Os indefesos vampiros
Por: Luís
Marcondes
Ilustrações de Nato
Ilustrações de Nato
O cinema e a literatura popularizaram o
vampiro como um indivíduo perverso, que suga o sangue das pessoas. Mas,
buscando-se a origem do mito, descobre-se que o vampiro é uma figura patética,
perseguida e amaldiçoada. Os vampiros existem desde a antiguidade. Muitos deles
— na Idade Média — foram transpassados e condenados à fogueira pela Inquisição.
Mas foi somente no século 18 que a crença nos vampiros se popularizou e tomou a
forma com a qual chegaria até os nossos dias.
Na Grécia
existe uma pequena ilha. Chama-se Mikonos. Uma cordilheira, um esporão de rocha
granítica, escassa de vegetação. Esteve em poder dos turcos durante vários
séculos. Mas em 1821 os seus habitantes fizeram um levante armado, lutaram pela
independência e ganharam. Ali existe um pequeno cemitério onde se podem
encontrar as sepulturas daqueles que tombaram pela liberdade. Ainda hoje são
depositadas flores sobre os túmulos dos heróis mortos. Mas há um outro cemitério
na ilha. Um pequeno terreno atrás de rochas, onde os túmulos não têm nome nem
cruz. Quem são aqueles mortos? A resposta está gravada numa placa na entrada do
cemitério: "1700-1702 — Aqui jazem criaturas que não são deste
mundo".
Como indicam
as duas datas, por três anos a ilha de Mikonos viveu no terror. E o medo ainda
persiste através dos séculos, pois ninguém ousa arar o campo maldito.
Existe uma
lenda segundo a qual ali estavam sepultados os gigantes, mortos por Hércules.
Mas não é daqueles mortos que os habitantes unham medo. Em 1701, o escritor
francês Joseph Pitton de Tournefort se encontrava em Mikonos e foi testemunha
da "grande epidemia vampírica".
Escreve
Tournefort: "A loucura parecia ter penetrado em todas as mentes. Era uma
autêntica epidemia, como a raiva ou a peste. Famílias inteiras abandonavam suas
casas e iam viver nos campos ou nos bosques. Todos se lamentavam do contato com
os vampiros. Cada um ostentava, quase com orgulho, as marcas rubras das
mordidas. Ao cair das trevas, todos se abandonavam aos lamentos, aterrorrizados
ante a ideia da noite que caía. Os vampiros: esse era o medo de Mikonos. E os
sinais das mordidas apareciam realmente. Nos seios das mulheres, nas costas e
ombros das crianças, no pescoço dos homens. E todos experimentavam uma terrível
exaustão. Muitos, depois de algum tempo — antes fortes e robusto —, morriam. E
cada morto era um novo vampiro"
O medo da morte
Em três anos
houve centenas de mortos em Mikonos, se bem que se combatesse a epidemia com
"todos os meios úteis".
Os
"meios úteis" que eles conheciam eram o alho, a lança de madeira
pontiaguda e a luz do sol. O alho, pendurado na porta das casas, impedia os
vampiros de se acercarem delas. A lança, construída com madeira de freixo,
matava-os. A luz do sol destruía o seu simulacro humano, restituindo-os à
poeira do tempo.
Mas não
existiam freixos na ilha e era necessário mandar os pescadores até as ilhas
maiores — Creta e Delos —, para arranjar a madeira necessária à fabricação das
lanças. Durante o dia, nas casas miseráveis, homens e mulheres preparavam as
armas. Depois, quase no crepúsculo, antes que eles ressurgissem, os mais corajosos chegavam ao cemitério e
escavavam as sepulturas.
Era fácil
identificá-los. A culpa estava estampada nos seus rostos gordos e corados,
sobre os seus lábios ainda úmidos de sangue. Então as lanças os traspassavam,
aniquilando-os por toda a eternidade.
Toda vítima
de um vampiro se transformava por sua vez em vampiro e devia ser tratada do
mesmo modo, para impedir que ressurgisse da tumba e viesse atormentar os vivos,
exigindo o sangue que havia perdido.
