Herói do mal
Por: Sandra Youssef Campedelli
(da Faculdade Ibero-Americana)
(da Faculdade Ibero-Americana)
Um "cabra decidido".
Matador. Um "cabra valentão".
Saqueador, matador a
sangue-frio. Sem dó nem piedade.
Um homem belo, insinuante.
Dono de basta, negra cabeleira:
"Fecha porta, gente,
Cabeleira aí vem,
Matando mulheres,
Meninos também"
(p. 13)
Matador. Um "cabra valentão".
Saqueador, matador a
sangue-frio. Sem dó nem piedade.
Um homem belo, insinuante.
Dono de basta, negra cabeleira:
"Fecha porta, gente,
Cabeleira aí vem,
Matando mulheres,
Meninos também"
(p. 13)
O Cabeleira
é a saga de um herói do mal, cujas atrocidades abalaram o Pernambuco do século
XVlll. Cantado em mil canções por trovadores anônimos, José Gomes, o Cabeleira,
oscila entre dois polos: de um lado, a intrínseca pureza d'alma, legado de sua
mãe Joana; de outro, a trilha do crime, que o pai, Joaquim Gomes, lhe outorgou.
Mas como a
pobre Joana poderia conter a sanha assassina de Joaquim e salvaguardar seu
filho José do banditismo? Não poderia: Joaquim arrasta o garoto para o crime,
em princípio treinando-o a matar passarinhos; depois, treinando-o a matar
gente.
O cangaceiro
Lampião e o cangaço em geral têm no Cabeleira seu ancestral antecedente.
Nem falta ao
romance a figura doce da menina amada pelo garoto José na infância, que, mulher
feita (e mulher bela), constitui mais tarde ponto de ponderação para o herói
malvado.
De fato,
Luisinha, surpreendida pelo Cabeleira numa praia solitária, vem a ser a reminiscência
da figura materna. Desperta no jovem matador sentimentos recônditos, de uma
vida tranquila, de um passado remoto.
Tarde
demais, porém.
Procurado
por toda a parte, perseguido como animal, o Cabeleira não poderá se regenerar,
como havia decidido.
Para a
sobrevivência, era imprescindível matar; para conservar Luisinha ao seu lado,
era imprescindível abdicar da vida criminosa, errante, de assassinatos e
saques.
Deixar de
ser Cabeleira; voltar a ser José Gomes: só se entregando, cumprindo pena, pagando o preço de
tantos crimes.
Sem
Luisinha, que morre nas andanças pelo sertão, Cabeleira torna-se herói
solitário. Sem eira nem beira, acaba sendo encontrado pelos seus perseguidores
no meio de um canavial.
A prisão. A condenação.
A forca.
Fim do herói
do mal. Dividido desde o começo entre duas forças, o Cabeleira age sempre
teleguiado pelo pai:
"Minha mãe me deu
Contas para rezar.
Meu pai me deu faca
Para eu matar" (P- 42)
Contas para rezar.
Meu pai me deu faca
Para eu matar" (P- 42)
O menino não
tem escolha. O poderoso pai molda sua personalidade.
Trazida a
público por Franklin Távora como história verídica ("O Cabeleira não é uma
ficção, não é um sonho, existiu e acabou como aqui se diz" — p. 137), este
romance tem um quê de moralista, um quê de didático, um quê de histórico. Falta
ao narrador
um pouco mais de caráter científico. Sobejam na narrativa as cenas de sangue,
de morte, de violência.
No entanto,
se há excessos e faltas, Q Cabeleira iniciou o regionalismo no Brasil. No afã
de lançar a "literatura do norte", Franklin Távora fez emergir o
Norte, com sua paisagem, seu linguajar, seu povo, seu status quo.
Aí está,
portanto, a estaria de um herói dividido, solitário, violentador da sociedade,
punido por ela. Herói do mal, embora exímio tocador de viola, de voz dolente,
sentimental, capaz de comover senhoras com índole filantrópica.
O Cabeleira,
primeiro romance do cançago, nascido da necessidade que o Autor viu em mostrar
ao Brasil o rico filão . nordestino, tem, portanto, além do valor literário, um
valor histórico inalienável, fruto que é da pesquisa do escritor em sua
tentativa de bem documentar, para depois romancear.
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Fonte:
O Cabeleira, por: Franklin Távora. Editora Ática, 4ª Edição. São Paulo, 1981, págs. 5-6.
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