As gerações românticas
Por:
Valentim Facioli
Como o
Romantismo durou quase meio século, foram muitos os autores que escreveram sob
sua influência. Esses autores apresentam diferenças e semelhanças entre si. Por
isso, com base principalmente nas diferenças, podemos agrupá-los em gerações,
isto é, grupos de autores que se assemelhem e tenham vivido mais ou menos no
mesmo período, e, ao mesmo tempo, se diferenciem de outros. Vamos, agora, ver
quais são os aspectos principais que caracterizam as três gerações de
românticos brasileiros.
Primeira
Geração; Predomínio do nacionalismo e patriotismo, através da
"descoberta" de aspectos característicos da paisagem local, nacional
e tropical, onde se realça o típico, o exótico e a beleza natural, exuberante,
em oposição à paisagem e natureza europeias. Aparecimento do indianismo, tanto
na poesia lírica quanto na tentativa de produção de uma poesia épica. O índio,
tomado já como lenda e mito do passado colonial ou anterior à descoberta, é
encarado como elemento formador do povo brasileiro, como nas obras de Gonçalves
Dias e Gonçalves de Magalhães. Forte religiosidade (oficialmente católica) que
identifica as possibilidades da poesia romântica com o sentimento cristão, em
oposição ao "paganismo" da poesia neoclássica ligada à tradição
greco-latina. Poesia amorosa, idealizante e fortemente sentimental, marcada por
certa influência da lírica portuguesa, a medieval, a camoniana, e a dos
românticos (Garrett, principalmente). Quanto às formas poéticas, há renovação
em relação ao passado, na linguagem literária propriamente, no uso do ritmo, da
rima, na liberdade de versificação e na livre invenção da estrutura poemática,
a fim de alcançar maior expressividade e adequação aos temas. Essa geração de
poetas viveu o "sentimento de missão", especialmente no sentido de se
identificar com o projeto de "construção" do país novo, por isso
mesmo que "inventou" os principais temas nacionalistas/patrióticos.
Chegou a praticar um certo antilusitanismo, mas, principalmente, pendeu para o
oficialismo e conservadorismo da postura, alinhando-se com a política
"estabilizadora" do início do Segundo Reinado, fixando traços
passadistas e contribuindo para a consolidação da ideologia oficial do Império
agrário-escravocrata, embora repisando, corno retórica apenas, o tema da
liberdade, e vários dos valores e crenças a que nos referimos anteriormente.
Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto Alegre são as principais figuras desta
geração.
Segunda
Geração: A maioria das características da geração anterior, em geral, permanece
nesta (exceto o indianismo, que passa a ser o grande tema do romance de
Alencar, final de 1850 e durante a década seguinte), mas há um deslocamento
importante da ênfase. Quer dizer, o que fora predominante passa a ser
"influência" que permanece secundariamente, e os poetas assumem agora
um extremo subjetivismo, passando à imitação de outros poetas europeus (Lord
Byron, inglês; Alfred Musset, francês, especialmente), centrando-se numa
"temática emotiva de amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e
tédio". A evasão e o sonho caracterizam o egotismo dessa geração, isto é,
o culto do EU, da subjetividade, através da tendência para "o devaneio, o
erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da
morte, a depressão, a auto-ironia masoquista".
O byronismo
aparece através da figura do homem fatal, de faces pálidas, macilentas, olhar
sem piedade, marcado pela melancolia incurável, desespero e revolta,
conjuntamente com a imagem do poeta genial, mas desgraçado e perseguido pela
sociedade, condenado à solidão, incompreendido por todos, desafiando o horror
do próprio destino. O mal do século, uma doença indefinível, entedia e faz
desejar a morte como a única via de libertação. Na verdade, a imagem de uma
contradição insolúvel entre o excesso de energia interior, do eu, a procura do
absoluto, e os limites das condições reais dos homens e da sociedade. O mal do
século expressa, para esta geração, o choque entre as aspirações e desejos
excessivos da vida e dos sonhos e a impossibilidade de realização. Daí por que
o tédio, a agonia, o sentimento de morte devastam a alma romântica.