Pitton de
Tournefort narra como via os corpos serem transportados ao cemitério maldito,
atrás das rochas. Mas nem sempre sobrava alguma coisa. Os vampiros mais
antigos, libertados da maldição, dissolviam-se no pó.
Collin de
Plancy, em 1818, assim descreve os vampiros, em seu Dictionnaire Infernal: "Desde tempos remotíssimos tem-se dado
o nome de upires, vampiros, no
Ocidente, de brucolakhi, no Oriente
Médio, de katakhanes na índia, aos
homens mortos e sepultados que retornam, em corpo e alma. Falando, caminhando,
amedontrando as vilas, sugando o sangue do próximo, tornando-o fraco e causando
a sua morte. Quem morre por causa de um vampiro torna-se também vampiro. Não há
como livrar-se das visitas perigosas desses monstros senão matando-os com lanças pontudas de madeira".
A vida além da morte
A partir das
origens, o mistério da morte perturba a fantasia do homem. Ele não consegue
compreender como um ente que até há pouco comia, falava, caminhava, de repente
se fechasse num silêncio imóvel. Daí a suspeita de um tipo de magia: o morto
era em realidade uma entidade maléfica, um demônio decidido a retornar à vida,
roubando a alma dos outros. No mundo primitivo acreditava-se que a alma pudesse
sair através da respiração e do sangue. Portanto, para reconstruir a alma, era-
necessário sugar o sangue de outros. As religiões valorizavam a existência de
uma vida além da morte. As populações da faixa médio-européia eram
particularmente sensíveis ao problema. Sobretudo pela divisão entre as duas.
Igrejas, a católica e a ortodoxa, com as suas concepções opostas da
sobrevivência dos corpos depois da morte. A Igreja católica atribui aos corpos
dos santos mortos uma conservação eterna. Isso exclui a decomposição. A
integridade do corpo depois da morte torna-se, portanto, um prêmio. Segundo os
ortodoxos, no entanto, são os corpos dos ímpios e pecadores que não se
decompõem, conservando-se íntegros, a fim de expiarem seus pecados. São
considerados tão maus que a própria terra recusa abrigá-los. Essa divergência
provoca nas almas sensíveis um desdobramento ansioso. A conservação do corpo
depois da morte é um prêmio ou um castigo? Essa interrogação se torna
inquietante.
A ideia da
aniquilação total é pavorosa, assustadora. Não será isso o início da desejada
imortalidade? Essa dupla tendência é a chave do fenômeno vampírico: angústia de
morrer e fascinação da morte; esperança de sobreviver e medo de que uma vida
corpórea depois da morte signifique danação. Ajunte-se a isso o instinto
elementar da sobrevivência, com a sua agressividade e avidez cruéis. É aqui que
nasce o vampiro.
Foi
sobretudo no século 18 que a crença nos vampiros se difundiu, como uma epidemia
de terror, dos Bálcãs à Europa Ocidental. "Entre 1730 e 1735 — escreve
Voltaire — não se falava de outra coisa senão de vampiros. Em toda parte eram
descobertos, seus corpos eram traspassados, queimados nas fogueiras. O padre
Calmet, prior de uma abadia com 100 mil libras esterlinas de renda, publicou
histórias de vampiros com a perfeita anuência da Sorbonne."
Voltaire
continuava glosando a moda vampírica, e se aproveitava dos conhecimentos e i
informações do abade que o hospedava (aliás, com uma gentileza exemplar).
Abasteceu-se de sua grande biblioteca durante o tempo em que permaneceu na
abadia. Calmet, a propósito, foi a vítima favorita dos filósofos iluministas,
por causa de seu livro Dissertations sur
les Apparitions des Esprits et sur les Vampires, editado em 1749,
abundantemente citado, pois é um dos três ou quatro textos existentes sobre ò
assunto.
Morto duas vezes
O abade
Calmet escreveu também uma enorme História
Universal e outras obras importantes. Mas a sua fama se deve mais às crônicas
sobre vampiros, através de episódios isolados. Incluía aí divagações médicas,
religiosas e filosóficas. Por exemplo, a história do pastor de Blow, na Boêmia
(Checoslováquia). Depois de morto, reapareceu e mordeu oito pessoas, que
morreram em seguida. Os habitantes da aldeia o desenterraram e o atravessaram
com uma lança pontiaguda, mas o vampiro ria e escarnecia dos cidadãos.
