domingo, 10 de julho de 2016

Elos perdidos
"Quem acredita que cada ser foi criado como agora nós o vemos deve, de vez em quando, ter-se surpreendido ao encontrar um animal com hábitos e estrutura de forma alguma concordantes entre si." (Darwin, 1859.)
Darwin considerava-se um homem de ciência. Via as repercussões da Origem, fora do mundo científico, como extraordinárias. Mas os biólogos estavam muito divididos sobre o que seria, afinal, uma teoria biológica, bem como o público em geral.
Hooker e Huxley, prevenidos, converteram-se imediatamente à teoria Darwin-Wallace da evolução pela seleção natural, sustentada pela massa considerável de fatos constantes em Origem. James Lubbock (Lord Avebury), Henry Bates, Asa Gray, Robert Chambers — autor de Vestígios — e Herbert Spencer logo se juntaram a eles. Lyell — de quem dependiam as teorias geológicas da Origem — estava em dúvida. Não era contrário mas, também, não era a favor. Não estava convencido de que as forças naturais — semelhantes àquelas que mudaram a força da Terra — pudessem responder pelas mudanças biológicas. Contra a Origem, como Darwin disse para Hooker, em março de 1860, estava "uma grande classe de homens e, mais especialmente, eu suspeito dos naturalistas, que nunca vão se importar com qualquer questão geral, de que o velho Gray, do Museu Britânico, possa ser tomado como exemplo; e em segundo lugar, quase todos os homens que passaram da idade moderada, tanto em anos reais quanto em mente, são — estou plenamente convencido — incapazes de olhar para os fatos de um novo ponto de vista". Darwin percebeu que iria ser uma "luta árdua".
"O querido velho" Adam Sedgwick escreveu a Darwin uma carta indignada, e criticou-o no Spectator, chamando-o de "selvagem e intuito". Louis Agassiz - o paleontologista suíço — considerava a teoria da transmutação "um equívoco científico". Richard Owen não se declarou, mas forneceu a outros munição contra a teoria.
O darwinismo, habilidosamente orientado por Haeckel, persuadiu os biólogos alemães — menos von Baer. Na França, lê danvinisme nunca se tornou respeitável.
Finalmente, no entanto, a teoria da evolução pela seleção natural unificou a biologia e tornou-se uma hipótese de trabalho para os empreendimentos futuros. Em abril de 1880, Huxley podia dizer em "A chegada da era da origem das espécies" — uma conferência em Londres, feita na Royal Institution — que "a evolução não é mais uma especulação, mas uma declaração de fato".
Mas os paleontologistas continuaram a ter problemas e o problema maior era "a imperfeição do registro geológico". Os elos perdidos estavam perdidos porque não haviam sido encontrados ou eram lacunas genuínas que existiam entre grupos de animais? Os elos perdidos haviam sido uma prova útil para o catastrofísmo. Para Cuvier, teria havido várias criações, cada uma delas destruída por uma catástrofe: fogo, terremoto ou inundação. Não havia nenhuma conexão entre cada criação a não ser a mão do Criador. "Raças inteiras foram destruídas para sempre, deixando apenas umas poucas relíquias que os naturalistas quase não conseguem reconhecer." Havia mastodontes em uma criação, extintos pela inundação. Os elefantes os substituíram na criação seguinte. Não havia conexão linear entre os dois.
Darwin estava bem a par de que, sem um registro da transformação gradual que atravessasse as rochas, o registro paleontológico não í seria uma boa prova da evolução. Mas, argumentava, a ausência de uma série nítida podia ser responsabilizada de várias maneiras. Podia não haver, por exemplo, nenhum intermediário entre os dois animais porque cada um deles teria derivado independentemente do mesmo ancestral. Podia não haver intermediário aparente porque a mudança podia ter ocorrido em muitos traços morfológicos ao mesmo tempo, na hipótese da correlação de fatos. Podia não haver nenhum intermediário porque um grupo havia migrado de algum outro lugar. Mas Darwin acreditava que, na análise final, os elos perdidos eram o resultado da imperfeição do registro fóssil e estava confiante em que os intermediários pudessem finalmente ser descobertos para preencher as lacunas. Mamíferos ancestrais perdidos haviam aparecido no Jurássico (150 milhões de anos atrás) — na ardósia de Stonesfield, próxima a Oxford, em 1820.
