domingo, 10 de julho de 2016

Versificação

Versificação
1 —     Que é versificação?

R —     Versificação é a arte de fazer versos.

2 —     E o que é verso?

R — Verso é o nome que se dá a cada linha da poesia. Essa linha sempre deve ter ritmo e certo número de sílabas (é o metro). Eis exemplo de um verso:

"Minha terra tem palmeiras
Eis outro verso:
Onde canta o sabiá;
E mais outro:
As aves que aqui gorjeiam,
Ainda outro:
Não gorjeiam como lá."
(Gonçalves Dias)

3 — Se verso é o nome de cada linha poética, como se chamarão os quatro versos juntos?

R — O conjunto de versos se chama estrofe ou estância. A estrofe de 2 versos chama-se dístico; de 3, terceto; de 4, quadra ou quarteto; de 5, quintilha; de 6, sextilha; de 7, setilha (muito rara); de 8 oitava; de 9 (muito rara, não tem designação própria); de 10, décima; com mais de dez versos são raras. Quando o verso se repete no fim das estrofes, temos o estribilho, muito comum no rondó e na balada.

4 — Verso já entendi; e aquilo de ritmo e metro?

R — É que o verso deve ter metro, ritmo e rima. Destes, os mais importantes são os dois primeiros: o metro e o ritmo.

5 — Então, para que eu possa entender tudo muito bem, comecemos pelo metro.

R — O metro é a extensão da linha poética, é o número de sílabas do verso. Na nossa língua, a poesia tradicional só admite versos de uma a doze sílabas. Os poetas modernos, no entanto, já compõem versos com mais de doze sílabas (são os chamados versos bárbaros). As sílabas de um verso se denominam sílabas métricas.

6 — Sílaba?! Ah, isso eu já sei, é fácil!

R — Você sabe o que são sílabas gramaticais, mas estas são diferentes das sílabas métricas. Nem sempre elas coincidem.

7 — Então, como é que se faz a contagem das sílabas métricas?

R — A contagem das sílabas métricas se faz auditivamente e obedece a estes critérios:

1) quando houver vogal no fim de uma palavra e vogal no início da palavra seguinte, formando ditongo (grande amor) ou crase (minha alma) haverá uma só sílaba métrica;

2) no verso, a contagem de sílabas métricas se faz somente até a sílaba tônica da última palavra. Portanto, se a palavra for paroxítona, você não conta a última sílaba (por exemplo: castelo); se for proparoxítona, as duas últimas sílabas são desprezadas (por exemplo: lágrima). Os versos que terminam por palavras oxítonas ou monossílabas são chamados agudos; por paroxítonas, graves e por proparoxítonas, esdrúxulos;

3) os ditongos crescentes, geralmente, formam uma só sílaba métrica: pá-tria, gló-ria, dei-xa, a-cor-dou, su-biu, lábios;
4) os hiatos mantêm, em geral, as vogais separadas: ru-í-do, bo-a, re-cu-a, ven-ta-ni-a.

8 — Vamos ver, na prática, como fica isso tudo?

R — Tomemos os versos já vistos. Dividindo-o em sílabas métricas, fica:
"Minha terra tem palmeiras

"Mi
nha
ter
ra
tem
pal
mei
ras
1
2
3
4
5
6
7

 Onde canta o sabiá;
"On
de
can
ta
o
sa
bi
á
1
2
3
4

5
6
7
As aves que aqui gorjeiam,
"As
a
ves
que
a
qui
gor
jei
am,
1
2
3
4

5
6
7

Não gorjeiam como lá."
"Não
gor
jei
am
co
mo
Lá"
1
2
3
4
5
6
7

Note que em todos os versos há sete sílabas métricas e que a contagem destas só chega até a sílaba tônica da última palavra do verso.
Escandir um verso é fazer o que fizemos: dividi-lo em sílabas métricas.

9 — Se o verso pode ter de uma a doze sílabas, é natural que cada um deles recebe nome especial, não é?

R — Exatamente. Vejamos os nomes dos mais comuns:
— versos de 5 sílabas chamam-se pentassílabos ou redondilhas menores;
— versos de 6 sílabas chamam-se hexassílabos;
— versos de 7 sílabas chamam-se heptassílabos ou redondilhas maiores;
— versos de 8 sílabas chamam-se octossílabos;
— versos de 9 sílabas chamam-se eneassílabos;
— versos de 10 sílabas são de dois tipos: heróicos e sáficos;
— versos de 11 sílabas chamam-se hendecassílabos e
— versos de 12 sílabas chamam-se dodecassílabos ou alexandrinos.

10 — Veja o que estou pensando agora: às vezes o poeta quer que na sua poesia os versos tenham... dez sílabas, por exemplo.  É fácil para que ele consiga isso?

R — Não, não é muito fácil, mas os poetas podem recorrer a vários processos para que o metro seja perfeito. Eis os principais:

— a crase: é a fusão de duas vogais numa só: minha alma (mi-nhal-ma), pode exalar (po-de-xal-tar);
a elisão: é a queda da vogal átona final de uma palavra, quando a seguinte começa por vogal: canta um (can-tum), minha infância (mi-nhin-fân-cia);
— a ditongação: é a fusão de uma vogal átona final com a seguinte, formando ditongo: grande amor (gran-dia-mor), meigo amigo (mei-gua-mi-go);
— a sinérese: é a transformação de um hiato em ditongo: cru-el-da-de (cruel-da-de); vi-o-le-ta (vio-le-ta);
— a diérese: é a transformação de um ditongo em hiato: sau-da-de (sa-u-da-de), vai-da-de (va-i-da-de);
— a ectlipse: é a queda de um fonema nasal final para que haja crase ou ditongação: com o (co), com os (cos), com a (côa), com as (côas);
— a aférese: é a queda de sílabas ou fonema inicial: inda (em vez de ainda), stamos (em vez de estamos).

