Evolução biológica e evolução cultural
Há
diferenças entre os autores do período clássico do evolucionismo cultural em
relação a aspectos tanto teóricos quanto de interpretação etnográfica. Também
ocorreram mudanças ao longo da produção acadêmica de cada um deles, tomados
individualmente. No entanto, pode-se, com relativa facilidade, sintetizar as
principais ideias gerais dos autores evolucionistas da antropologia, que eram
em grande medida convergentes."
Antes,
porém, é preciso desfazer um equívoco bastante comum: pensar que a ideia de
evolução como explicação para a diversidade cultural humana é decorrência
direta da ideia de evolução biológica, tendo como marco a publicação, em 1859,
do livro do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), On the Origins of Species by Means of Natural Selection; or, The
Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life [Sobre a origem das
espécies por meio da seleção natural; ou, a preservação das raças favorecidas
na luta pela vida].
Darwin
argumentou que as espécies existentes haviam se desenvolvido lentamente a
partir de formas de vida anteriores, e apontou como mecanismo principal desse
processo a teoria da "seleção natural" através de variações
acidentais. Em meados dos anos 1870, talvez a maior parte das pessoas cultas na
Europa e na América do Norte já tivesse aceito as ideias de Darwin. Muitas
vezes, no entanto, a compreensão de sua teoria era vaga e superficial. Um dos
fatores fundamentais para a aceitação da ideia de evolução era sua associação
com a ideia de progresso, cuja imagem
mais comum é a de uma "escada" cujos degraus estão dispostos numa
hierarquia linear. Geralmente, o evolucionismo era percebido como a expressão
científica desse princípio mais antigo e geral.
É também
importante perceber que a chamada "revolução" darwinista ocorreu em
paralelo ao enorme alargamento do tempo histórico da espécie humana, para muito
além dos cerca de cinco mil anos apontados pela tradição bíblica. Em 1858 foram
descobertos artefatos humanos junto com ossos de mamutes e outros animais
extintos na caverna de Brixham, próxima à cidade de Torquay, na Inglaterra. Com
isso, o mundo "antediluviano" recuou muito no tempo, tornando-se
"pré-histórico". Na mesma época, descobertas similares foram feitas
na França, igualmente comprovando a grande antiguidade do homem sobre a terra.
Indiretamente, essas descobertas reforçavam a suposição de que teríamos descendido
de formas "inferiores" de vida há muito extintas.
O impacto do
livro de Darwin e dessas descobertas paleontológicas foi enorme, estendendo-se
para além de seus campos científicos específicos e influenciando a teologia, a
filosofia, a política e também a nascente antropologia. No entanto, para
aqueles que, nas décadas de 1860 e 1870, se dedicaram a estudar a história do
progresso humano — autores como Johannes Bachofen, Henry Maine, Fustel de
Coulanges, John Lubbock, John Ferguson McLennan, Lewis Henry Morgan e Edward
Burnett Tylor — a influência da obra do filósofo inglês Herbert Spencer
(1820-1903) teve maior impacto do que as teorias darwinistas. Aliás, Darwin não
foi o primeiro a dar uma definição rigorosa de "evolução". Essa
palavra só apareceu na 6a edição, de 1872, da Origem das espécies. A razão que levou Darwin a finalmente usar
essa palavra, 13 anos após a primeira edição de seu livro, é que ela se havia
tornado amplamente conhecida. O grande responsável por sua popularização foi
Herbert Spencer, que já havia usado "evolução" em seu livro Social
Statics [Estática social], de 1851. Em seu texto "Progress: Its Law and
Cause" [Progresso: sua lei e causa], de 1857, Spencer generalizou o
processo evolucionário para todo o cosmo:
O avanço do simples para o complexo, através
de um processo de sucessivas diferenciações, é igualmente visto nas mais
antigas mudanças do Universo que podemos conceber racionalmente e indutivamente
estabelecer; ele é visto na evolução geológica e climática da Terra, e de cada
um dos organismos sobre sua superfície; ele é visto na evolução da Humanidade,
quer seja contemplada no indivíduo civilizado, ou nas agregações de raças; ele
é igualmente visto na evolução da Sociedade com respeito a sua organização política,
religiosa e econômica; e é visto na evolução de todos... os infindáveis produtos
concretos e abstratos da atividade humana.
Enquanto a
teoria biológica de Darwin não implicava uma direção ou progresso unilineares,
as ideias filosóficas de Spencer levavam à disposição de todas as sociedades
conhecidas segundo uma única escala evolutiva ascendente, através de vários
estágios. Essa se tornaria a ideia fundamental do período clássico do
evolucionismo na antropologia.
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Fonte:
Evolucionismo Cultural, por: Celso Castro (Organização) - Textos de Morgan, Tylor e Frazer. Tradução: Maria Lúcia de Oliveira. Zahar Editora, 2ª Edição. Rio de Janeiro, 2005, págs. 25-26.
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