Santo Agostinho: vida e obras do autor
A Igreja
cristã estava cm franca expansão. No ano 313 o cristianismo tornou-se religião
oficial. O IV século se afigurou como um tempo da tolerância de Roma com o
cristianismo, mas ainda existiam algumas perseguições. As questões teológicas e
religiosas eram discutidas, com mais abertura que no III século, pois saíam dos
limites da Igreja e começaram a locar nos problemas políticos e sociais.
No ano em
que Agostinho nasceu, governava o Império romano Constando II. liste havia
mandado executar um dos Césares (Galo), em Ístria, seu próprio primo e sobrinho
de Constantino o Grande, que se havia aliado com os cristãos. Em Roma,
administrava a Igreja o papa São Libero, trigésimo quinto sucessor de São
Pedro, e responsável pela edificação da igreja de Santa Maria Maior.
Aurelius
Augustinus (354-430) nasceu em Tagasta, pequena cidade africana da Numídia.
Oriundo de uma família burguesa, nasceu no dia 13 de novembro do ano 354. Ele
não era muito dado às letras como seus pais o desejavam. Percebe-se em seus
relatos autobiográficos que seu pai o condenara ao "suplício" da
escola para permitir-se a satisfação de
duas espécies de apetites insaciáveis: os de uma indigência opulenta e os de
uma glória ignominiosa. Estas eram as características da educação daquela
época.
Sua família
constituía um lar de modesta burguesia: pouca fortuna e muita ambição para o
filho. Seus pais não queriam que ele se tornasse um vagabundo pelas ruas e
campos de Tagasta; era este o motivo da ambição dos estudos para o filho. As
varadas que lhe dava o mestre e que o deixavam moído, com as costas a arder,
eram motivos de riso de seus pais. Isso causava tristeza e humilhação ao
menino. A mãe estava de acordo com o marido, de fazer o filho estudar, pois
desejava para ele uma honrosa carreira de professor de belas letras.
Santo
Agostinho nem sempre foi cristão. Seu pai, de nome Patrício, era pagão; teria
recebido o batismo pouco antes de morrer. Afirma seu biógrafo São Possídio que
Patrício era um curial, isto é, um magistrado e devia possuir alguns recursos,
algumas terras e plantações, que Agostinho, mais tarde, chamaria de modesto
património. O próprio Agostinho o vendeu depois e distribuiu o dinheiro obtido
entre os pobres. Seu pai era dado aos prazeres dos sentidos e incentivava o
filho a seguir o mesmo caminho. Agostinho sentia que herdara do pai essas
tendências e todas as paixões. Em suas memórias, faz alusões ao pai sem nunca
demonstrar afeição.
Sua mãe,
Mônica, era uma cristã fervorosa e exerceu sobre o filho uma grande influência
religiosa. De acordo com os costumes da época, Agostinho não foi balizado
quando criança, mas só aos dezessete ou dezoito anos por Santo Ambrósio. Sua
mãe o marcou com o sal, desde o primeiro dia de sua existência e o inscreveu
nas legiões de Cristo, mas só mais tarde é que Aurelius encontrou neste caminho
a sua missão. A mãe faleceu logo depois de seu batismo, depois de muito ter
orado por sua conversão. Agostinho considerava sempre que foi de Mônica que
herdou o melhor de seu coração e de sua inteligência. A formação e conversão do
filho era a razão de viver de Mônica que enviuvara muito cedo.
Indo para
Cartago, a fim de aperfeiçoar seus estudos, desviou-se moralmente. Fez os
primeiros estudos na cidade natal; com 13 anos vai estudar gramática em
Madaura; assim pôde continuar seus estudos superiores e, aos dezesseis anos,
completar os estudos superiores de retórica em Cartago.
Agostinho
como autodidata estuda filosofia, fazendo em Madaura, depois em Cartago,
estudos de retórica num centro intelectual renomado, graças à ajuda do rico
concidadão e amigo de seu pai, Romaniano. Estuda um pouco de grego, sem muito
aprofundamento, pois não era essa a sua preferência, gostava mais do latim,
embora o tenha estudado à força de muitos açoites. Esse desgosto pelos estudos foi
terminando à medida que foi se tornando adulto.
