Semiologia e Linguística
Em várias
passagens de suas obras, Claude Lévi-Strauss sugere que uma regra elementar, a da proibição do incesto, ao ordenar um
"instinto" biológico, efetua uma ruptura entre o universo das coisas
naturais — domínio da Natureza —, e o universo das práticas sociais humanas —
domínio da Cultura —. Se aceitarmos tal distinção, poderemos isolar duas
características da cultura:
(a) pertence
ao universo da cultura tudo o que o homem acrescentou à Natureza, através
do seu trabalho transformador;
(b] pertence
ao universo da cultura
tudo o que não
é hereditário, mas é aprendido
pelo homem.
A
aprendizagem, a conservação, a transformação e a transmissão da cultura
realizam-se através de uma grande variedade de práticas sociais. As práticas
sociais organizam-se para expressar a cultura das comunidades humanas assumindo
a condição de sistemas de signos para transmitir essa cultura de um indivíduo
para outro, de uma geração para a geração seguinte.
A ciência
que estuda os sistemas de signos, quaisquer que eles sejam e quaisquer que
sejam as suas esferas de utilização, chama-se Semiologia ou Semiótica.
A Semiótica
não estuda, como se vê, nenhum tipo de "realidade natural", mas sim a
"realidade cultural" de uma comunidade, todas as espécies de sistemas
sígnicos que o homem construiu ao longo dos séculos. O
objeto da Semiótica é
estudar um "conhecimento" da realidade fenomênica, tal como ele se
espelha nos diferentes sistemas linguísticos
que re-criam — no
sentido literal, criam de
novo — essa realidade. Os mitos e os quadros de pintura, o
alfabeto Morse e os sistemas de relações de parentesco, os cardápios e as peças
musicais, as modas indumentárias e os processos de adivinhação, as
instituições, como o Direito e os jogos desportivos, possuem todos uma série de
propriedades específicas que os investe de um papel social: são, todos,
linguagens no sentido mais
vasto da palavra. Essas
linguagens são capazes
de expressar, sob
diferentes modalidades de substâncias significantes, o
mesmo significado básico;
todos esses sistemas
sígnicos exprimem aspectos
de uma particular
modelização do mundo, uma imago mundi intuída pela sociedade que
criou esses sistemas. É na medida em
que estuda tais sistemas que a Semiótica "constitui a
ciência das
ideologias" (Rey-Debove, 1971a,
6-7), no seu plano de
conteúdo, constituindo, ao
mesmo tempo, a
ciência das retóricas, no seu plano
de expressão.
Assim como a
relação entre o homem e o mundo vem mediatizada pelo pensamento, a relação
entre um homem e outro homem, dentro de uma sociedade, vem mediatizada pelos signos. Para que o pensamento transite
de uma para outra subjetividade, deve ele formalizar-se em signos. Os signos são, por um lado, suportes exteriores e materiais
da comunicação entre as pessoas e, por outro lado, são o meio pelo qual se
exprime a relação entre o homem e o mundo que o cerca. A organização social
dessas mediações atribui às linguagens a função de sistemas modelizantes.
Com relação
ao caráter ideológico dos sistemas
sígnicos em geral e das línguas naturais (português,
francês, italiano, etc.) em particular, ressaltemos, com Ivanov (1969.41 s.s.)
que a sociedade é a fonte produtora das ideologias. Internalizada como
mecanismo de primeira sociabilização no psiquismo de cada indivíduo na fase da
sua aprendizagem, a língua natural carrega consigo os valores da sociedade de
que esse indivíduo c membro; assim, ao aprender a língua do seu grupo, cada
indivíduo assimila também a sua ideologia (= sistema de valores grupalmente
compartilhados).
Desse modo,
o comportamento dos indivíduos sociais é duplamente "programado" (no
sentido cibernético):
(a) por um código
genético, herdado de seus antepassados;
(b) por um código
linguístico-ideológico, aprendido do seu grupo.
É assim que
a língua falada por cada um de nós equivale, também, a um instrumento a serviço
do controle comportamental que cada grupo social exerce sobre a atuação de cada
um de seus membros. Este é um dos sentidos mais importantes das palavras modelização e sistemas modelizantes, aplicadas aos códigos simbólicos.
É claro que
os falantes dessas linguagens não têm consciência da complexa interação de
fatores psicossociais envolvidos no mais simples processo de comunicação. E
esta é, talvez, a mais importante tarefa dos estudos semióticos: fazer-nos
tomar consciência da condição mental
(e cultural) da existência humana. (Cf. Weis-gerber, apud Hörmann, 1972.47)
A
Linguística, que faz parte da Semiótica, estuda a principal modalidade dos
sistemas sígnicos, a das línguas naturais.
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Fonte:
Fundamentos da Linguística Contemporânea, por: Edward Lopes. Editora Culturix. São Paulo, 1995, 15-17.
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