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sábado, 16 de julho de 2016

Semiologia e Linguística

Semiologia e Linguística
Em várias passagens de suas obras, Claude Lévi-Strauss sugere que uma regra elementar, a da proibição do incesto, ao ordenar um "instinto" biológico, efetua uma ruptura entre o universo das coisas naturais — domínio da Natureza —, e o universo das práticas sociais humanas — domínio da Cultura —. Se aceitarmos tal distinção, poderemos isolar duas características da cultura:
(a) pertence ao universo da cultura tudo o que o homem acrescentou à Natureza,  através  do seu trabalho transformador;
(b]  pertence  ao universo  da  cultura  tudo  o que  não  é  hereditário, mas é aprendido pelo homem.
A aprendizagem, a conservação, a transformação e a transmissão da cultura realizam-se através de uma grande variedade de práticas sociais. As práticas sociais organizam-se para expressar a cultura das comunidades humanas assumindo a condição de sistemas de signos para transmitir essa cultura de um indivíduo para outro, de uma geração para a geração seguinte.
A ciência que estuda os sistemas de signos, quaisquer que eles sejam e quaisquer que sejam as suas esferas de utilização, chama-se Semiologia ou Semiótica.
A Semiótica não estuda, como se vê, nenhum tipo de "realidade natural", mas sim a "realidade cultural" de uma comunidade, todas as espécies de sistemas sígnicos que o homem construiu ao longo dos séculos.     O  objeto  da Semiótica  é  estudar  um  "conhecimento"  da realidade fenomênica, tal como ele se espelha nos diferentes sistemas linguísticos   que   re-criam   —   no  sentido   literal,   criam   de   novo   — essa realidade.    Os mitos e os quadros de pintura, o alfabeto Morse e os sistemas de relações de parentesco, os cardápios e as peças musicais, as modas indumentárias e os processos de adivinhação, as instituições, como o Direito e os jogos desportivos, possuem todos uma série de propriedades específicas que os investe de um papel social: são,  todos,  linguagens no sentido mais vasto da palavra.     Essas linguagens   são   capazes   de   expressar,   sob   diferentes   modalidades   de substâncias   significantes,   o   mesmo   significado   básico;   todos   esses sistemas sígnicos  exprimem  aspectos  de  uma  particular  modelização do mundo, uma imago mundi intuída pela sociedade que criou esses sistemas.    É na medida em que estuda tais sistemas que a Semiótica "constitui   a   ciência   das ideologias"   (Rey-Debove,   1971a,   6-7),   no seu  plano   de   conteúdo,  constituindo,   ao   mesmo   tempo,   a   ciência das retóricas, no seu plano de expressão.
Assim como a relação entre o homem e o mundo vem mediatizada pelo pensamento, a relação entre um homem e outro homem, dentro de uma sociedade, vem mediatizada pelos signos. Para que o pensamento transite de uma para outra subjetividade, deve ele formalizar-se em signos. Os signos são, por um lado, suportes exteriores e materiais da comunicação entre as pessoas e, por outro lado, são o meio pelo qual se exprime a relação entre o homem e o mundo que o cerca. A organização social dessas mediações atribui às linguagens a função de sistemas modelizantes.
Com relação ao caráter ideológico dos sistemas sígnicos em geral e das línguas naturais (português, francês, italiano, etc.) em particular, ressaltemos, com Ivanov (1969.41 s.s.) que a sociedade é a fonte produtora das ideologias. Internalizada como mecanismo de primeira sociabilização no psiquismo de cada indivíduo na fase da sua aprendizagem, a língua natural carrega consigo os valores da sociedade de que esse indivíduo c membro; assim, ao aprender a língua do seu grupo, cada indivíduo assimila também a sua ideologia (= sistema de valores grupalmente compartilhados).
Desse modo, o comportamento dos indivíduos sociais é duplamente "programado" (no sentido cibernético):
(a)  por um código genético, herdado  de  seus antepassados;
(b)   por um código linguístico-ideológico, aprendido do seu grupo.
É assim que a língua falada por cada um de nós equivale, também, a um instrumento a serviço do controle comportamental que cada grupo social exerce sobre a atuação de cada um de seus membros. Este é um dos sentidos mais importantes das palavras modelização e sistemas modelizantes, aplicadas aos códigos simbólicos.
É claro que os falantes dessas linguagens não têm consciência da complexa interação de fatores psicossociais envolvidos no mais simples processo de comunicação. E esta é, talvez, a mais importante tarefa dos estudos semióticos: fazer-nos tomar consciência da condição mental (e cultural) da existência humana. (Cf. Weis-gerber, apud Hörmann, 1972.47)
A Linguística, que faz parte da Semiótica, estuda a principal modalidade dos sistemas sígnicos, a das línguas naturais.


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Fonte:
Fundamentos da Linguística Contemporânea, por: Edward Lopes. Editora Culturix. São Paulo, 1995, 15-17.