A respeito das lacunas, Huxley não estava convencido. Conquanto o homem pudesse parecer-se muito com o gorila, havia, por exemplo, uma considerável lacuna entre eles: uma lacuna semelhante às existentes no registro de fósseis. As lacunas evitaram que Huxley aceitasse sinceramente a evolução gradual.
Talvez houvesse ocasiões, preocupava-se ele, em que tivessem ocorrido saltos repentinos, exatamente como afirmava em Vestígios. "Você se sobrecarregou com uma dificuldade desnecessária" — escreveu ele para Darwin, em novembro de 1859 — "ao adotar o Natura non facit saltum de forma tão pouco reservada". Huxley ficava intrigado, querendo saber como os modernos cavalos de um só dedo, o Equus, podiam ter evoluído de um fóssil de três dedos, conhecido como Anchitherium, "animal mais próximo", do mioceno (25 milhões de anos atrás), e como esse animal, por sua vez, podia ter evoluído do Hyracotherium, "animal coelho" descrito por Owen. Havia lacunas. Mas, no exemplo de Huxley, a situação era esclarecida da mesma forma como Darwin havia feito a previsão. As descobertas na América do Norte — por O. C. Marsh — começaram a preencher as lacunas na década de 1870 e, à medida que apareciam cada vez mais fósseis, uma direção evolucionista podia ser discernível: dos pequenos cavalos com quatro dedos e com dentes de coroa baixa, passando pelos cavalos com três dedos e com dentes de coroa alta, até os cavalos com apenas um dos três dedos (o do meio) tocando o chão e os dentes crescendo constantemente cerrados, até chegar-se, finalmente, ao grande cavalo moderno, com apenas um dedo e dentes ainda maiores. Os pequenos cavalos de três dedos evoluíram numa linha direta até os grandes cavalos de um só dedo. Lá estava — nos cavalos — o gradualismo que Darwin e Huxley estavam procurando: uma linha direta do desenvolvimento evolucionista.
As linhas diretas nunca foram encontradas em todas as espécies de linhagens de fósseis. A ortogênese, ou linha direta de evolução, tornou-se parte importante da teoria evolucionista. Havia os extintos titanoteres, relacionados com os cavalos, "animais gigantes" que, de pequenos começos, no eoceno (50 milhões de anos atrás), na América do Norte, cresceram cada vez mais e desenvolveram chifres rombudos nos narizes. Não havia nenhum chifre nos primeiros animais pequenos; depois, apareceram os pequenos botões nasais; mais tarde, no começo do oligoceno (35 milhões de anos atrás), os botões tornaram-se chifres e alcançaram a sua forma maior e mais complexa no Brontotherium, do tamanho de um elefante, um "animal retumbante". Era o fim da linhagem. O alce irlandês seguiu um modelo semelhante na Europa: foi ficando cada vez maior desde o piloceno (7 milhões de anos atrás) até o pleistoceno (l milhão de anos atrás), com aspas cada vez maiores até que não mais podia manter a cabeça erguida, e caiu morto — assim diz a história. Essas direções espetaculares não foram confirmadas com relação aos mamíferos. Várias linhagens de ostras haviam se desenvolvido enrolando-se numa concha. O enrolamento aumentou com constância até que a concha enrolada comprimiu tão firmemente a outra concha que a ostra não mais pôde abrir, e a linhagem extinguiu-se.
A ortogênese — levando numa linha direta até a extinção — não podia ser adaptativa. Era, argumentavam muitos, uma indicação de uma força inata — um exemplo de evolução desassociada da seleção natural —, a "força da vida", que o filósofo francês Henri Bergson havia descrito em L'evolution créatice, em 1907. O élan vital era a causa de toda a evolução. Mas cada vez mais os fósseis apareciam e — através da interpretação das novas descobertas — a linha direta foi modificada para uma árvore ramificada.
Durante a década de 1940, G. G. Simpson estava capacitado para mostrar uma árvore ramificada, ao invés da linha direta, na evolução do cavalo. O pequeno cavalo norte-americano original deu nascimento a muitas formas novas pela divergência. Eles se espalharam pelo mundo, uns maiores, outros menores. O Hyracotherium evoluiu para os cavalos com três dedos e dentes de coroa alta. Mas, de novo, alguns eram maiores, enquanto outros eram menores. E assim continuou até chegar aos cavalos maiores: cavalos com apenas um dedo e com dentes de coroa alta, bem cerrados. Mas nem todos estavam evoluindo exatamente da mesma forma e exatamente ao mesmo tempo.
