Discurso, enunciação e contexto sócio-histórico
A teoria
semiótica examina a enunciação enquanto instância pressuposta pelo discurso, em
que deixa marcas ou pistas que permitem recuperá-la. Chega-se ao sujei-lo pelo
caminho do discurso, reconstrói-se a enunciação por meio da análise interna do
texto: certos procedimentos do texto marcam, nos diferentes patamares do
percurso gerativo, a relação entre o discurso c a enunciação pressuposta.
Podem-se citar, entre outros, a determinação axiológica, no nível das
estruturas fundamentais, o conflito ideológico instalado na narrativa entre os
destinadores do sujeito, os valores que o sujeito assume e suas paixões.
Mas é
sobretudo no nível das estruturas discursivas que a enunciação mais se revela,
nas projeções da sintaxe do discurso, nos procedimentos de argumentação e na
escolha dos temas e figuras, sustentadas por formações ideológicas.
A análise
interna do texto apreende esses aspectos e mostra que as escolhas feitas e os
efeitos de sentido obtidos não são obra do acaso, mas decorrem da direção
imprimida ao texto pela enunciação. Ressalta-se o caráter manipulador do
discurso, revela-se sim inserção ideológica e afasta-se qualquer ideia de
neutralidade ou de imparcialidade do texto.
O exame
interno do texto não é suficiente, no entanto, para determinar os valores que o
discurso veicula. Para tanto, é preciso inserir o texto no contexto de uma ou
mais formações ideológicas que lhe atribuem, no fim das contas, o sentido.
Pode-se
caminhar nessa direção e executar a análise contextual, desde que o contexto
seja entendido e examinado como uma organização de textos que dialogam com o
texto em questão. Assim concebido, o contexto não se confunde com o "mundo
das coisas", mas se explica como um texto maior, no interior de que cada
texto se integra e cobra sentido.
Reconstrói-se
a enunciação, por conseguinte, de duas perspectivas distintas e complementares:
de dentro para fora, a partir da análise interna das muitas pistas espalhadas
no texto; de fora para dentro, por meio das relações contextuais —
intertextuais do texto cm exame. A enunciação assume claramente, na segunda
perspectiva, o papel de instância mediadora entre o discurso e o contexto
sócio-histórico.
São muitas
as dificuldades de delimitação do contexto a ser considerado em cada análise
textual, mas é possível resolvê-las, em grande parte, e definir, pelo exame da
intertextualidade, a enunciação e o texto que ela produz.
A semiótica,
como se afirmou desde o início, procura hoje determinar o que o texto diz, como
o diz e para que o faz. Em outras palavras, analisa os textos da história, da
literatura, os discursos pó líticos e religiosos, os filmes e as operetas, os
quadrinhos e as conversas de todos os dias, para construir-lhes os sentidos
pelo exame apurado de seus procedimentos e recuperar, no jogo da intertextualidade,
a trama ou o enredo da sociedade e da história. Se os estudos do texto buscam,
em geral, os objetivos comuns de conhecimento do texto e do homem, a semiótica
pode, quem sabe, somar a outros os passos que tem dado nessa direção.
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Fonte:
Teoria Semiótica do Texto, por: Diana Luiz Pessoa de Barros. Editora Ática, 2ª Edição. São Paulo, 1994, págs. 82-83.
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