Os antibióticos podem matar
Centenas de pessoas já morreram nos Estados
Unidos e Inglaterra, segundo denúncia do Science Digest, por causa do abuso com
antibióticos. O problema não é diferente no Brasil, onde se receita antibiótico
por qualquer razão, até mesmo para uma simples gripe. São medicamentos
poderosos e úteis, mas desde que tomados sob controle, inclusive verificando-se
as pessoas não são alérgicas a ele.
Uma menina
de doze anos de idade, com uma leve infecção na garganta e no nariz — em outras
palavras, com gripe — foi levada ao médico. Este não procurou saber a causa da
moléstia (se era produzida por bactérias ou por vírus) e receitou "'simplesmente
um antibiótico à base de cloranfenicol (alguns nomes comerciais: Quemicetina,
Cloromicetina, Formicetina). O estado de saúde da menina piorou. Apresentou os
sintomas de uma anemia aplástica, estado em que a medula dos ossos é destruída
e substituída por um tecido adiposo. As células sanguíneas diminuem em número
no sangue, em alguns casos imediatamente, em outros após semanas ou meses. Os
pacientes apresentam sintomas graves de anemia — a pele do rosto torna-se
branca como cera — além de infecções graves. Esta anemia mortal pode ser
provocada por raios X ou por alguns medicamentos... sendo que um deles é o
cloranfenicol. A maioria dos pacientes sucumbe, a despeito de transfusões de
sangue repetidas, de esteroides e de outras medidas. Alguns conseguem escapar,
mas este não foi o caso da menina de doze anos que procurou o médico com um
simples sintoma de gripe. Há também o caso do rapaz de 25 anos que sofria de
uma infecção na garganta. O médico receitou cloranfenicol durante nove dias. Em
dois meses o rapaz apresentou anemia aplástica, vindo a morrer quatro meses
depois.
Um homem de
49 anos, medicado com cloranfenicol para tratamento de uma infecção leve no
ouvido, apresentou os sintomas da anemia aplástica dois meses depois. Centenas
de pessoas morreram em consequência do cloranfenicol — e um dos fatos mais
surpreendentes a respeito deste produto é que ele continua sendo um dos dez
medicamentos mais receitados pelos médicos, apesar das advertências publicadas
nas revistas de medicina e nos jornais do mundo inteiro desde 1949. Há mais de
25 anos atrás! Os médicos conscientes chegaram à conclusão que o cloranfenicol
só deve ser receitado quando existe absoluta indicação — e só deve ser aplicado
por especialistas altamente experientes, como a nova classe de médicos
especializados em doenças infecciosas. Estes médicos só aplicam o cloranfenicol
em pacientes hospitalizados. O abuso, frequentemente prejudicial, de um
medicamento pela classe médica não seria tão alarmante (deixando de lado as
centenas de mortes), se não fosse pelo fato de que todos os antibióticos —
enquanto grupo — são receitados abusivamente, a tal ponto que o público precisa
conhecer o terreno perigoso em que está pisando, já que os próprios médicos o
ignoram.
Faca de dois gumes
Enquanto o
cloranfenicol, numa população como a dos Estados Unidos, deveria ser receitado
apenas para umas 200 mil pessoas por ano, ele foi prescrito para quase 4 milhões
de pacientes, e este antibiótico é apenas um dentre dezenas de outros! Isto
porque todos os remédios milagrosos — como são os antibióticos (produtos como a
penicilina, obtidos a partir de fungos, de bactérias ou de outros organismos
que atacam mesmo assim os micróbios) e antimicrobianos (produtos de qualquer
origem que possuem o mesmo efeito, como os medicamentos à base de sulfa) — são
facas de dois gumes. Tanto podem curar quanto matar o paciente. Assim, para
você se proteger, convém conhecer alguns fatos... A história dos antibióticos
só se diferencia em função do poder e do perigo de cada um... Há algumas
semanas atrás um grupo de médicos, liderados pelo dr. Leighton E. Cluff,
diretor do Departamento de Medicina da Universidade da Flórida, relatou no Journal of the American Medicai Association o
caso de uma mulher de 47 anos que recebeu uma aplicação de penicilina como
tratamento de uma infecção na garganta. Três dias depois a pele do rosto
começou a descascar. A mulher apresentou dificuldade em urinar e seu corpo
ficou coberto de urticária. Apesar de ter sido empregado o rim artificial, a
paciente veio a falecer. A injeçâo de penicilina que os médicos receitam com
tanta facilidade não é segura nem até mesmo eficiente. Segundo dados fornecidos
pelos drs. Benjamin Kagan e Shirley Fannin, da Faculdade de Medicina da
Universidade da Califórnia, cerca de 20 a 50 toneladas de penicilina são
vendidas anualmente nos Estados Unidos. Os dois médicos calculam que uma pessoa
em quatro toma penicilina uma vez por ano, e que 90% da medicação é
desperdiçada.
