e no tempo. Trata-se de prever o acontecimento antes que
ele se produza, de anunciar as consequências que sofremos se ele se produzir. A
somatória de informações relativas ao acontecimento resulta da combinação
desses três meios: espionagem, estudo de fontes normalmente disponíveis e
documentação confidencial.
Face oculta dos fatos
Teremos uma
ideia exata do que se passa no domínio da espionagem, multiplicando por dez
todos os elementos que povoam o romance: agentes secretos, papéis falsos, belas
espias, disfarces, tratados, agentes duplos etc. No ponto em que estamos é
difícil saber se é a vida que imita o romance de espionagem, ou o romance de
espionagem que imita a vida.
Somerset
Maughan, espião inglês na Rússia em 1917, em seu livro autobiográfico: Mr. Ashendern, Agente Secreto, já
colocava a questão, entre duas guerras. E a questão permanece.
A espionagem
existente, com todas as aventuras romanescas imagináveis, fornece cerca de
cinco por cento da informação necessária para prever ou modificar um importante
evento. Um espião, por melhor colocado que esteja, fornece fragmentos
importantes, porém pequenos, em relação ao que pode ser obtido por outros
meios. Um traidor, bem utilizado, pode fornecer alguns documentos, mas em geral
ele não sabe exatamente o que é necessário fornecer. Um agente secreto (reúnem-se
sob essa denominação tanto traidores quanto agentes secretos, o que é injusto)
pode, corajosamente, passar sob os muros de uma usina atômica, ou assistir ao
lançamento de um foguete. Mas arrisca-se à tortura e à morte para obter pouca
coisa.
A visão de
um muro de usina pode nada esclarecer sobre os aparelhos empregados para
separar isótopos. A partida de um foguete não ensina que o carburante usado é a
dimetil-hidrazina assimétrica.
A espionagem
é útil, mas está longe de ser indispensável e essencial.
A. Huxley,
em Contraponto, refere-se à distinção
que a Enciclopédia Britânica faz de
três categorias de inteligência: a inteligência humana, a animal e a militar.
É um jogo
espirituoso de palavras como o termo inglês intelligence,
que significa tanto informação quanto inteligência. No mesmo sentido,
empregamos intelligence ouverte
(inteligência aberta como oposto da inteligência secreta) para denominar a
informação obtida por meios diferentes da espionagem.
O termo
inteligência aberta é apropriado, qualquer que seja o sentido que dermos à
palavra inteligência. Podemos chegar a uma ideia bem precisa das armas secretas
em fabricação, do seu avanço, e de sua utilização tática e estratégica,
examinando com inteligência aberta a imprensa de um país, sua literatura,
relatos de visitantes, importações e exportações etc.
A
inteligência aberta utiliza ainda o registro de radiações atômicas do
adversário. Ela utiliza a descodificação das mensagens emitidas ou recebidas pelo
adversário em todos os meios de comunicação. As máquinas eletrônicas são
extremamente úteis e decifram quase todas as mensagens. A inteligência aberta
examina com cuidado a literatura de ficção científica de um país: a bomba atômica
e o raio laser — para citar uma arma do passado e uma do futuro — apareceram
primeiro na ficção científica.
Está tudo nos livros
A
inteligência aberta é um processo de apreensão das estruturas que estão por
trás dos fatos. Para a opinião pública, a aventura do capitão Carlsen e o
salvamento de seu barco foi apenas mais um fato sensacional. Mas, para os
especialistas da inteligência significou que o submarino atômico americano
estava para ser lançado ao mar, pois sabiam que Carlsen transportava minério de
sirconium, metal indispensável à construção de submarinos atômicos.
Nada
significou para o leitor comum a nota saída no jornal francês Le Monde: "O sr, Smith, da
sociedade Space Dynamics, atenderá no Hotel Claridge, engenheiros e físicos
especializados em bombeação ótica desejosos de trabalhar nos Estados
Unidos". Para o especialista esta nota indica que os norte-americanos
estavam a ponto de construir o raio da
morte.
A parte mais
importante da informação é a pirâmide da inteligência aberta. A partir de
informações aparentemente insignificantes, saídas no Jornal Industrial e Econômico soviético, os norte-americanos
suspeitaram da existência da base soviética de Baikanour, na Ásia Central.