Resolveram queimá-lo na fogueira, e levaram-no até o local numa carreta.
Durante o percurso, o cadáver urrou e se debateu. Novamente traspassado,
esvaiu-se numa poça de sangue, antes que o fogo o queimasse totalmente.
Calmet dizia
ter sido pessoalmente testemunha de algumas manifestações vampíricas, e de
outras havia recolhido testemunhos que ele considerava válidos. Em suas crônicas,
reportava-se a notícias publicadas no semanário Mercúrio Galante, de Paris, ou então a um livro de um autor alemão
publicado alguns anos antes, intitulado De
Masticatione Mortuorum in Tumulis.
Todas essas
histórias, naturalmente, confirmavam a existência dos vampiros e, como eram
sobretudo os religiosos a tocar no assunto, teve que interferir o papa Benedito
XIV, que chamou à ordem alguns sacerdotes "possuidores de fantasia
demasiada". O papa não negava a existência dos vampiros, mas pretendia que
eles fossem incorpóreos, como fantasmas. Aborrecia-lhe a ideia de que o corpo
fazia dos vampiros uma categoria distinta das almas inquietastes e dos demônios.
E, no
entanto, os vampiros tinham um corpo sólido e opaco, pois a sua atividade
específica era comer, e não o poderiam fazer não tendo boca, dentes, estômago,
intestinos e todo o resto.
Voltou para buscar o sangue
Mas a fenomenologia
vampírica não se exauriu com as crônicas de Calmet. Há cerca de 25 anos, em Susak,
uma ilha de areia do Adriático, contava-se um caso curioso. Os habitantes, pelos
escassos contatos com o continente, conservaram, através dos séculos, os
hábitos, costumes, tradições.
O filho de
uma mulher da ilha foi morto nos últimos dias da guerra. Agonizou por uma noite
inteira, sem que ninguém fosse socorrê-lo. Morreu ao amanhecer, pouco depois de
o encontrarem, e as últimas palavras foram uma desesperada invocação:
"Quero viver, viver".
Enterraram-no
na colina arenosa de Susak. Mas ele voltou, porque sua vontade de existir era
mais forte do que a própria morte. Voltou para buscar o sangue que havia
perdido, como fazem frequentemente os vampiros, cujo instinto é um misto de
agressão e amor. E voltou-se para quem amava mais: a mãe. No momento de sua
reaparição, a mulher toma consciência do que devia fazer. Ora, o vampiro,
segundo a tradição, é sempre um ser infeliz, prisioneiro de seu instinto de
vida. Um morto que agoniza procurando inutilmente ressuscitar. Em casos semelhantes,
devem-se afastar os sentimentos, para o próprio bem do "doente".
Deve-se fazê-lo voltar ao seu estado normal, fazê-lo voltar à paz. A força que
move aquele pobre corpo atormentado na c é uma alma, mas uma mecânica de terror
E a mulher não teve dúvida. Confiou a um irmão, dois cunhados e outro filho a
destruição daquela coisa que a chamava de mamãe.
O ódio alimenta os vampiros
O medo de
morrer foi, em todos os tempos, estímulo para a ressurreição. Mas existem
outros componentes que facilitam o fenômeno vampírico. Por exemplo, o ódio. Os
homens que tomam conta dos velhos castelos ingleses dizem que os fantasmas são
sempre almas de defuntos que em vida odiaram e foram odiados. A regra não varia
para os vampiros. Na Turquia contam-se muitos casos de homens particularmente
maus que reapareceram depois da morte para atormentar os vivos. Falamos do
ódio, falemos de amor. Em dezembro de 1958, um ferroviário de nome Mattews se
mata debaixo dos trilhos de um trem em Londres. A investigação conclui que o
homem era atormentado por alucinações. Ele costumava afirmar que sua noiva,
morta em razão da leucemia, vinha visitá-lo todas as noites, reclamando c
sangue necessário "para voltar".