Caiu em uma
profunda sensualidade, que, segundo ele, é uma das maiores consequências do
pecado original; e esta o dominou longamente, moral e intelectualmente, fazendo
com que aderisse ao maniqueísmo, que atribuía a realidade substancial tanto ao
bem como ao mal, trevas e luz, espírito e matéria. Em busca da verdade, aceitou
o ensino maniqueísta, uma seita complexa e cheia de doutrinas, mitologias,
heresias, fantasias, especulações gnósticas e muito mais, tomadas emprestadas
de outras seitas. Julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema
do mal e, por consequência, uma justificação para sua vida vivida. Mais tarde
integra o montanismo (descida do Paráclito), mas, por achá-lo incompleto, volta
a estudar filosofia e lê Horiênsius, obra profana de Cícero, que o faz se
interessar pêlos ensinos do neoplatonismo, que Talam sobre a imortalidade da
sabedoria, despertando-lhe certa preocupação com Deus.
Teve um caso
de amor, interessava-se por questões mundanas e desse relacionamento nasceu um
filho, falecido ainda adolescente. Aos de/oito anos Agostinho toma-se pai de
Adeodato e vive fiel, durante quinze anos, com a mulher que lhe deu o filho.
Com vinte anos, perdeu o pai e ficou sendo o responsável pelo sustento de duas
famílias. Mais tarde, no começo do ano 386, após um exame critico de si,
abandonou o maniqueísmo, e passou a combater essa doutrina, que foi criada por
Manes, abraçando a filosofia neoplatônica que lhe ensinou a espiritualidade de
Deus e a negatividade do mal, encontrando a concepção cristã da vida.
Tendo
terminado os estudos, abriu uma escola em Cartago, onde foi professor de
retórica, mas depois se mudou para Roma e, em seguida, para Milão, onde voltou
a ensinar retórica. Influenciado pelos estoicos, por Platão e o neoplatonismo,
também esteve entre os adeptos do ceticismo.
Sua mãe foi
contra a mudança e Agostinho teve de enganá-la na hora da viagem. Em setembro
de 386, Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimônio;
retira-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia
da mãe, do filho e de alguns discípulos, perto de Milão. Ali escreveu seus
diálogos filosóficos, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o
amigo Alípio.
Agostinho
inspirou-se no neoplatonismo. Pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio
compreensivo, fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega com
o caráter prático da patrística latina, ainda que os problemas que
fundamentalmente o preocupavam fossem sempre os problemas práticos e morais: o
mal, a liberdade, a graça, a predestinação.
Sua
conversão se deu num momento de meditação sobre sua vida, quando ouve uma
expressão, próxima à porta de onde estava que dizia: "Toma e lê!" Agostinho abre sua Bíblia que cai em Romanos 13,
13-14 e a leitura trouxe-lhe o que sua alma não tinha conseguido encontrar, até
então, em nenhum de seus estudos. Despediu a mãe de seu filho e foi para o
seminário, abandonando sua profissão. Foi ordenado sacerdote em 391. Cinco anos
depois, foi sagrado bispo de Hipona.
Converteu-se
então à fé cristã, depois de conhecer a palavra do apóstolo Paulo. Aos trinta e
três anos de idade recebeu o batismo em Milão, das mãos de Santo Ambrósio, cuja
doutrina e eloquência muito contribuíram para a sua conversão. Em julho de 386
a crise definitiva o atormenta. Agostinho tem 32 anos e é hóspede de um colega
de professorado quando se dá sua conversão definitiva.
Um ano
depois do falecimento da mãe em Óstia, Agostinho desiste do cargo de professor,
deixa finalmente a Itália, abandona Milão e volta para Tagasta, África, com o
propósito de ali fundar uma espécie de comunidade religiosa, monástica, e a
fundamentar racionalmente a fé, como foi comum na Idade Média.
Vendeu todos
os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, fundou um mosteiro numa
das suas propriedades alienadas. Ordenado padre em 391 e sagrado bispo titular
em 396 em Hipona, segunda cidade da África. A diocese era difícil de conduzir e
as tarefas materiais do bispo eram pesadas.
