O texto Jornalístico
Ouve-se
dizer, de várias maneiras, que a palavra está morrendo. Há perto de 20 anos,
esta versão da realidade foi tão difundida que as autoridades educacionais
brasileiras, sempre atentas às teorias que surgem no meio acadêmico, correram a
mudar o nome dos cursos de Português para Expressão Oral e Escrita, por temor
de que os jovens se estivessem condenando, não apenas ao analfabetismo, mas ao
silêncio eterno.
A morte do
idioma nos meios audiovisuais é pura fantasia. Não só eles falam como neles se
escreve: um programa de televisão, antes de ir ao ar, passa, numa produção
competente, por diversas versões em sinopses, roteiros e scripts. Todos os componentes — cenários, enquadramentos de câmara,
deslocamentos de equipe, temas e estratégia das entrevistas, cabeças de repórteres — são textos que
se transformam em produto.
Se na
organização produtora nunca se escreveu e leu tanto, também não há indicações
de recessão na indústria de textos para consumo público. As editoras de livros
se multiplicam e, se os jornais vendem proporcionalmente menos em parte do
mundo, isto se deve a táticas editoriais que não correspondem à demanda de
conceitos: a civilização da imagem coloca a população diante da necessidade de
conceituar o que é exposto, porque digitalizar a informação analógica recebida
é próprio da inteligência humana.
A produção
de textos pressupõe restrições do código linguístico. A redução do número de
itens léxicos (palavras, expressões) e de regras operacionais postas em jogo
não apenas facilita o trabalho, mas também permite o controle de qualidade. A
literatura não escapa de tais restrições, ora dispondo sobre métrica e rimas de
um soneto, ora impedindo que poesia moderna tenha as mesmas métrica e rimas. É
desta maneira que se definem os gêneros, dentro dos quais se fixam padrões de
aceitabilidade e excelência para romances, odes ou martelos agalopados.
O jornalismo
não é, porém, um gênero literário a mais. Enquanto, na literatura, a forma é
compreendida como portadora, em si, de informação estética, em jornalismo a
ênfase desloca-se para os conteúdos, para o que é informado. O jornalismo se
propõe processar informação em escala industrial e para consumo imediato. As
variáveis formais devem ser reduzidas, portanto, mais radicalmente do que na
literatura.
Isto pode
ser conseguido de várias maneiras. Requerimentos e cartas comerciais são
exemplos de textos que suprimiram variações significativas através de fórmulas congeladas que, com o tempo, chegam a se
diferenciar da língua corrente, como rituais em cujo sentido ninguém presta
atenção. Para impedir que isso ocorra com o texto jornalístico, ele precisa ser
submetido constantemente à crítica, que remove o entulho e repõe vida nas
palavras. Uma atividade crítica que, se aplicada nos cartórios, substituiria
"Venho, pelo presente, solicitar a V. S.a..." por
"Peco-lhe"; e consideraria insensato escrever "Nestes termos,
peço deferimento", por absoluta impossibilidade de alguém não querer o
deferimento do que requer, ou pretender o deferimento em outros termos que não
os seus.
O texto
jornalístico procura conter informação conceituai, o que significa suprimir
usos linguísticos pobres de valores referenciais, como as frases feitas da
linguagem cartorária. Sua descrição não se pode limitar ao fornecimento de
fórmulas rígidas, porque elas não dão conta da variedade de situações
encontradas no mundo objetivo e tendem a envelhecer rapidamente. A questão
teórica consiste em estabelecer princípios (a) tão gerais que permitam a
constante atualização da linguagem e (b) relacionados com os objetivos, o modo
e as condições de produção do texto.
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Fonte:
Linguagem Jornalística, por: Nilson Lage. Editora Ática, 4ª Edição. São Paulo, 1993, págs. 34-36.
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