Os
norte-americanos instalaram na Turquia radares capazes de captar os sinais
elétricos que os foguetes emitem no momento do lançamento. Os gases
transformam-se em eletricidade no instante da partida, por causa da temperatura
elevada. Os russos, por sua vez, descobriram as estações de radar comum e
observaram aviões sobrevoando o território turco, e, assim, ficaram sabendo o que os norte-americanos sabiam.
Quando os
primeiros satélites foram lançados, o físico francês Charles-Noel Martin
calculou as coordenadas de Baikanour e publicou-as em seu livro. Os Satélites Artificiais. Essa obra encontra-se
em todas as livrarias, mas os russos recusam-se a dizer onde fica Baikanour.
Com um senso patético do segredo, eles se recusam a dar a posição de sua base
de lançamento.
Os
norte-americanos conhecem a obra de Martin? Ou se obstinam em enviar corajosos
agentes secretos, disfarçados em camelos, para obterem a posição exata da base,
que os radares localizam, de modo aproximado? Sabemos que norte-americanos e
russos assinam milhares de publicações. Leem e resumem tudo. Essa é a
verdadeira informação.
Por que
fazemos referência apenas aos Estados Unidos e Rússia? Porque eles são as duas
únicas forças verdadeiras. Eles detêm os meios de destruição da Terra. Os
outros possuem quantidades negligenciáveis, como a Europa ou a China. As
informações de alto nível interessam sobretudo a esses dois blocos: a América e
a OTAN, a Rússia e os aliados do Pacto de Varsóvia. Os outros países limitam-se
a espionagem miúda. Evidentemente, se jovens Repúblicas africanas se fragmentam
em diversas tribos e iniciam uma guerra local, é útil saber quantos fuzis
dispõe cada adversário.
É
necessário, então, ter agentes entre os feiticeiros locais.
Se a
Inglaterra tem aborrecimentos com algum sultanato do mar Vermelho ou de outro
local, o Serviço de Inteligência precisa saber de quantas metrabalhadoras,
modelo 1914, dispõe o sultão. É útil como agente uma jovem médica trabalhando
no harém do sultão. Mas, se essas querelas fornecem material para os escritores
de romances de espionagem, elas não ilustram o verdadeiro problema da informação
moderna.
A guerra
secreta moderna consiste em saber o que faz um adversário vigilante nos Estados
Unidos ou na Rússia. Isso é uma tarefa fácil para a inteligência aberta. As
informações devem relatar também o que os adversários sabem, e essa tarefa é
mais delicada. É de alçada da contraespionagem, um jogo de lances extremamente
sutis e não de caça aos espiões.
A contraespionagem
A melhor
maneira de saber o que o adversário conhece é descobrindo o que ele deseja
saber. Para isso, é necessário ver os questionários enviados aos agentes
inimigos. A tarefa não é fácil. É preciso descobrir o espião e mantê-lo sob
controle, a fim de descobrir os meios que utiliza para encaminhar a
correspondência e receber instruções. Por motivos políticos a prisão de espiões
é considerada um acidente deplorável, que os serviços de contra-inteligência
procuram evitar ao máximo. Depois da descoberta e manipulação do espião ou agente secreto começa a segunda fase.
Nessa fase
são fornecidas informações falsas aos espiões. Essa técnica alcançou
refinamentos extraordinários. O adversário já chegou a receber cadáveres de
pessoas que jamais existiram, e portadores de documentos relatando operações
que jamais seriam realizadas. Esse procedimento foi usado pelos ingleses contra
o Eixo, pouco antes do desembarque na Sicília, durante a última guerra.
Inclusive,
fizeram sobrevoar em território inimigo aparelhos aparentemente eletrônicos e
nucleares, mas que na realidade não correspondiam a nada, e foram criados por
escritores de ficção científica, antes que os conhecimentos científicos
empregados nessa direção chegassem a um resultado concreto.
A
intoxicação, isto é, o fornecimento de informações falsas ao inimigo, é uma
arma sutil, praticada de vez em quando. Calculamos que de 25 informações
passadas aos SS alemães, estacionados na Inglaterra na Segunda Guerra, apenas
uma era verdadeira. As informações falsas serviam para camuflar as verdadeiras
sobre o desembarque da Normandia, recebidas pelos alemães. Essas vinham no meio
de uma massa de outras informações sobre desembarques na Noruega, no Báltico,
na Espanha, no Mediterrâneo, nos Bálcãs etc.