Outro amor,
não menos profundo, foi o que fez tombar sob o pelotão de fuzilamento nazista
em agosto de 1944 um cidadão de Varsóvia chamado Jan Rzelaw. Havir participado
de uma revolta contra os invasores. Quase dez anos depois um ex-suboficial do Exército
alemão, voltando à vida civil na pequena cidade de Damme, na Alemanha Oriental,
enforcou-se numa garagem. Deixou uma longa carta na qual explicava como o homem
que ele havia fuzilado por rebelião vinha procurá-lo e pedir vida. O suicida
tinha um pulso enfaixado. Sob a gaze, existia o evidente sinal de uma feroz
mordida.
A medicina
costuma usar o termo "alucinação" quando trata de explicar histórias
desse tipo.
Mas não era
alucinado o médico parisiense Trousseau, cuja fama era tanta — na metade do
século passado — que lhe permitia cobrar 25 mil francos por consulta
domiciliar.
Trousseau
gostava de observar que a matéria viva se distingue da morta por certas
manifestações características que só ela possui.
Um morto bem conservado
Mas na sua
apressada classificação, Trousseau não teve meios de incluir um tal Lesahor,
paciente um pouco fora de série. Depois de um longo e infrutífero tratamento
hepático, o médico decretou que Lesahor falecera. A mulher do morto, que era
doente cardíaca, ficou ignorante do falecimento do marido. Não suspeitou de
nada, sobretudo porque o homem continuou a fazer-lhe visitas, todas as noites,
para cumprimentá-la. Trousseau, que também tratava da mulher, soube disso pelas
suas próprias palavras. Quis ver o fato com seus próprios olhos. Naquela noite
se encontrava no quarto da senhora Lesahor na hora da visita, e teve o prazer e
ao mesmo tempo a angústia de ver que seu ex-paciente não estava tão morto assim.
Movia-se sem dificuldade, conversava com a mulher. Trousseau quis dirigir-lhe a
palavra, mas o homem se despediu, dizendo que tinha muita pressa. A razão da
pressa, Trousseau descobriu na manhã seguinte, quando, com autorização oficial,
pôde dar uma olhada na sepultura de Lesahor. O morto estava em seu lugar e
tinha um aspecto "excepcionalmente bem conservado".
A mulher
morreu poucos dias depois. Sua morte foi provocada por uma anemia de origem
misteriosa. Trousseau fez um relatório pormenorizado do caso, mas o assunto não
despertou muita atenção e foi arquivado. Afirmou-se posteriormente que o
médico, com aquilo, queria arranjar publicidade.
A vingança do assassinado
Na pequena
República de Andorra, quando alguém é assassinado (o que se dá em média uma vez
em cada 20 anos), segundo um cerimonial que permanece invariável desde 1200, o
magistrado, de toga e capelo, vai até o lugar do delito, seja onde for. Lá,
dirige-se ao morto, perguntando-lhe três vezes: "Homem, quem te matou? A
Justiça o exige". Ao fim, diz: "O morto não respondeu".
Até hoje não
se sabe qual a origem desse estranho procedimento. Mas o seu mecanismo nos
revela que os juízes de Andorra esperam que pelo menos uma vez o morto responda
à pergunta. Em fins do século passado houve em Andorra um assassinato. O crime
fora praticado com uma pedra e o morto era um pastor de ovelhas. A vítima não
apresentava um belo espetáculo aos olhos, com a cabeça esmigalhada.
Naturalmente, o morto não estava em condições de responder à pergunta do juiz.
Mas ele morreu odiando, e a lei dos vampiros lhe dava uma possibilidade de
retorno.
Acontece que
o culpado estava numa hospedaria, conversando sobre o misterioso crime, quando
viu entrar no estabelecimento um homem que tinha na testa uma lama negra.
Os presentes
fugiram e o assassino também, mais depressa do que eles. Mas não se pode fugir
de um vampiro.