A história
dos antibióticos está repleta de abusos deste gênero numa série imensa de
combinações. Senadores norte-americanos foram informados por uma junta médica
que cerca de "99% das pessoas tratadas com cloranfenicol receberam este
produto sem uma finalidade específica".
Atenção às reações alérgicas
A razão
deste consumo exagerado tornou-se evidente quando as pesquisas de mercado
mostraram que dois terços dos antibióticos, receitados pelos médicos, destinam-se
ao tratamento da gripe. Ora, a gripe comum e a maior parte das afecções da
garganta são devidas a vírus imunes aos atuais antibióticos! Além disso, os
antibióticos não servem para o tratamento preventivo das infecções bacterianas
(como é o caso das infecções nasais). Por último, como foi provado por uma
pesquisa recente, dois terços dos pacientes hospitalizados, e que recebiam
antibióticos, não apresentavam nenhum sintoma de infecção. Mesmo assim, cerca
de um terço de todos os doentes hospitalizados (40% segundo outra pesquisa)
recebe estes medicamentos. (O cloranfenicol ocupa uma posição mediana com
respeito à frequência do seu uso.)
Há ainda um
outro problema que aumenta de importância dia a dia: é o das reações negativas
ou alérgicas a estes produtos (como são as urticárias produzidas pelo uso da
penicilina ou as perturbações do estômago e intestino). Este fato atingiu um
ponto em que os médicos admitem geralmente que mais de l milhão de pessoas são
hospitalizadas anualmente em consequência das reações provocadas por
antibióticos. Os drs. Milton Silverman e Philip R. Lee, no livro recente Pills, Projits and Politics (Comprimidos, Lucros e Política),
calculam que umas 13 mil pessoas morrem anualmente em consequência de reações
negativas.
Resistência aos antibióticos
Juntamente
com o problema das reações alérgicas, há o caso do aparecimento de germes
resistentes aos antibióticos, e que não são mais destruídos como antes por
estes produtos. O fato é que, devido ao emprego abusivo e desnecessário, somente
os germes mais resistentes sobrevivem. Como comentou o dr. Henry E. Simmons,
diretor do setor de medicamentos da Food
and Drug Administration: "A possibilidade de um número crescente
destes casos é um motivo real dê preocupação, tanto mais que já temos
dificuldade atualmente com os organismos resistentes, como é o caso dos germes
Gram-negativos (que causam 100 mil mortos por ano), dos micróbios do tifo, dos
gonococos e dos estafilococos..." Em resumo, se a situação piorar, vamos
enfrentar os mesmos problemas da época anterior à descoberta dos antibióticos,
quando os médicos assistiam os pacientes morrer sem poder fazer nada.
Uma
advertência foi feita recentemente por um grupo de médicos de Washington,
liderados pelo dr. Sydney Ross. O caso diz respeito à resistência dos
estafilococos à penicilina comum (Penicilina G) em doentes hospitalizados,
enquanto as infecções menos graves, tratadas nos consultórios médicos, ainda
são controladas pela penicilina. A resistência nos doentes hospitalizados era da
ordem de 95%, enquanto nos doentes não hospitalizados era da ordem de 84%. Isto
ocorreu nos últimos dezoito anos, porque em 1957 a resistência era de apenas
16%, em 1967 de 36% e agora...
Terapêutica racional
O mesmo
grupo chegou à conclusão que estes germes são muito difundidos. A metade das
crianças pesquisadas nas escolas primárias apresentava estes germes nos seus
aparelhos respiratórios. Ainda uma vez, ouvimos a mesma advertência quando este
grupo de médicos sugere que o aumento da resistência "parece corresponder
ao uso intensivo e indiscriminado dos antibióticos fora dos hospitais..."