Acredita-se
que as informações exatas provenientes da Rússia são, agora, proporcionalmente
bem menores. A terceira fase da contraespionagem, mais complexa que a
intoxicação, chama-se reconversão.
Trata-se de
persuadir um espião ou agente inimigo a mudar de campo. Isso pode e tem sido
feito. É um trabalho extremamente perigoso. É preciso uma coragem incomum para
encontrar um oficial soviético importante, e persuadi-lo a ir para os Estados
Unidos. São enormes as chances de prisão e fuzilamento imediato.
Uma operação
deste tipo foi realizada com sucesso pelos norte-americanos. O desertor
denunciou, entre outros, o coronel sueco Wemerstrom, chefe da rede soviética de
espionagem nos países da OTAN, e Pâques, espião da OTAN. O agente
norte-americano, que teve a audácia de abordar em Moscou o oficial soviético,
convencê-lo a escoltá-lo até os Estados Unidos, mostrou uma coragem e energia
apreciáveis.
Provavelmente,
não obteremos detalhes maiores sobre essa operação, mas no livro de Pierre
Nord, Mes Carades Sont Morts, há o
relato de outra missão análoga. "As batalhas de espionagem são grandes
batalhas do espírito" diz ele. O termo ofício de cavalheiros, inventado pelos
alemães, aplica-se perfeitamente a aventuras deste porte.
Uma batalha do espírito
A grande
esperança de todo serviço de contraespionagem é levar para o lado dele, não um
agente ou um oficial, mas um exército inteiro. Afastai a França da órbita
soviética, trazer a Hungria para o bloco ocidental, ganhar Fidel Castro,
fragmentar a China em diversos países mutuamente hostis são empresas que
aparentemente se encontram no domínio do possível.
A aplicação
de técnicas matemáticas à guerra psicológica e, principalmente, os excelentes
trabalhos de Von Neumann sobre estratégia generalizada e teoria dos jogos,
introduziram uma possibilidade teórica futura de uma campanha de reconversão a
longo prazo. Essa operação permitiria a paralisação do inimigo e o deslocamento
de importantes peças no tabuleiro de xadrez.
Futuramente,
um grupo humano será equacionado e, com a ajuda de enormes calculadoras, será
definida uma estratégia que permitirá o deslocamento do grupo e modificações
nas linhas de força que determinam o processo evolutivo. John Buchan predisse
tudo isso, já há algum tempo, em Central
de Energia, Os Três Reféns e Campo de
Manhã. As predições do escritor inglês que foi o primeiro ministro de
Propaganda da história (durante a Primeira Guerra Mundial), realizam-se
atualmente. Ele escreveu: "O verdadeiro poder não é a manipulação de
energias nem o controle de grandes massas de matéria inanimada. O verdadeiro
poder é o do espírito sobre o espírito". A guerra psicológica é a grande
esperança da China. Ela não superará jamais a defasagem material dos russos e
norte-americanos em relação aos chineses, mas ganhará os espíritos e reunirá em
torno de si todos os descontentes do mundo. A guerra psicológica obtém na
África algum resultado. Mas ela é frágil, muito mais frágil do que parece. O
terreno principal da guerra psicológica não é a África, mas a índia. A América,
a Rússia, a Inglaterra e a China entregam-se a uma guerra invisível e onde
utilizam os métodos mais modernos. A jogada vale a pena: o subcontinente
indiano organizado pode tornar-se uma grande força.
A luta
psicológica pela índia, provavelmente, será o grande combate do terceiro milênio.
Não é possível prever quem ganhará, mas, certamente, será aquele que combinar
adequadamente o máximo de certezas teóricas com o máximo de ousadia prática.
A tentação da ação
Quando se
joga o complexo jogo da informação, da intoxicação e da guerra psicológica, a
tentação de intervir é bem grande. Se uma central atômica pudesse ser sabotada,
se um acidente acontecesse a um protótipo, se um personagem desaparecesse, tudo
sairia a contento.
Todos os
governos negam enfaticamente a existência de um serviço de ação acusado de
sabotagem e assassinato. Oficialmente, todos estes serviços foram desenvolvidos
no fim da guerra. Portanto, precisamos acreditar em coincidências quando o
general Nedeline, chefe do serviço de foguetes russo, morre num acidente de
avião; quando o submarino atômico norte-americano, Tresher, desaparece sem
deixar traços, ou quando Bella Lapunnyik, chefe da polícia secreta húngara,
atravessa clandestinamente a fronteira de seu país para entrar em contato com o
serviço norte-americano em Viena, e morre envenenado antes de falar.
