Língua, dialeto e falar
Não se pode
discorrer sobre geografia linguística sem mencionar alguns conceitos
fundamentais, como os de língua, dialeto
e falar. Para Manuel Alvar — um dos
mais eminentes dialectólogos da atualidade — língua é o
"sistema linguístico de que se utiliza uma
comunidade falante e que se caracteriza por ser grandemente diferenciado, por possuir
alto grau de nivelação, por ser veiculo de I tradição literária e, às vezes,
por ter-se imposto a linguísticos de sua própria origem".
Já dialeto pressupõe um
"sistema divergente de uma língua comum, viva
ou desaparecida, normalmente com uma concreta limitação geográfica, mas sem
forte diferenciação frente a outros de origem comum".
Ao
conceituar falar, distingue os
falares regionais cm relação aos falares locais. Os primeiros caracterizam-se
por serem as peculiaridades expressivas próprias de uma região determinada, que
carecem da coerência interna que possui o dialeto. São, portanto,
peculiaridades regionais da língua comum. Os segundos constituem
"estruturas linguísticas de traços pouco
diferenciados, mas com matizes característicos dentro da estrutura regional a
que pertencem e cujos usos estão limitados a pequenas circunscrições geográficas,
normalmente de caráter administrativo".
Embora Alvar
tenha procurado definir, com rigor, tais variantes diatópicas, na prática se
torna difícil estabelecer uma precisa diferença entre dialeto e falar, tanto
que alguns linguistas questionam os critérios — muitos deles de cunho extralinguístico
— em que baseiam tais diferenciações.
Nota-se, no
entanto, forte tendência a empregar-se o termo "dialeto" em sentido
mais amplo, ou seja, o de considerar-se dialeto como sendo qualquer variedade linguística
— quer de natureza geográfica, quer de cunho social — que constitua um
subsistema singular, unitário.
Isso
significa que se pode denominar de "dialetos" tanto a variedade
falada numa região do país quanto as usadas por cada um dos segmentos que
constituem a população que ali vive, desde que se determinem os traços que as
particularizam, isto é, as normas que as caracterizam.
Neste livro,
no entanto, utilizar-se-á o termo "falar" (no sentido em que o define
M. Alvar), consagrado na dialectologia brasileira, desde que, em 1953, Antenor
Nascentes reformulou sua proposta de classificação das variantes linguísticas
brasileiras (vide capítulo 4 deste livro).
O interesse
científico pela questão da língua como conjunto de variedades só tendeu a
crescer a partir do momento em que Gilliéron lançou as bases da geografia
linguística. Hoje — quando se pensa até na possibilidade de se elaborarem
gramáticas poliletais (gramáticas que incorporam mais de uma variedade) — vasta
bibliografia teórica, inúmeras descrições e análises vinculadas à
dialectologia, à sociolinguística e à etnolinguística comprovam a crescente
preocupação em caracterizar e explicar diferenças diatópicas, diastráticas e
diafáticas, no sentido de melhor se conhecerem os diassistemas e se determinarem
os fatores internos e externos que contribuem para sua polimorfia.
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Fonte:
A Geografia Linguística no Brasil, por: Silvia Figueiredo Brandão. Editora Ática, 1991, págs. 12-14.
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