11 — Parece que já vimos tudo sobre metro. Passemos, então, ao ritmo do verso.

R — O ritmo é a música do verso. Para que um verso tenha ritmo, usam-se sílabas fortes e sílabas fracas, com intervalos regulares. A sequência rigorosa dessas sílabas é que dá ao verso música, harmonia e beleza. Quando se fala em ritmo, há um verso que merece especial atenção: é o decassílabo.

12 — Desculpe-me, mas já me esqueci disso. Que é mesmo verso decassílabo?

R — Verso decassílabo é aquele que tem dez sílabas métricas. Nesses versos, o acento pode estar na 6ª e 10ª sílabas (é o verso heroico) ou na 4ª, 8ª e 10ª sílabas (é o verso sáfico).

13 — Vamos então separar as sílabas métricas de cada um para ver?

R — Eis o verso heroico (acentos na 6ª e 10ª sílabas):

"Só a   le ve es pe ran ça em to da a vi da.
 (Vicente de Carvalho)
Agora, o verso sáfico (acentos na 4ª, 8ª e 10ª sílabas):
"Dis far ça a pe na de vi ver, mais na da."
 (Vicente de Carvalho)
Não juntamos as sílabas do verso heroico (só a), porque a sílaba termina por vogal tônica, razão pela qual não se deve juntá-la à seguinte.

14 — Só os versos decassílabos é que são importantes? Não há outro que mereça pelo menos uma citação?

R — Os realmente importantes (porque mais aparecem e ficaram famosos com "Os Lusíadas") são os decassílabos. Mas não podemos esquecer os versos de doze sílabas ou alexandrinos. Estes podem ter acentos na 6ª e 12ª sílabas (é o verso alexandrino clássico) ou na 4ª, 8ª e 12ª sílabas (é o alexandrino moderno).

Exemplo de alexandrino clássico:
"Tu fos te co mo o sol u ma fon te de vi da"
(Olavo Bilac)
Exemplo de alexandrino moderno:
"É o cho ro sur do en tre cor ta do do ba tu que"
(Cassiano Ricardo)
Note a 1ª sílaba métrica desse verso: (É o), um recurso usado pelo autor.

15 — E a rima? Ê importante haver rima num verso?

R — Rima é a identidade ou semelhança dos sons no meio ou no final dos versos.

16 — E os versos que não rimam como se chamam?

R — Versos que não rimam são chamados versos brancos ou versos soltos.

17 — Que mais sobre rima?

R — As rimas podem ser classificadas de acordo com seu valor em:

pobres: quando formadas entre palavras de mesma classe: amor e louvor (ambas são substantivos); olhar e calar (são verbos);
ricas: quando formadas entre palavras de classes diferentes: arde e covarde (uma é verbo; outra, adjetivo); penas e apenas (uma é substantivo; outra, advérbio);
preciosas: quando se usam três palavras para formar a rima: vê-la e estrela; vê-lo e novelo;
raras: quando formadas com palavras que dificilmente rimam com outras: cisne e tisne, estirpe e extirpe (são raras ás palavras que assim terminam e possam rimar).

18 — A s rimas recebem nomes especiais, quanto ao lugar que ocupam na estrofe?

R — Quanto ao lugar que as rimas ocupam na estrofe, podem ser:

1) cruzadas ou alternadas: abab. Exemplo:
"De muita gente que existe,   a
Que nós julgamos ditosa,      b
Toda a ventura consiste,        a
Em parecer venturosa."         b
(Esta quadra é de origem popular, mas semelhante no significado à última estrofe do soneto "Mal secreto", de Raimundo Correia.)
Note como são cruzadas: um verso não rima com o seguinte, mas com o posterior a este.

2) emparelhadas: aabb. Exemplo:
"Uma noite estendi a música na estante                 a
E o cravo suspirou... Naquele mesmo instante,      a
Da ebúrnea palidez doentia do teclado                   b
 Manso e manso evolou-se o aroma do passado.   b
(Gonçalves Crespo)
Note que as rimas são paralelas, aparecem aos pares, uma logo depois da outra.

3)  interpoladas ou opostas: abba. Exemplo:
"Pinta-me a curva destes céus... Agora,          a
Ereta ao fundo, a cordilheira apruma:              b
Pinta as nuvens de fogo de uma em uma,       b
E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora."      a
(Olavo Bilac)
Observe que nas rimas interpoladas, os versos extremos é que rimam, havendo entre eles rimas emparelhadas.

4) encadeadas: quando o fim de um verso rima com o meio do seguinte. Exemplo:
"Voai, zéfiros mimosos
vagarosos, com cautela."
(Silva Alvarenga)

5) Se na poesia nenhum desses casos houver, as rimas são chamadas misturadas. Por exemplo:
"No outono a luz é um eterno poente,            a
Que mais à calma que ao rumor se ajeita;     b
Brilha.                                                             d
Tão de manso e calma,                                  c
Que parece unicamente feita                          b
Para o estado d'alma                                      c
De um convalescente."                                   a
(Mário Pederneiras)



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Fonte:
Português... bem mais fácil, por: Luiz Antônio Sacconi. Editora Atlas. São Paulo, 1972,m págs. 252-257.

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