Alencar conversa com os seus leitores
Por: João Roberto Faria
Este volume
reúne uma boa parte dos primeiros textos escritos pelo nosso maior escritor
romântico. Pouco antes de se transformar no romancista que encantou o Brasil
com as aventuras de Peri e Ceei — O
Guarani é de 1857 —, José de Alencar exercitou a pena como cronista nos
jornais Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro.
Naqueles
tempos, a crônica chamava-se folhetim e não tinha as características que tem
hoje. Era um texto mais longo, publicado geralmente aos domingos no rodapé da
primeira página do jornal, e seu primeiro objetivo era comentar e passar em
revista os principais fatos da semana, fossem eles alegres ou tristes, sérios
ou banais, econômicos ou políticos, sociais ou culturais. O resultado, para dar
um exemplo, é que num único folhetim podiam estar lado a lado, notícias sobre a
guerra da Criméia, uma apreciação do espetáculo lírico que acabara de estrear,
críticas às especulações na Bolsa e a descrição de um baile no Cassino.
Visto por
esse ângulo, o folhetim pertencia ao jornalismo, por ser essencialmente
informativo e muitas vezes crítico. Por outro lado, a exigência de uma certa
elegância e leveza na maneira de escrever colocava o folhetinista a um passo da
literatura. Nas mãos de um grande escritor como Alencar, o folhetim jamais
deixou de ser um exercício literário. Ao mesmo tempo em que ele contemplou a
variedade de assuntos, achou lugar para o sonho, o humor, o devaneio, a
fantasia e as descrições exuberantes da natureza do Rio de Janeiro, que
revelavam desde então as qualidades do prosador que logo se afirmaria no
cenário nacional.
A estreia de
Alencar no Correio Mercantil ocorreu
em setembro de 1854, quando tinha 25 anos. Durante dez meses ele escreveu a
primeira série dos folhetins semanais intitulados "Ao correr da
pena", que projetaram o seu nome no meio intelectual e social do Rio de
Janeiro, então capital do Império. O prestígio como folhetinista rendeu-lhe o
convite para o cargo de redator-gerente do Diário
do Rio de Janeiro, onde trabalhou por quase três anos e publicou uma segunda
série de folhetins nos meses de outubro e novembro de 1855.
A leitura
desses textos é agradável, ainda hoje, por força do estilo brilhante do
escritor, e seu conteúdo revela uma série de transformações importantíssimas
pelas quais passava o Rio de Janeiro na ocasião. É toda a fisionomia de uma
cidade vivendo o seu primeiro grande momento de progresso e modernização em
moldes capitalistas, embora incipientes, que se desenha nas páginas de Alencar.
Não esqueçamos que a extinção do tráfico de escravos, em 1850, obrigara os
investidores a realocarem os recursos anteriormente destinados à compra dos
negros trazidos da África. E, como o assentamento dos capitais do tráfico
privilegiou a atividade comercial, a vida urbana entrou num período de franca
prosperidade.
Alencar não
só testemunhou essas transformações como foi um entusiasta do progresso. Nos
folhetins, mostrou-se maravilhado com as primeiras máquinas de costura
importadas dos Estados Unidos, louvou a iluminação a gás do Passeio Público,
deslumbrou-se com a viagem de trem a Petrópolis, orgulhou-se dos luxos da rua
do Ouvidor e não se cansou de mencionar os melhoramentos da cidade.
Alencar
parou de escrever os folhetins "Ao correr da Pena" no final de 1855.
À frente do Diário do Rio de Janeiro,
com novas e enormes responsabilidades, era de se esperar que deixasse de lado o
jornalismo leve, para cuidar unicamente dos artigos de fundo. Mas,
surpreendentemente, ele voltou ao gênero durante o ano de 1856, escrevendo mais
quatorze folhetins, aos quais deu três títulos — "Folhas soltas",
"Folhetim", "Revista" — e dois subtítulos — "Conversa
com os meus leitores", "Conversa com as minhas leitoras".
Até hoje
esses textos permaneciam esquecidos nas páginas do Diário do Rio de Janeiro e ignorados pelos biógrafos e estudiosos
de Alencar. Pois o leitor deste volume terá o privilégio de ler nove folhetins
inéditos, reunidos pela primeira vez numa publicação.
Há pontos
comuns entre as "Folhas soltas" e a produção anterior, como o
interesse pelos espetáculos líricos, bailes, passeios, moda, assuntos que são
comentados sempre com graça e bom humor. Mas há diferenças também. Os folhetins
escritos "Ao correr da pena" eram mais abrangentes, incisivos e
muitas vezes brilhantes nas análises de fatos políticos e econômicos. Já as
"Folhas soltas", escritas sem regularidade semanal, não tinham
compromisso com as "regras" do gênero. Quer dizer, podendo abordar os
assuntos sérios nos editoriais, Alencar ficou à vontade para soltar a
imaginação e escrever textos do mais puro devaneio. Nesse sentido, por não
cumprirem a exigência de passar em revista os principais acontecimentos da
semana, as "Folhas soltas" não são propriamente folhetins, mas crônicas, escritas
para entreter e divertir o leitor. Daí o tom ameno e brincalhão, de conversa
entre amigos, desses textos leves e despretensiosos, que seguramente serão
apreciados por quem gosta de uma prosa ágil, inteligente e bem-humorada.
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Fonte:
Crônicas Escolhidas, por: José de Alencar. Editora Ática. Folha de S. Paulo. São Paulo, 1995, págs. 11-13.
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