Bertolt
Brecht; lembra-se?
Berlim não esquece a herança política do
grande dramaturgo
É sempre um desafio para a crítica explicar o
que faz de um autor morto, um autor atual. No caso dos "clássicos" -
um conjunto de autores reconhecidos e institucionalizados pelo cânone literário
ocidental - um dos recursos mais frequentes é associar a genialidade dos
autores a uma espécie de poder atemporal. O fato de montagens de Hamlet e
Fausto terem sucesso até hoje é dado como prova de que Shakespeare e Goethe
ultrapassaram os limites de seu tempo e tocaram questões que não diziam
respeito apenas a uma época restrita, mas à humanidade e à existência, no que
estas têm de mais essencial. O mistério do tempo, a vacuidade da vida, o poder
destrutivo das paixões e coisas assim.
No caso do dramaturgo alemão Bertolt Brecht,
o argumento da atemporalidade sempre representou um problema. Como sabem mesmo
os não iniciados, Brecht sempre teve como ponto de honra a historicidade de seu
teatro político. E ironizou os entusiastas de valores eternos, nos quais suspeitava
um profundo conformismo frente à vida como ela é. Pensar a atualidade do teatro
de Brecht hoje exige, nesse sentido, avaliar o que nele é sinal de uma história
passada e o que ainda aponta como resposta e alternativa às necessidades
atuais.
Um turista desavisado que vá a Berlim à
procura do teatro de Brecht pode se espantar com a ausência de suas peças na
programação dos principais palcos da cidade. Berlim é um dos centros teatrais
mundiais mais marcado pela passagem do dramaturgo, nascido em Augsburg, sul da
Alemanha, em 1898. A cidade conserva ainda hoje grande parte dos teatros onde
Brecht atuou. Entre esses estão o Deutsches
Theater (Teatro Alemão), o Freie Völksbühne
(Palco Livre do Povo) e, às margens do Schiffbauerdamm, antigo cais onde se construíam
navios, o célebre Berliner Ensemble,
criado no centro da antiga Berlim Oriental por Brecht e pela atriz Helene
Weigel, em 1949, após a Segunda Guerra, quando retornaram do exílio. Na casa
fundada por Brecht, hoje dirigida pelo diretor Claus Peymann - um nome
consagrado pela colaboração com Peter Stein, o mais conhecido encenador alemão
dos anos 70 - a única peça do dramaturgo que ainda compõe o repertório anual é A ascensão e queda de Arturo Ui, uma
montagem antiga, que ainda tem por base o trabalho de Heiner Müller, o
dramaturgo alemão mais conhecido depois de Brecht. Considerando-se a quantidade
de peças apresentadas e programadas para este ano, poderia ser dito então, que
Brecht não é atual.
Mas, apesar da ausência de peças assinadas
por Brecht nos palcos, é impossível não notar o quanto a vida teatral
berlinense ainda é pautada pelos parâmetros políticos postulados por Brecht.
Para um brasileiro, espanta o número de peças que põem em cena questões da
ordem do dia, que vão desde a crítica do jargão globalizante usado para tratar
os problemas da cidade, presente na peça
A cidade como presa, do jovem dramaturgo René Pollesch, à critica da classe
política alemã e de sua dependência em relação à mídia - como a peça O irmão de Merkel, construída a partir
de figuras emblemáticas dos principais partidos do país, como Angela Merkel e
Joschka Fischer, respectivamente a líder da União Democrática Cristã (CDU) e o
atual ministro do Exterior, do Partido Verde.
Para um veterano da cena teatral berlinense,
o ator e diretor Hans Joachim Frank, o acerto de contas com a situação vivida
pelo país é um dos pontos fortes da chamada nova dramaturgia alemã. Frank sabe
do que fala. É diretor de um projeto teatral fundado em 1989 - o Teatro 89
-formado por atores egressos das principais companhias da antiga Berlim
Oriental - o próprio Berliner Ensemblee
o Deutsches Theater, principalmente -
e viveu na pele as mudanças na vida teatral e social da cidade, ocorridas desde
o início do processo de reunificação alemã. Para Frank, muitas das questões
levantadas por Brecht em suas peças são hoje retomadas e
"atualizadas" por autores jovens, tais como Oliver Bukowski, Melanie
Gieschen e Dea Loher. Para eles, essas são provas da atualidade do teatro político
e do vigor da herança brechtiana.
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Fonte:
Revista Reportagem. Ano III - Nº 27 - Dezembro de 2001. Oficina de Informações. São Paulo, pág. 10.
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