O que se
torna necessário atualmente é a terapêutica racional, como foi sugerida pelo
dr. Charles C. Edwards, secretário norte-americano da Saúde: "O
medicamento certo para o paciente certo na dose certa e na ocasião
oportuna". O dr. Edwards adverte que quando um medicamento é relativamente
seguro, há o perigo de recomendá-lo em qualquer situação. "Foi esta
atitude que levou o cloranfenicol a ser receitado em casos comuns de gripe...
Os médicos e os pacientes devem compreender que todo medicamento apresenta
certos riscos..." Por sua vez, os drs. Silverman e Lee chamam a atenção
para o papel do paciente e para a atitude errada que ele costuma assumir neste
assunto. Segundo pesquisa do dr. Cluff, cerca de um quarto à metade dos
pacientes não seguem adequadamente as prescrições médicas. Um terço dos
pacientes comete certos erros que põem seriamente em risco sua saúde. Mais da
metade dos doentes que tomam antibióticos, e que são aconselhados a continuar o
tratamento durante dez dias, interrompem o tratamento no terceiro dia, três
quartos no sexto dia, e 82% no nono dia.
O dr. Philip
R. Lee mostrou que "entre 54 pacientes tratados com cefalexin — um dos
antibióticos mais recentes e mais caros, custando para o hospital cerca de 12
dólares por aplicação — o tratamento era irracional em pelo menos cinquenta
pacientes, ou quase 93% dos casos. Nos cinquenta casos tratados
inadequadamente, seria preferível prescrever um produto mais seguro e
eficiente, sem falar dos pacientes que não necessitavam de nenhum
antibiótico".
Começa a haver controle
A situação
contudo não é inteiramente negra. Alguns hospitais estão começando a tomar
providências. Muitas casas de saúde em Madison, no Wisconsin, passaram a
controlar o uso dos antibióticos: quem receitou e por que motivo. O abuso do
cefalexin (cujo custo para o hospital é equivalente ao de todos os outros
antibióticos reunidos) foi reduzido. E não houve um aumento correspondente no emprego
dos outros antibióticos, o que prova que o cefalexina não era realmente
indispensável na maior parte dos casos.
Outros
hospitais tomaram igualmente certas medidas. Uma junta médica avalia o custo do
antibiótico, determina os critérios de eficiência do produto e as reações do
paciente, de maneira a evitar o aumento da resistência dos germes patogênicos.
Os medicamentos mais fortes são reservados para os casos de emergência. Fora
isso, alguns tratamentos com antibióticos estão sendo interrompidos.
O dr.
Charles Samet, presidente da junta médica, fez o seguinte comentário:
"Mudamos a orientação que procurava uma substância mais nova, mais forte,
e passamos a dar uma ênfase maior ao diagnóstico exato..." Com esta
precaução, os pacientes não serão mais sujeitos aos antibióticos com todos os
riscos afins quando a infecção for produzida por vírus que não são afetados por
estas substâncias. Além disto, os pacientes hospitalizados e os serviços de
assistência médica profissional vão se beneficiar com uma redução nos custos do
tratamento. De fato, este programa de controle cortou as despesas com
antibióticos em 20% — sem falar que os pacientes estão recebendo atenção maior
por parte dos médicos. "O sistema despertou grande interesse no setor
hospitalar, comentou o dr. Joseph V. Terenzio, vice-presidente executivo do
Fundo Hospitalar de Nova York, bem como nos setores governamentais, uma vez que
35% das despesas dos hospitais são com antibióticos... Se todos os hospitais
fizessem o mesmo, haveria uma redução de 117 milhões de dólares!"
Acreditamos
que os médicos que adotaram este sistema nos hospitais vão introduzir o mesmo
costume nos seus consultórios! Basta lembrar o que disse o dr. Harry Dowling: o
indivíduo comum só apresenta, em média, uma doença que necessita o emprego de
antibióticos cada cinco ou dez anos. Insistimos ainda uma vez: os antibióticos
são inúteis para as gripes e infecções da garganta. Agora, antes de tomar
qualquer antibiótico, pense bem em tudo que foi dito (1975).
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Fonte:
Ciência & Vida, nº 2. Editora Três. São Paulo, junho de 1975, págs. 36-41.
Fonte:
Ciência & Vida, nº 2. Editora Três. São Paulo, junho de 1975, págs. 36-41.
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