Os corpos dos
não-mortos não respeitam as unidades de tempo e espaço. Na sua desesperada
fuga, o matador encontrou-se frente a frente com sua vítima. O terror obriga-o
a implorar por misericórdia. Cai de joelhos e continua a gritar, até que uma
pedra enorme lhe quebra o crânio. Foram encontrados juntos, num local onde um
dos dois não deveria estar. Ainda existem testemunhas vivas desse caso.
A estirpe dos vampiros
Os vampiros
são uma estirpe, no sentido de que
formam uma "cadeia de ressurreição". Quando um se sacia com sangue,
todos — mesmo em mínima proporção — sentem um benefício. Quando um morre
traspassado pela lança, todos sofrem uma fração de segundo de agonia. Quem foi
mordido três vezes, entra na estirpe.
A cruz pode
ser usada eficazmente só nos países católicos. Ela é o símbolo da justiça
divina e aterroriza as almas culpadas — os vampiros.
Segundo as
antigas crônicas, uma cruz colocada no peito de um vampiro tem o poder de
paralisá-lo, privando-o também daquela força de atração que exerce sobre as
suas vítimas.
O alho tem
valor universal. Para compreender o motivo da sua eficácia, basta interrogar os
habitantes de aldeias de alguns países da Europa, onde é difundidíssima a
prática de colocar uma pequena réstia de alho ao redor do pescoço das crianças
com doença intestinal.
O pior
parasita do homem é o vampiro. É lógico combatê-lo com uma planta antiparasitária.
Mas há também um segundo motivo, de ordem prática, pelo qual os vampiros têm
aversão ao alho. Ele é um vasodilatador. Faz diminuir a pressão sanguínea.
Portanto, menos jorro, menos sangue para chupar.
Transformam-se em lobos ou morcegos
Nas vilas
campestres búlgaras, romenas, húngaras, os habitantes põem as réstias de alho
na entrada da casa. Quem é obrigado a sair de noite leva-o no pescoço. Pois
como diz uma velha balada da Transilvânia, "cada viandante e cada animal
que encontre na escuridão pode ser um maldito vampiro, filho do demônio".
Diz a lenda
que os vampiros podem, eventualmente, transformar-se em morcegos ou em lobos.
No cinema, estas transformações acontecem com frequência. Mas na realidade não
existe um só episódio descrito nos velhos textos no qual um vampiro se
transformasse em morcego. É provável que a relação tenha nascido do fato de que
existe uma variedade de morcegos que sugam o sangue. O naturalista sueco Cari
von Linneu chamou-os de vampiros.
Outro ponto de contato: os morcegos só agem à noite e têm aversão ao alho.
Frequentíssimas, no entanto, nas antigas crônicas, as transformações em lobo.
Naturalmente, a mutação exterior era só parcial. O sujeito corria de quatro,
uivando e mordendo quem encontrasse.
O lobisomem
(do latim lupus hominarius) morde,
dilacera e se alimenta de sua presa. É o que tecnicamente se chama de um
"vampiro mastigador". Em Auvergne, França, recorda-se o caso do
lendário Liancade, um homem que guiava as matilhas ide lobos e se comportava
como os animais que o seguiam.
Hoje tem-se
como certo que a licantropia — fenômeno da transformação do homem em lobo — é
uma enfermidade de origem histérica. Os indivíduos feridos em determinadas
condições que coincidem habitualmente com a lua cheia, sentem-se impelidos a
simular o comportamento e o uivo do lobo. Por isso, a licantropia foi chamada
de "o mal de lua". Livros antiquíssimos referem-se ao fenômeno. A
própria Bíblia fala disso. Em 1200,
as bulas papais tornaram-no um crime diabólico e a Inquisição começou o seu
festival de sangue. Milhares de pessoas suspeitas de se transformarem em
animais são condenadas à fogueira. Entre 1520 e 1630, os delitos atribuídos aos
licantropos são quase 3 mil.
Existem
relatórios aos quilos sobre processos sumários contra os "lobisomens"
e todos foram condenados à morte. Mas também depois da loucura da Inquisição,
os lobos lunares continuaram a manifestar-se.