Havia uma direção ortogênica, mas essa direção total, mostrava Simpson, era uma média de muitas direções e uma interpretação superficial dos fatos. Não havia nenhuma indicação de um impulso íntimo — ou élan vital - mas um modelo de adaptação pela seleção natural. Os primeiros cavalos, previu ele, viviam na floresta, comendo frutas e folhas soltas, como o trágulo da Malásia. As condições mudaram — a floresta diminuiu ou então, dentro da floresta, a competição aumentou — e os cavalos afeiçoaram-se à vida na pastagem aberta, comendo folhas duras. A seleção favoreceu os tamanhos maiores (para alcançar os ramos) e melhores dentes (para mastigar as folhas duras). Depois, o pasto levou os cavalos para o céu aberto — para as planícies — expostos aos carnívoros. Começou a ser vantajoso poder correr rápido. As pernas longas eram melhores do que as pernas curtas, mas pernas longas eram mais pesadas; apenas um dedo dava menos peso, no entanto. O pasto era duro, logo, dentes grandes e grossos seriam favorecidos.
Simpson rejeitou o élan vital e a ortogênese como descrição da evolução do cavalo. A especiação divergente pela seleção natural era a responsável por aquela evolução.
Mas as rochas registram muitos animais com tendência para um tamanho maior — os titanoteres, o alce irlandês, os tigres-de-dentes-de-sabre —, e muitos deles se extinguiram. Todas as tendências poderiam ser explicadas pelo modelo de Simpson - a seleção adaptando-se a novas circunstâncias?
Existe certa justificativa em se supor que um tamanho maior pode ser uma adaptação à independência fisiológica do meio ambiente. Quanto maior o animal, menor a perda de calor e menos energia é consumida, por exemplo. Quanto maior o animal, mais células ele tem. O tamanho maior combina com uma vida mais longa e pequeno número de descendentes. O tamanho grande é uma boa coisa, conquanto exista abundância de comida e de espaço. Mas, e se o meio ambiente muda? A fonte alimentar pode ser restringida, o animal grande não tem nada para comer nem lugar algum para ir. Pior, uma rotatividade lenta de descendentes não fornecerá variedades em tempo suficiente para a seleção adaptar a população às novas condições.
Mudança de clima, mudança de suprimentos alimentares deve ter-se abatido sobre os titanoteres, o alce irlandês e os dentes-de-sabre é melhor ser menor.
A ortogênese — reformada como o gradualismo darwiniano — é provocada pela seleção natural, sem qualquer força inata desobstrutível a dirigir uma linhagem até seu declínio final.
A ortogênese pode ter uma explicação darwiniana, mas as linhagens nem sempre mostram uma mudança gradual: algumas parecem permanecer exatamente as mesmas durante milhões de anos. Alguns besouros europeus não têm mostrado nenhuma mudança durante os últimos milhões de anos. Os moluscos — que vivem na lama aquecida — não mudam há 500 mil anos. O molusco pode ter sobrevivido porque o seu meio ambiente enlameado sempre esteve disponível em algum lugar do seu círculo. Os besouros podem ter sobrevivido porque, se o clima mudava em um lugar, eles passavam a outro, sempre se locomovendo para permanecerem na mesma espécie de condições. Dada uma força seletiva estável e um mesmo meio ambiente, nenhuma mudança seria esperada no molusco ou no besouro, de acordo com a estrita teoria darwiniana.
Outras singularidades do registro fóssil podem ser resolvidas sem recurso a qualquer coisa mais espetacular do que a evolução pela seleção natural. As lacunas, como Darwin predisse, foram preenchidas. Mas não todas as lacunas: algumas estão ainda "perdidas". E algumas situações curiosas têm ocorrido. Uma espécie que permanece constante há milhares de anos muda de repente para outra forma — e de novo permanece constante por milhares de anos. Em 1857, H. Bronn sugeriu que isso seria um modelo comum.


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As Ideias de Darwin, por: Wilma George. Tradução: Sônia Régis. Editora Culturix. São Paulo, 1985, págs. 109-114.

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