O cronista deve prestar atenção ao banal
A crônica de
Lourenço Diaféria, tomando por base o cenário paulista, segue outra vertente do
humorismo: a precedência do fato sobre os personagens que o vivem.
Jornalisticamente, o narrador confere mais importância ao acontecimento em si,
porque é a partir dele que depreenderemos o lado risível de cenas que se
repetem no dia-a-dia, embora vividas por atores diferentes. É bom lembrar que
Stanislaw Ponte Preta assume outra estratégia, representando outra vertente,
pois ele é o grande construtor de tipos que representam a índole do povo
brasileiro, mostrando ao leitor que os fatos que aqui acontecem são o produto
de um caráter diversificado, mas sem o necessário equilíbrio. O caos urbano e
visto por Sérgio Porto como consequência de um país formado por moçoilas ávidas
de prazer e fama, rapazinhos ingênuos, políticos incultos e altamente
corruptíveis, enfim, toda uma galeria de seres sem o conteúdo humano capaz de
unificar nosso caráter, tornando-nos mais fortes, mais representativos de uma
nação habilitada a governar o seu destino. Um enfoque mais pessimista, sem
dúvida, na medida em que o realismo do cronista Ponte Preta revela o quanto é
difícil mudar o rumo das coisas onde prevalece uma mentalidade amarrada a
insólitos padrões.
Lourenço Diaféria
se mostra mais otimista: consciente de que sua função é prestar atenção ao
banal, ele deixa de lado os tipos (mais duradouros e, portanto, índices de uma
situação difícil de ser mudada) e focaliza os acontecimentos (mais efêmeros e,
assim, com possibilidades de não acontecer de novo). Esses acontecimentos são
narrados em textos organizados de forma que não haja lacunas impedindo o leitor
de visualizar a totalidade cênica. Repórter com pleno domínio da reportagem, ele
vai juntando os retalhos da informação, costurando-os com a linha invisível que
torna o relato verossímil, uma vez que é estruturado de acordo com as leis da
coerência interna do texto, onde as peças são ajustadas como se fizessem parte
de um quebra-cabeça montado pelo cronista. B claro que as peças não são
reunidas ao acaso, pois o escritor procura sempre explorar a polissemia das
palavras e o silêncio do discurso.
Essa
predominância do fato sobre os personagens pode ser vista nas cinco crônicas
que têm por título "Os gatos pardos da noite", formando o núcleo do
livro Um gato na terra do tamborim.
Já na apresentação — que Diaféria ironicamente chama de "Curriculurn mortis do autor" — ele
afirma que vai "tentar decifrar as besteiras que todos os dias se cometem
por aí", atingindo "os desvalidos, os chutados, os amofinados, que se
equilibram nos muros da vida, os operários com e sem marmita, e as meninas
enfurnadas em salas escuras sobre infinitas costuras — que não têm tempo, nem
saco, nem dinheiro para fazer masturbação mental em frente de um copo de
uísque".
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Fonte:
A Crônica, por: Jorge de Sá. Editora Ática, 4ª Edição. São Paulo, 1992, págs. 38-39.
Fonte:
A Crônica, por: Jorge de Sá. Editora Ática, 4ª Edição. São Paulo, 1992, págs. 38-39.
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