Calmet, o
abade dos vampiros, escrevendo em suas Dissertations...
conta alguns casos. Uma mulher foi sepultada no cemitério com todos os
sacramentos. Quatro dias depois, reapareceu sob a forma de um cão que atacava
as pessoas e mordia-lhes o pescoço, bebendo seu sangue. O cadáver foi
desenterrado e traspassado com a lança de madeira. Depois desse tratamento, o
cão desapareceu.
Como se vê,
estamos na identidade entre o vampiro e o lobisomem. As armas que servem para
os vampiros são eficazes também contra os lobisomens. Podem-se ajuntar a lâmina
e a bala de prata, um metal que na tradição mágica sempre teve grande poder de
destruição nos confrontos das forças do mal.
Falamos dos mastigadores. No seu tratado De Masticatione... já citado, o alemão
Michel Ranfft descreve os vampiros que se alimentam de carne humana. Esses
podem ser comparados às hienas, porque se nutrem dos mortos. O livro de Ranfft
tem mais de duzentos anos, mas os mastigadores não desapareceram.
Um caso
particularmente curioso é o de um oficial nazista que foi transferido com
urgência da frente durante a Segunda Guerra Mundial. Tinha o hábito de se meter
entre as ruínas das casas destruídas, logo após os bombardeios aéreos, à
procura de um "pasto" particular. Não estava faminto, como certos
infelizes que comeram carne humana nos campos de extermínio. Não era também uma
prática religiosa, própria de certas comunidades primitivas, entre as quais
está ainda em voga o canibalismo ritual.
A ciência o
cataloga entre os psicopatas com tendências canibalísticas. Muitos assassinos
com desvios sexuais também o são.
O caso de Jack, o Estripador
Por exemplo:
Jack, o Estripador, o célebre e misterioso assassino de prostitutas na Londres
de fim de século. Do começo de dezembro de 1887 a 10 de dezembro de 1889, ele
matou nove mulheres, esquartejou suas vítimas, arrancando-lhes partes anatômicas,
como pontas dos seios. De repente, cessaram os crimes, tão misteriosamente como
haviam começado. A Scotland Yard jamais conseguiu pegar o assassino que o povo
chamava de Jack. Nasceu uma lenda sobre o Estripador. Diz-se que, perseguido
pela polícia, numa noite de neblina, atirou-se no Tamisa, desaparecendo nas
suas águas barrentas.
Mais ou
menos como Jack, agiram Vacher, Tirsch, Troppmann, Peter Kuerten e muitas
outras personagens de pesadelos, cujo nome e cuja nefanda obra se encontram em
todos os tratados de criminologia.
Vinte e oito vítimas
Kuerten,
conhecido como o vampiro de Dusseldorf,
cometeu 28 homicídios. Na maior parte eram meninas, que ele seviciava
horrivelmente. Kuerten bebia o sangue de suas vítimas. Tinha pegado o gosto
pelas crianças. Era órfão e tinha sido adotado por uma viúva rica e viciada,
que o obrigava a beber sangue de ganso.
Eram homens
ou vampiros esses monstros? Para julgar, basta ler a confissão do médico John
Haigh, escrita pouco antes de seu enforcamento, na prisão de Wandsworth,
Inglaterra, a 10 de agosto de 1949, por haver assassinado nove pessoas. Num
acidente automobilístico, Haigh experimentou um terrível choque emocional ao
beber involuntariamente sangue humano. Isso o fez tornar-se um vampiro. Matou
sua sede de sangue em nove gargantas, antes de ser condenado e executado.
Falando de
sua primeira vítima, escreve Haigh: "Matei-o com uma barra de ferro e
depois cortei sua garganta com um canivete. Tentei beber o seu sangue, mas não
era fácil. Afinal, resolvi sorvê-lo diretamente da ferida, com profunda
satisfação".
Através da
lenda e da história, os vampiros estão assim ligados diretamente à crônica
criminal. Num certo sentido, eles seguiram paralelamente o desenvolvimento de
seus irmãos literários. De fato, transformados em protagonistas da literatura
romântica no século 19&os vampiros passaram em seguida ao romance negro,
precursor do policial de hoje, para terminar no filão de ficção científica.