Allen
Dulles, que não costumava romancear, escreveu: "O funcionário da polícia
secreta húngara, Bella Lapunnyik, escapou audaciosamente cruzando a fronteira
austro-húngara, em maio de 1962, chegando são e salvo para morrer envenenado,
provavelmente por agentes russos ou húngaros, antes de ter podido contar seus
segredos às autoridadês ocidentais".
Vamos ser
sinceros: vivemos numa época em que o assassinato, o atentado e a sabotagem são
meios políticos perfeitamente caracterizados. Foi na realidade e não num
romance de espionagem, que o presidente dos Estados Unidos foi assassinado e
seu assassino eliminado antes de ter podido falar.
A sabotagem
e o assassinato existem, acreditemos ou não. Os serviços de ação também, apesar
de sua existência ser oficialmente negada. Não é preciso exagerar nem
subestimar a influência destes serviços. Há mais revelações sobre espionagem,
do que sobre sabotagem, e, provavelmente, jamais saberemos por que o Tresher
desapareceu, ou por que o U-2, do
aviador-espião Power, foi sabotado com uma bomba de efeito retardado, quando
decolava do Ira. Poucos especialistas oficiais da informação admitem ser
encontrados os sabotadores. Um dos chefes da espionagem norte-americana, porém,
Ladislas Farago, admitiu ter conhecido bastante o alemão Ernst Wollweber, chefe
do serviço de sabotagem soviético durante a Segunda Guerra. Segundo Farago,
Wollweber, cuja rede de espionagem se estendia por toda a Europa, é atualmente
chefe da polícia secreta da República Democrata alemã.
A sabotagem
é uma tentação constante para as organizações políticas que se ocupam da
informação. É sempre uma solução simples para um problema difícil. Entre as
operações clássicas de sabotagem estão a famosa batalha da água-pesada, em que
foram destruídos os estoques que permitiriam à Alemanha construir a bomba atômica
e as múltiplas sabotagens em Budapest, a 20 de abril de 1952, por ocasião da
chegada do marechal Vorochilov. Um grande número de usinas e de instalações
militares soviéticas incendiaram-se, ao mesmo tempo em que os condutores de
água estavam inutilizados. Os danos materiais e morais foram enormes e os
sabotadores nunca foram presos. Um dia, talvez, alguém conte a verdadeira
história desta série de atentados conhecidos como Operação Tocha. Por enquanto, jamais saberemos se o misterioso
organizador, Baltin Boda, é um pseudônimo, ou um personagem imaginário,
inventado para simbolizar a resistência húngara.
O poder acima do poder
Uma
organização que assassina quem for preciso, que impõe suas decisões ao próprio
chefe de Estado, não é mais perigosa para seu próprio país do que para o
inimigo? Os técnicos de propaganda da intoxicação gostariam de criar governos
invisíveis mais poderosos do que os reais? Os serviços secretos desejariam
substituir o governo eleito? Essas questões não são absurdas em princípio. É
preciso considerar o problema sem cair no romance, no delírio de perseguição ou
na monotonia.
Allen Dulles
escreveu que: "De tempos em tempos vozes se elevam, acusadoras, avisando
que um serviço de informação ou segurança pode transformar-se numa ameaça às
nossas próprias liberdades, que o segredo em que operam é vagamente sinistro, e
que suas atividades podem estar em contradição com seus fundos secretos"
Mais adiante ele diz: "Mostrei que na Rússia branca assim como na
soviética, na Alemanha de Hitler, no Japão dos senhores da guerra e em outros
países, os serviços de segurança com funções de informação foram usados para
ajudar um tirano, ou uma sociedade totalitária a suprimir a liberdade interna e
executar operações terroristas no exterior. Aconteceram muitos casos — os mais
espalhafatosos na América Latina — em que os ditadores transformaram os
serviços de informação em autêntica Gestapo particular, para garantir o seu
domínio".
Atualmente a
CIA, e sua equivalente soviética, a KGB, possuem meios de ação perigosos. Mas
os organismos superiores são dirigidos diretamente pelos avaliadores, são estados
dentro do Estado: possuem créditos ilimitados, sedes espalhadas no mundo
inteiro, possibilidade de ações terroristas & assim por diante.