Acrescente-se
a esses aspectos o satanismo, isto é, o culto de Satã, o anjo que se rebelou
contra Deus, como o culto do rebelde, do espírito independente, capaz de todos
os gestos heroicos e de todas as maldades. Não poucas vezes o poeta romântico
se identifica com Satã, como imagem de sua própria condição de poeta
insatisfeito (ver nesta Antologia o poema de Bernardo Guimarães à pág. 77).
Aparecem também nesta geração algumas ideias mais acentuadamente liberais, e há
um aprofundamento da pesquisa lírica da linguagem literária e da estrutura dos
poemas. São dessa geração: Casimira de Abreu, Laurindo Rabelo, Álvares de
Azevedo, Junqueira Freire, Fagundes Varela e Bernardo Guimarães.
Terceira
Geração: Os poetas desta geração guardam enormes diferenças entre si,
especialmente Castro Alves e Sousândrade. for isso, esta è a geração mais heterogênea
do Romantismo no Brasil. Castro Alves, escrevendo em fins da década de 60, já
expressa a "crise do Brasil puramente rural" e "o lento mas firme
crescimento da cultura urbana, doa ideais democráticos e, portanto, o despontar
de uma repulsa pela moral do senhor-servo, que poluía as fontes da vida familiar
e social no Brasil Império". Por isso, os ideais abolicionistas e o culto
do progresso são o fundo ideológico de sua poesia, que se faz eloquente,
grandiloquente, oratória, repassada de imagens e metáforas de grandeza, de
titanismo. Marcada de forte indignação, a poesia de Castro Alves faz-se
liberal, renovando o tema amoroso, liberando-o das noções de pecado e culpa,
cultivando um erotismo sensual, de prazer, e denunciando a escravidão; abrindo,
portanto, "baterias poéticas" contra o conservadorismo e o atraso
mental/moral do Império e as injustiças da ordem social. Tomando imagens à
natureza, "sugere a impressão de imensidade, de infinitude: os espaços, os
astros, o oceano, o 'vasto sertão', o 'vasto universo', os tufões, as procelas,
os alcantis, os Andes, o Himalaia, a águia, o condor...". Enfim,
influenciado par Victor Hugo (embora confessando também influências de Fagundes
Varela e Gonçalves Dias), Castro Alves (e, em parte, Tobias Barreto) é poeta
condoreiro, "o poeta dos escravos". Já Sousândrade, que começou como
poeta próximo da Segunda Geração, torna-se uma voz destoante do nosso
Romantismo, entrando na Terceira Geração apenas por cronologia. Esquecida
durante meio século, sua poesia, conquanto marcada também pelo abolicionismo e
republicanismo, realiza-se diferentemente dos românticos, porque repassada de
grandes novidades temáticas e formais. O processo de composição poética
volta-se para inesperados arranjos sonoros, pelo uso de diversas línguas
integrativamente, com ousados "conjuntos verbais" que quebram mesmo a
estrutura sintática da língua portuguesa. A par com isso, por ter vivido anos
nos Estados Unidos, foi capaz de captar os novos modos de vida do capitalismo
industrial e urbano (o "Inferno de Wall Street", do poema O guesa),
fundindo-os com certas tradições míticas e culturais dos índios, especialmente
os da América espanhola (os quíchuas). "Símbolo do selvagem que o branco
mutilou, o canto do novo herói inverte o signo do indianismo conciliante de
Magalhães e Gonçalves Dias, cantores, ao mesmo tempo, do nativo e do
colonizador europeu." Como se vê, a profunda distância entre os poetas
desta Terceira geração, e entre estes e os anteriores, bem demonstra já um
início de fim do Romantismo e a diluição de sua estética e ideologia.
---
Fonte:
Antologia de Poesia Brasileira: Romantismo. Editora Ática. São Paulo, 1985, págs. 9-12.
Fonte:
Antologia de Poesia Brasileira: Romantismo. Editora Ática. São Paulo, 1985, págs. 9-12.
Nenhum comentário:
Postar um comentário