Da voga
literária vampírica foi responsável em grande parte o célebre poeta George Byron
que, hóspede de Shelley, em 1816, prometeu aos presentes — entre os quais o dr.
Podidori, médico e amigo de Byron — escrever uma história de terror. Naquela
ocasião, Mary Wollstonecraft, mulher do poeta Shelley, iria escrever um
clássico: Frankensteins: Byron se
cansou logo daquele jogo, mas Polidori retomou o esboço de conto e o elaborou,
trazendo-lhe uma nova intitulada O
Vampiro. Publicada numa revista inglesa com a assinatura de Byron, a novela
agrada muito a Goethe, que a considera como "a melhor coisa escrita pelo,
poeta".
Desde então,
o sucesso romântico do vampiro inspira nomes famosos, na literatura, de onde
surgiram verdadeiras obras-primas do gênero. Hoffmann, Gogol, Poe, Maupassant,
Balzac, Baudelaire, Mérimée. O vampiro de Mérimée é um conde lituano. Antes de
nascer, sua mãe foi atacada por um urso, durante uma caçada, e foi salva por
milagre. Saiu doida da terrível aventura. O filho nasceu tarado com o complexo
de urso, e mata sua jovem esposa na própria noite de núpcias, lacerando sua
garganta com os dentes.
Para Edgar
Allan Poe, o amor é uma avidez de conhecimento absoluto, que coincide com a destruição
e a morte. Em Berenice, o homem é um
vampiro material que procura o sabor de sua paixão louca no fundo de uma
sepultura e crava os dentes na defunta Berenice para conservar uma
ensanguentada recordação de amor.
Honoré de
Balzac conta em Le Centennaire a história
do conde Maxime de Beringheld, que prolongava indefinidamente a sua vida
matando mulheres jovens e nutrindo-se do seu sangue.
Existem
narrativas terrificantes sobre vampiros, também devidas a autores menores como
Eugène Sue, Bram Stoker (criador do célebre Drácula, o vampiro mais popular do
cinema, na interpretação de Bela Lugosi), Lê Fanu, Gaston Léroux e muitos
outros, mas a realidade chega a ser mais assustadora, Há alguns anos vivia em
Praga, Checoslováquia, uma mulher que em sua juventude amou um vampiro. Daquela
funesta paixão nasceu um totenkind,
um filho de tumba. Quando jovem, Petra Vucek era muito bela. Muitos a cortejavam
e ela conheceu o seu amado durante uma festa ao ar livre. Decidiu que aquele
devia ser seu homem. Mas ficou horrorizada quando foi mordida pela primeira
vez.
Mamãe morte
Não poderia
fazer outra coisa que abandonar o rapaz. E o fez. Mas tinha já dentro de si a
semente de um outro terror, um mal
vourdalek ou, para usar a expressão eslava mais comum, um vampirevich — filho de vampiro. Karel
Vucek cresceu com sua mãe, que trabalhava para mantê-lo. Parecia um garoto
normal, mas Petra sabia que não era verdade e esperava, com angústia, que ele
se manifestasse. Passaram-se anos de agonia, antes que o "garoto ameaçasse
morder. Foi uma menina da mesma idade que Karel, a primeira vítima. Quando
Petra soube do fato, não disse nada ao menino. Experimentou quase uma sensação
de alívio: finalmente a espera acabara.
Num domingo
de agosto, vestiu o filho com a roupinha mais bonita e o levou fora da cidade,
numa localidade acima do rio Vltava, muito conhecida dos namorados pelos passeios
de barco. Petra alugou um barco. Quando voltou à margem estava só. Não procurou
esconder seu crime, foi presa. Ficou 20 anos na cadeia. No fim da vida, era uma
velhinha como tantas outras, mas lembrava bem a sua história e não hesitava em
contá-la. Só uma coisa a perturbava: o apelido que lhe deram no bairro onde
vivia e que os moleques lhe gritavam: mamãe
morte.
---
Fonte:
Planeta, nº 06. Editora Três. São Paulo, fevereiro de 1973, págs. 31-42.
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