Mas não está
longe o dia em que os detentores do poder real desejarão deter o poder
político. Muitos já se preocupam com isso. O jornal New York Herald Tribune publicou na primeira página, 20 de julho de
1964, um artigo intitulado: "A vitória de Goldwater é devida às
informações recebidas dos serviços de inteligência?"
O texto
dizia que o grupo de coordenação geral, DIA (Defense Intelligence Agency), organismo militar ligado diretamente
ao avaliador-chefe, fornecia secretamente, ao senador Goldwater, informações
que lhe facilitaram uma estratégia a longo prazo, superior à de seus
adversários.
Um dos
antigos diretores desse organismo, o general William Quinn, era, segundo o Herald Tribune, um amigo chegado do
senador. O jornal recordava, no mesmo artigo, que o senador havia recusado a
oferta do presidente de receber os boletins avaliativos porque os considerava
parciais e incompletos e possuía melhores fontes de informação.
A
possibilidade de um grande país vir a ser governado pelos serviços secretos, e
o governo legal ser transformado em fantoche, não pode ser excluída. Dizem que
é isso que está acontecendo, ou vai acontecer na Rússia.
Allen Dulles
escreve: "O observador ocidental pergunta-se, frequentemente, se as lutas
internas pelo poder, que grassassem na hierarquia da União Soviética, afetariam
a situação e o poder da KGB, enquanto organismo mais privilegiado do Estado
soviético. Não esperamos que, simplesmente, seus chefes sejam afastados, como
foram seus antigos dirigentes, Yezhov, Yoagoda e Béria, mas que a organização
inteira, com as fileiras ligadas aos elementos perigosos ao Estado, possa ser
expurgada. Seu principal rival, pela força, é o Exército, que na história
soviética tem interferido periodicamente, minimizando o papel do ditador em
benefício do órgão civil de segurança, instrumento pessoal do ditador, que
poderia ser usado para espionar o Exército".
Na realidade
existe na Rússia um terceiro poder além do Exército e da KGB, são os
cientistas, que constituem uma classe no sentido marxista. São numerosos,
fortemente organizados e apoiam-se mutuamente. Tendo sentido o sabor do segredo
na Rússia, não podemos excluir a possibilidade do nascimento de uma
criptocracia, de um governo invisível controlando a Rússia. Mas, o país que
parece estar melhor preparado para uma tomada do poder oculto, pelos serviços
secretos, é a Alemanha Ocidental. Os serviços secretos, de avaliação e de ação,
aí são privados e financiados pela grande indústria (como eram os de Hitler no
começo).
A
substituição insidiosa de um governo mais ou menos legal por uma criptocracia,
suscitada por influência dos serviços secretos, é perigosa. Entretanto, fala-se
de quando em quando de uma possibilidade mais extraordinária ainda.
E se os dois
grandes avaliadores, o norte-americano e o russo, concordassem entre si? Se os
conhecimentos de que dispõem mostrassem que um acordo secreto entre ambos levaria
à dominação da raça branca, da qual fazem parte, e da civilização ocidental, da
qual são manifestações pouco discordantes? E se um entendimento de cúpula,
entre os Estados Unidos e a União Soviética, resultasse num governo mundial
secreto, colocando em comum 50% dos armamentos e 95% dos laboratórios
interplanetários existentes no mundo? Essa eventualidade precisa ser
considerada.
Kruschev,
tempos atrás, mostrava a industriais norte-americanos, em visita a Moscou,
fotos de cidades atômicas norte-americanas, e lhes dizia: "As suas fotos
também devem ser excelentes. Deveríamos unir nossos serviços
secretos. Aliás, têm quase os mesmos agentes. Seria um começo para futuramente
colocarmos nossas armas em comum". Essa conversa foi amplamente divulgada
pela imprensa como uma anedota divertida. Mas não é segredo que os sábios
russos e norte-americanos concordaram em partilhar segredos do mais alto nível,
e desenvolver pesquisas em comum. Seus encontros são feitos em Pugwash (EUA),
de onde saiu, particularmente, um projeto de uma cidade científica internacional
em Berlim. Depois de tudo o que se sabe, parece que além e acima do telefone
vermelho, existe uma rádio clandestina ligando os serviços de avaliação e de
decisão dos dois grandes países e possibilitando conversações que no futuro poderão
levar a uma ação comum.
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Fonte:
Planeta, nº 11. Editora Três. São Paulo, julho de 1973, págs. 21-34.
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