Nota do Blog:
O teor do texto reflete parte do pensamento científico de quando o livro foi escrito, lá nos idos anos de 1950.
O teor do texto reflete parte do pensamento científico de quando o livro foi escrito, lá nos idos anos de 1950.
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O futuro dos homens
É possível,
baseando-nos no que nos ensinou a história do desenvolvimento da Humanidade,
prognosticar — sem querer fazer de profeta... — qual será o futuro dos homens?
Podemos contar que esta evolução, que conduziu o Homem à sua forma atual,
prosseguirá e poderemos ter esperança numa Humanidade superior mais inteligente
e mais perfeita ?
No ponto de
vista físico não parece que desde o início do Holoceno se tenham produzido
mudanças sensíveis. Quando muito poder-se-ia notar uma tendência maior para a
redução da dentição pela falta de crescimento do terceiro molar (dente do siso)
e, como certas observações antropológicas parecem demonstrar, a braquicefalização
contemporânea cada vez mais generalizada da raça branca, assim como o aumento
da média de estatura. Mas estas
observações são ainda demasiado recentes e dizem tão-somente respeito a um
número demasiado restrito de indivíduos para poderem ser generalizadas.
No ponto de
vista intelectual e moral muitos bons espíritos puseram a sua esperança no progresso
contínuo da Humanidade e numa constante melhoria que a conduziriam para uma
civilização superior, obra de super-homens, tais como o sonhavam os filósofos e
os poetas: super-homens cuja inteligência seria bastante vasta e bastante
penetrante para poder apreender de conjunto — como o escrevia Henri Poincaré —
a solução de um problema ao mesmo tempo que poria os dados; super-homens desprovidos de
todos os velhos
instintos de barbárie primitiva e vivendo tão só no
altruísmo e na paz, na procura das alegrias do espírito, e no amor e no
respeito da beleza...
Sem se ver
nisto excessivo pessimismo é, contudo, difícil acreditar nesta melhoria
progressiva e constante da Humanidade, porque nada do que sabemos do mecanismo
geral da evolução permite confirmar semelhante maneira de ver.
O Homem representa
a extremidade de um ramo orogenético especializado no sentido de um
desenvolvimento cerebral progressivo em relação com a redução de todos os seus outros
meios físicos: o Homem atual é, como já o sublinhamos, de todos os grandes
animais o menos armado e, muscularmente, o menos poderoso. Vimos que o seu
desenvolvimento se fez por estádios sucessivos correspondendo cada um a um tipo
definido física e psiquicamente. O Homo sapiens
possuiu, em conjunto, desde o seu aparecimento, as características essenciais e
estas não sofreram desde então qualquer modificação fundamental.
Isso provém
de que as capacidades intelectuais estão em relação com o número de neurones da
substância cinzenta do cérebro e com a complexidade ou finura das suas conexões
Diríamos, para ousarmos arriscar uma grosseira comparação, que o cérebro
humano, com os seus milhões de elementos histológicos, é, de certo modo,
análogo a esses quadros de televisão formados por um grande número de células fotoelétricas
e cujas imagens que reproduzem são tanto mais nítidas e mais perfeitas quanto maior
é o número de células. Assim, cada indivíduo trás por nascimento, pela sua
estrutura cerebral, uma reserva de possibilidades a que está fatalmente
limitado: a desigualdade psíquica dos indivíduos é congênita como a sua
desigualdade física. Pode-se pensar que o mesmo se dá na história da evolução
do cérebro humano: cada uma das fases do seu desenvolvimento, desde os
Australopitecídeos até ao Homo sapiens, corresponde a uma determinada
constituição histológica e, com o tempo, a um estádio progressivo do
conhecimento do mundo exterior e do acordar da consciência.
Para que
nascesse o nosso super-homem seria preciso que aparecesse na linguagem humana
um novo tipo — uma nova mutação — de cérebro mais volumoso e, sobretudo, mais
complexo, mas cujos meios físicos seriam provavelmente mais reduzidos, ainda.
Não se apercebe bem a possível viabilidade de um tal tipo.
Por outro
lado, é preciso não esquecer que o Homem, como o resto da Natureza, está
submetido a uma grande lei biológica que é a "lei do equilíbrio" e na
qual está, talvez, uma grande parte do segredo da evolução: a Natureza constitui,
em cada momento da sua história, um conjunto harmonioso onde todas as partes
coexistem num estado de mútuo equilíbrio. Quando, por uma causa qualquer, este
equilíbrio venha a ser rompido, produz, fatalmente, depois de um período mais
ou menos longo de profunda perturbação, um reajustamento geral, ordinariamente
fatal à causa perturbadora; conhecemos múltiplos exemplos zoológicos ou
botânicos de tais fenômenos a respeito dos quais não é de modo algum necessário
insistir.
Ora, o homem
atual desde há pouco tempo que perturbou profundamente o equilíbrio biológico
do planeta e talvez estejamos assistindo ao início das consequências que daí
resultam. Destruiu a maior parte das grandes espécies animais e transformou
completamente a distribuição das outras, assim como dos vegetais;
multiplicou-se a uma cadência acelerada e, tendo esgotado progressivamente os
recursos naturais que lhe são indispensáveis, toda a sua vida material e social
se encontra cada vez mais ligada à posse ou à conquista daqueles recursos de
que há risco lhe venham a faltar e de que se tornou escravo. Fato mais grave,
pelas suas descobertas biológicas, permitindo a sobrevivência e reprodução de
múltiplos indivíduos tarados ou de qualquer modo deficientes, perturbou profundamente
o jogo da seleção natural. Em contrapartida, viu reduzir-se o seu potencial de
variabilidade pelo progressivo desaparecimento de todas as "pequenas raças"
em benefício somente de alguns grandes grupos étnicos.
Finalmente,
uma grande lei paleontológica ensina-nos, também, que o excesso de
especialização — no caso presente do Homem, a especialização cerebral — depois
de ter favorecido o desenvolvimento de uma espécie e a sua distribuição, traz,
finalmente, o seu definitivo desaparecimento.
Parece-nos
difícil que a Humanidade escape a estas leis e é por isso que é muito de temer
que o indefinido aperfeiçoamento do Homem seja uma generosa ilusão e o
Super-homem que esperávamos um lindo sonho!
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Fonte:
A Gênese da Humanidade, por: C. Arambourg. Publicações Europa-América. Lisboa, 1950, págs. 143-145.
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