quinta-feira, 7 de julho de 2016

Não vejo outra saída a não ser a democracia

Não vejo outra saída a não ser a democracia
É ESTRANHO MAS, DESDE aqueles três dias de agosto, cada dia que passa me parece uma semana. Estou acabando de pôr em ordem minhas ideias desde que voltei a Moscou vindo do sul, e só se passou um mês desde o golpe. Apenas um mês, mas quanta coisa aconteceu, quanta coisa mudou desde lá.
O golpe foi esmagado. Os democratas estão comemorando a vitória, mas a vida exige ação, exige decisões muito bem pensadas e não ortodoxas. O povo está insatisfeito com a vida difícil, sentindo que não há meio de melhorar. É aí que mora o perigo. Foi exatamente esse aspecto que os organizadores do golpe tentaram explorar. É por isso que não temos tempo a perder. Precisamos agir, levar adiante o processo de reformas e dar liberdade econômica ao povo, e então ele mesmo terá condições de realizar seu potencial. Temos muito o que aprender — aprender a lidar com política, economia e com a vida do Estado. E sob esse aspecto os democratas ainda estão crus.
Todos nós temos muito o que aprender, para que possamos governar nos moldes da democracia, da política e, principalmente, do pluralismo econômico.
Caso contrário, a paciência do povo se esgotará e então haverá uma incontrolável explosão de descontentamento e desordem: aí sim, poderemos nos preparar para o pior. Não menos perigosa para a realização dos nossos planos seria a reação resultante do cansaço do povo, traduzida em sentimentos de frustração, indiferença e apatia, o que poderia simplesmente bloquear nosso avanço rumo à economia de mercado.
Eu dividiria em dois grupos o conjunto de problemas que nos afligem no momento. Um deles é o grupo dos problemas atuais — abastecimento de alimentos, organização do sistema de distribuição de energia e combustíveis, e solução para a falta de medicamentos. O outro bloco de problemas refere-se à criação de condições para o desenvolvimento da empresa privada e uma efetiva aceleração das reformas econômicas. Só atuando paralelamente na solução de ambos os grupos de problemas é que conseguiremos sobreviver ao inverno e à primavera, obter o efeito desejado com a implementação das reformas e começar a sair da crise.
O mais importante agora é como sobreviver até a primavera, como atravessar o inverno. Todo o resto, exceto estes dois grupos de problemas, é uma questão de avançar mais rapidamente rumo à economia de mercado e estimular a livre empresa.
Mas, para que as reformas tenham êxito, é preciso que o povo acredite nelas. Sem a colaboração do povo, as reformas não sairão do chão, tudo continuará na mesma. Ou então, ao contrário, poderia haver uma forte reação em face da piora das condições de vida, o que constituiria um duro golpe desferido contra a democracia.
Lembro-me de quando, ao voltar de uma reunião com o secretário de Estado dos EUA, fui abordado por um grupo de pessoas e começamos a conversar. O interessante é que ninguém se queixou das dificuldades. Diziam, é claro, que elas não eram poucas, mas que o povo estava disposto a ficar unido, a suportar a experiência e apoiar a política de reformas até o fim. Esse tipo de apoio nos dá forças.
Nossas possibilidades são imensas, e este não é um chavão, um mero clichê. Tenho ouvido esta frase repetidas vezes de estrangeiros que conversam comigo. Eles dizem: vocês têm tudo — um povo culto e imensos recursos materiais — o que lhes dá condições de se tornarem um país rico. E nós temos mesmo de nos tornar um país rico. Repito: temos tudo para isso. Precisamos mudar, e então viveremos de outra maneira.
O que mais me preocupa é saber como viverão nossos filhos e netos, e os jovens que estão hoje com idade entre 15 e 20 anos. É aí que vejo o sentido de meu trabalho, pois, afinal de contas, foi por causa deles que tudo isso começou. As dificuldades não conseguiram nos assustar; sabíamos que haveria problemas sérios e complicados pela frente. Nós nos impusemos um objetivo: fazer com que as pessoas participassem do processo democrático e se sentissem gente de verdade. Isso já aconteceu, e é uma conquista da perestroika.
Mas também devem ser mudados o estilo e as condições de vida. É meu grande desejo que este povo, que tanto fez por esta terra, sentisse que finalmente seu tempo chegou — um tempo de felicidade.
Agora, quando se decide o futuro de nossa grande nação, o que menos penso é em mim mesmo. Por isso que me foi difícil, e ao mesmo tempo fácil, tomar uma decisão quando os conspiradores me apresentaram seu ultimato. Eu já havia feito minha escolha há muito tempo. Conspiradores podem agir sem se preocupar com os meios, mas eu não posso atingir meus objetivos de outro modo... A opção pela democracia me impossibilita de usar outros métodos. Caso contrário, seria uma inevitável repetição do passado, de tudo o que nós condenamos. Por mais complicados que sejam os problemas, eles devem ser resolvidos democraticamente. Não vejo outro caminho que não seja o da democracia.


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Fonte:
O Golpe de Agosto: a verdade e as lições, por: Mikhail Gorbachev. Tradução: Regina Amarante. Editora Best Seller. São Paulo, 1991, págs. 93-96.

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