Desde sua
ordenação sacerdotal, sobretudo desde a sagração episcopal, identificou-se com
a causa de Deus no serviço da Igreja. Procurar a unidade eclesial foi sua
grande preocupação. Fundou comunidades religiosas para viver em profundidade
esta unidade e quis que elas fossem sinal e fermento desta visão.
Após a sua
conversão, Agostinho dedicou-se inteiramente ao estudo da Sagrada Escritura, da
teologia revelada, e à redação de suas obras, entre as quais têm lugar de
destaque as filosóficas. Sua vida, marcada por grandes momentos espirituais,
resultou em escritos valiosos e estudos sobre sua caminhada de conversão e
libertação. Santo Agostinho deu início à era da incerteza dogmática. O problema
das relações entre a razão e a fé, problema fundamental da escolástica medieval
e que já atormentava a mente de Santo Agostinho.
Renunciando
a seus bens, na companhia daqueles que decidiram viver o mesmo propósito,
passou a viver para Deus, com jejuns, orações e boas obras, meditando dia e
noite na divina lei. Comunicava aos outros, tudo o que recebia do céu no estudo
e na oração, ensinando aos presentes e aos ausentes com sua palavra e escritos.
Não descansava, passando horas a estudar e a meditar, tentando entender o que
significava onipresença, onisciência, infinito, Santíssima Trindade,
consubstanciação, espírito e corpo, diversidade espiritual e a atemporalidade.
Agostinho foi visto inúmeras vezes vagando sozinho à noite, angustiado,
tentando descobrir a resposta científica para a fé. E, na ânsia de descobrir
como se libertar da dúvida indaga ao seu arter
ego as respostas a essas questões.
As obras de
Agostinho que apresentam interesse filosófico são, sobretudo, os diálogos
filosóficos: Contra os acadêmicos. Da
vida beata, Os solilóquios, Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da
alma, Sobre o mestre, Sobre a música. Interessam também à filosofia os
escritos contra os maniqueus: Sobre os
costumes, Do livre-arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem.
Estudava muita teologia, matemática, filosofia, mecânica, e a física que na
época era rudimentar, com o propósito de explicar a existência de Deus através
da razão humana. Observava a natureza e acreditava que o homem através de sua
inteligência iria finalmente descobrir a verdade de Deus e colocar os
parâmetros da fé em bases científicas. Este foi o grande tema de sua obra Solilóquios. O primeiro problema
filosófico de Agostinho, após a sua conversão, foi o dos fundamentos do
conhecimento, ante uma resposta racional. Redige o diálogo Contra os Acadêmicos, onde afirma: O erro provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas
próprias. A sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é querer ver nela a
expressão de uma verdade externa ao próprio sujeito. Assim, nenhum célico pode refutar
alguém que afirme simplesmente: Eu sei que isto me parece branco, limito-me à
minha percepção e encontro nela uma verdade que não me pode ser negada. Esta
afirmação difere do dizer: Isto é branco! Haveria assim uma verdade
absoluta que estaria implicada no próprio ato de perceber.
Agostinho
introverteu conceitos de Platão, principalmente quando este define o homem como
uma alma que se serve de um corpo, admitindo a ideia de transcendência
hierárquica da alma sobre o corpo. Fundamentado em uma metáfora de Platão, a
conhecida alegoria da caverna que mostra ser o conhecimento (nesta obra traduzida por educação), em última
instância, o resultado do bem que ilumina o mundo inteligível, Agostinho
explica como é possível ao homem receber de Deus o conhecimento das verdades
eternas. Todas as proposições percepcionadas como verdadeiras, assim seriam,
porque previamente foram iluminadas pela luz eterna da razão que procede de
Deus e atua a todo o momento. Porém, tal não dispensaria o homem de ter um
intelecto próprio, posto que a iluminação tivesse apenas a função de tornar o
intelecto capaz de pensar corretamente em virtude de uma ordem natural
estabelecida por Deus.
