Leitura ao jeito de cada leitor
E o pulo do
gato? Como disse, esse não se ensina mesmo. Mortimer Adler e C. Van Doren,
apesar de terem escrito um tratado sobre a arte de ler, advertem que "as
regras para adormecer lendo são mais fáceis de seguir do que as regras para
ficar acordado enquanto se lê... conseguir ficar acordado, ou não, depende em
grande parte da meta visada na leitura".
A esta
altura espero tenha deixado claro que. para compreendê-la e para a leitura se
efetivar, deve preencher uma lacuna em nossa vida, precisa vir ao encontro de
uma necessidade, de um c de expansão sensorial, emocional ou racional, de uma
vontade de conhecer mais. Esses são seus pré-requisitos. A eles se acrescentam
os estímulo e os percalços do mundo exterior, suas exigências e recompensas. E,
se pensarmos especialmente na leitura a nível racional, há que considerar o esforço para realizá-la. O homem é um
ser pensante por natureza, mas sua capacidade de raciocínio precisa de tanto treinamento quanto necessita seu físico
para, por exemplo, tornar-se um atleta. Nada, enfim, é gratuito; sequer o prazer.
Este, aliás, nasce de um anseio de realização plena, portanto pressupõe uma
meta e um empenho para atingi-la.
O treinamento
para a leitura efetiva implica aprendermos e desenvolvermos determinadas
técnicas. Dos manuais didáticos aos estudos aprofundados sobre o ato de ler, todos
oferecem orientações ora menos ora mais objetivas e eficientes. Todavia, cada
leitor tem que descobrir, criar uma técnica própria para aprimorar seu
desempenho. Auxiliam-no, entre os fatores imediatos e externos, desde o
ambiente e o tempo disponível até o material de apoio: lápis, papel em branco, bombons,
almofadas, escrivaninha ou poltrona, alto-falantes, fones — aí entra toda a
parafernália de objetos que se fazem necessários ou que fazem parte do mise-en-scène de cada leitor.
Se isso tudo
pode influenciar criando uma atmosfera propícia, sabidamente e com raras
exceções é dispensável. Fundamental mesmo é a continuidade da leitura, o
interesse em realizá-la. Quantos leitores já deixaram passar a sua parada
porque, no ônibus superlotado, barulhento sacolejante, estavam totalmente
imersos no seu radinho de pilha, na fotonovela, no romance; num artigo
científico ou numa fotografia; na rememoração de um filme, de uma peca teatral,
de uma conversa?
Há quem só
consiga ler um livro de ensaios, por exemplo, sentado quieto em seu canto,
tomando notas, assinalando passagens do texto; outros o fazem deitados ou mesmo
de pé em meio à maior balbúrdia. Há os que se sentem "no cinema"
apenas quando acomodados numa das dez primeiras fileiras da sala de exibição,
outros vão para a última. Muitos "curtem o som" de modo a tudo ao
redor estremecer com o volume do alto-falante, enquanto outros só conseguem
apreciar música J em surdina. Enfim, cada um precisa buscar o " seu jeito
de ler e aprimorá-lo para a leitura se tornar cada vez mais gratificante.
A releitura traz muitos benefícios, oferece
subsídios consideráveis, principalmente a nível racional. Pode apontar novas
direções de modo a esclarecer dúvidas, evidenciar aspectos antes despercebidos
ou subestimados, apurar a consciência crítica acerca do texto, propiciar nonos
elementos de comparação.
Uma das
razões pelas quais às vezes nos sentimos desanimados diante de um texto considerado
"difícil" está no fato de supormos ser em tocar de deficiência nossa,
de incapacidade para compreendê-lo. Isso em geral é um equívoco. Por que desistirmos
de uma leitura racional se temos interesse e necessidade de realizá-la? Tampouco
adianta ficar relendo mecanicamente; o contrário, é pior. Para diminuir a
tensão, amenizar as dificuldades, importa muito não considerar o texto como uma
ameaça ou algo inatingível. Melhor relaxar, não se preocupar em decifrá-lo descobrir o sentido, mas
cercá-lo ao modo da gente, pelo ângulo que mais atraia, mesmo parecendo algo
secundário do texto.
Tratando-se
de um livro, retomá-lo folheando ao acaso e lendo uma ou outra passagem, sem
sentirmos obrigados a entendê-la, mas
procurando apreciá-la, estabelecendo relações com outras passagens lidas, com leituras
já realizadas, quaisquer que tenham sido os meios de expressão dos textos ou os
níveis privilegiados. Às vezes o som das palavras de um poema vem-nos indicar o
caminho para começar a pensá-lo; a descrição de uma cena, de uma paisagem, de
um acontecimento talvez remeta a uma experiência vivida e facilite a compreensão
do texto; um assunto desconhecido pode, num determinado momento, trazer
referências a algo já lido e, por ai, começamos a entendê-lo.
Enfim, é fundamental
não ter preconceito, nem receio de carrear para a leitura quaisquer vivências
anteriores; procurar questionar o texto — quem sabe ele apresente falhas, seja
confuso, inconsequente e não há por que simplesmente aceitá-lo.
Daí a
importância de discutir a seu respeito, de buscar esclarecimentos com outros leitores
ou em outros textos.
A leitura,
mais cedo ou mais tarde, sempre acontece, desde que se queira realmente ler,
Acima de tudo, precisamos ter presente que se não conseguimos, de vez, dar o
pulo do gato — bem, que se continue andando ainda um pouco, pois não é pecado
caminhar.
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Fonte:
O que é Leitura (Coleção Primeiros Passos), por: Maria Helena Martins. Editora Brasiliense, 11ª Edição. São Paulo, 1989, págs. 82-87.
que texto complicado, lê varias vezes
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