Agostinho vê
Deus como o infinitamente bom, uma realidade interna só perceptível ao ser humano
e transcendente ao seu pensamento. Sua instância seria atestada para todos os
juízos formados pelo homem e, como por outro lado esta natureza divina
escaparia ao alcance humano, seria mais fácil descrever o que ela não é.
Preocupado
com o problema da criação do universo, Agostinho investigou a noção de tempo, revelando grande
penetração analítica. O tempo é por ele entendido como constituído por momentos
diferentes de passado, presente e futuro, significando descontinuidade e
transformação.
...é claro e manifesto que não existem
coisas passadas e futuras; nem se pode dizer, com exatidão, que os tempos são
três: passado, presente e futuro. Mas, talvez, se deveria dizer, com
propriedade, que os tempos são três... o presente das coisas passadas
(memória), o presente das coisas presentes (visão) e o presente das coisas
futuras (expectativa). Estas três coisas existem na alma e, em outro lugar, não
as vejo. Por isso pareceu-me que o tempo é unia distensão. De que coisa, eu não
sei; admirar-me-ia se não fosse uma distensão da própria alma (livro XI das
Confissões, §20 e 36)
Certo dia,
Santo Agostinho, após longo período de trabalho e muito compenetrado na sua
angústia, adormeceu no claustro. Teve um sonho revelador: caminhava sobre urna
raia deserta, a contemplar o mar e o céu. De repente, avistou um menino que com
uma vasilha de madeira indo até a água do mar, enchia a vasilha e voltava,
despejando a água num pequenino buraco na areia. Santo Agostinho, perplexo e
curioso perguntou ao menino: O que você está fazendo? O menino calmamente olhou
para Santo Agostinho e respondeu: Vou colocar toda água do mar neste buraco!
Santo Agostinho sorriu e retrucou: Isso é impossível menino, observe quanta
água existe no oceano e você quer colocá-la toda neste pequeno buraco! Mais uma
vez o menino olhou para Santo Agostinho e de forma firme e corajosa disse: Em
verdade vos digo. É mais fácil colocar toda água do oceano neste pequeno buraco
do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus! E num átimo
Santo Agostinho acordou assustado e desorientado. Acabara de ter uma mensagem
divina que acalmaria sua alma conturbada.
Dada, porém,
a mentalidade agostiniana, em que a filosofia e a teologia andam juntas,
compreende-se que interessam à filosofia também as obras teológicas e
religiosas, especialmente: Da Verdadeira
Religião, As Confissões, A Cidade de Deus, Da Trindade, Da Mentira.
Governou a
Igreja de Hipona até a morte, que se deu durante o assédio da cidade pêlos
vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.
Agostinho se
consagra a Deus segundo um modo de vida que Possídio descreve nestes termos:
"A vida
do bispo decorreu numa época de crise. Desmoronava o império romano sob a
pressão das invasões dos bárbaros. No dia 28 de agosto Hipona estava sitiada.
Agostinho morria vivendo intensamente aquele drama de dor. Embora confiasse cm
Deus, não podia alhear-se aos sofrimentos de seu povo." Na expressão de
São Possídio, Agostinho, depois de sua morte, permaneceu triunfalmente vivo nos
livros que legou á posteridade e nós podemos acrescentar, também em seu
carisma.
Santo
Agostinho (+430) foi proclamado Doutor da Igreja pelo papa Bonifácio VIII em
1295, figurando com esse título entre outras grandes personalidades dos
primórdios do cristianismo, como Santo Amhrósio de Milão (+397), São Jerônimo
(+420), e São Gregório Magno (+604). A fama de São Jerônimo e Santo Ambrósio,
contudo é pequena, diante da reputação de Santo Agostinho.
Considerado
o teórico de todas as igrejas e o Príncipe da Igreja Católica, Santo Agostinho
é um pensador que deixou uma herança valiosa e fecunda cm doutrinas.
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Fonte:
Sililóquios, por: Santo Agostinho. Tradução: Antônio A. Minghetti. Editora Escala. São Paulo, s/d, págs. 13-20.
Fonte:
Sililóquios, por: Santo Agostinho. Tradução: Antônio A. Minghetti. Editora Escala. São Paulo, s/d, págs. 13-20.
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