Os foguetes sobem do deserto
HA POUCO
MAIS de dez anos atrás, Cabo Canaveral era apenas uma área triangular de 15.000
acres de baixios desertos, infestada de serpentes e localizada no escassamente
povoado Condado de Brevard, a meio caminho do litoral da Flórida. Havia lá
tantas serpentes que os tratadores de animais do Zoo da Flórida e os caçadores
da região costumavam ir a Cabo Canaveral por ocasião de fortes aguaceiros,
porque então podiam apanhá-las facilmente no leito das estradas. Conheço um
rapaz que num único dia conseguiu apanhar vinte e seis cobras de regular
tamanho. Dentro dessa densa mata de palmitos, mirras, timos e pinheiros,
proliferavam gambás, guaxinins, coelhos, veados, linces e uma surpreendente
variedade de alguns dos mais antigos animais da terra: tatus,
lagartos-de-chifre, jacarés e tartarugas gigantes.
Naqueles
dias o único meio de atingir as tranquilas e primitivas praias do Cabo era
seguir a estrada que leva ao farol e dali tomar um caminho de terra rumo aos
palmitais. Numa visita que fiz ao local, em 1949, lembro-me de ter corrido mais
de oito quilômetros para afugentar um enxame de abelhas selvagens que se havia
instalado no farol esquerdo do meu carro, enquanto eu me achava entretido numa
pescaria. Cerca de 13 quilômetros para o sul ficava a pequena e silenciosa
comunidade de Cocoa Beach, lugar onde se conseguia um refrigerante, uma
calça-esporte e se potliíi tomar os famosos camarões de Cabo Canaveral. O
objeto que mais se aproximava de qualquer produto da era espacial e o dispositivo
técnico mais complicado que se podia adquirir era um aquecedor elétrico. A
única rodovia era virtualmente a US A1A, que se parecia com um fino tapete
negro amolecido pelo sol escaldante Havia tão pouca água potável, e esta assim
mesmo era tão ruim, que o café, embora feito na hora, parecia ter sido
preparado com pó deteriorado.
Oito quilômetros
mais para o sul ficava o que é hoje a Base Patrick, da Força Aérea, então um
conjunto de edifícios e hangares, conhecido como Estação Aeronaval do Rio
Banana.
Um dia, sem
que os moradores da redondeza tivessem conhecimento, uma comissão altamente
secreta de militares e civis recolheu amostras da água de Cocoa Beach e
inspecionou as pistas em péssimo estado de conservação da Estação Aeronaval do
Rio Banana. Objetivo da comissão: converter tudo aquilo na maior rampa de
lançamento do mundo livre, no mais importante centro de desenvolvimento de
mísseis do Ocidente.
A tarefa
deve ter sido muito penosa para os membros da comissão, perseguidos a todo o
momento por mosquitos impertinentes, tropeçando em touceiras de arbustos e
respirando o odor pouco agradável dos vetustos edifícios. Quem dentre eles
realmente pensaria que em menos de dez anos a silhueta do Cabo passaria a contar
com enormes torres e guindastes para lançamentos de poderosos foguetes capazes
de alcançar a costa da África em questão de minutos? Ou que a Base Patrick, da
Força Aérea, se tornaria uma das mais modernas e completas instalações técnicas
da nação?
Eram simplesmente
desconcertantes alguns dos problemas que a comissão tinha diante de si. Uma das
principais razoes para a escolha de Cabo Canaveral, em primeiro lugar, era o
anel das ilhas que se estendem quase em linha reta através das Bahamas até as
Pequenas Antilhas, ao largo da costa da América do Sul. Algumas dessas ilhas,
contudo, eram britânicas, sendo outras repúblicas independentes. Obter permissão
para montar estações de rastreio de mísseis demandava negociações detalhadas
com três governos diferentes. Os naturais dessas ilhas, em sua maior parte,
nunca tinham ouvido falar de mísseis e poderiam, portanto, entrar em pânico se
vissem um deles riscando o céu ou precipitando-se no oceano. Para resolver este
problema, decidiu-se constituir uma equipe de técnicos para prestar aos
habitantes locais os necessários esclarecimentos, mostrando-lhes modelos
plásticos de foguetes para convencê-los de que não ofereciam perigo se tomadas
as devidas precauções. O governo dos Estados Unidos prometeu inclusive uma
recompensa a todo o agricultor ou pescador que encontrasse um fragmento de
projétil, por menor que fosse, devolvendo-o a Tio Sam para estudo e análise.
Para muitos nativos a possibilidade de uma recompensa era toda a garantia que
reclamavam. Hoje em dia eles estão de tal forma acostumados com os mísseis que
raramente levantam a vista para acompanhar a passagem desses gigantes do
espaço, cuja trajetória é assinalada pelo rasto luminoso que deixam na
atmosfera.
Mas havia
problemas maiores. Para que as estações de rastreio fossem realmente eficientes
na pilotagem dos foguetes, tinham que ficar em contato permanente umas com as
outras e todas com Cabo Canaveral. Para ligar distâncias tão grandes o rádio
não inspira confiança, sobretudo sabendo-se que aquela área era sujeita a
tempestades tropicais e furacões. A solução consistiu em fazer a ligação por
meio de um cabo submarino, operação que durou sete anos e custou, ao
contribuinte norte-americano 18 milhões de dólares. Mas hoje os operadores de
qualquer estação até Porto Rico podem tirar o telefone do gancho e falar com as
outras estações com a mesma facilidade com que o piloto de uma aeronave fala
com os seus passageiros pelo telefone interno. O cabo comporta simultaneamente
doze conversações.
Esse cabo
submarino desempenhou outra função da mais alta utilidade. No início as
estações de rastreio insulares tinham dificuldade de localizar no horizonte os
pequenos projéteis Matador.
Inventou-se por isso um dispositivo de radar
em cadeia que, com a ajuda do cabo, permitia que a antena de rastreamento
das estações bloqueasse antecipadamente o ponto exato no horizonte onde deveria
aparecer o míssil. Para o fim de registrar dados, precisava-se de um método de
sincronização do tempo em todas as estações por milésimos de segundo.
Inventou-se assim um gerador de tempo,
que recebe um sinal do Escritório de Padrões (Bureau of Standards) e gera o tempo no cabo submarino em precisas
frações de segundos. E para analisar ou reduzir
rapidamente todos esses dados concebeu-se um computador especial, o chamado Comomputador
Automático Flórida, ou FLAC, sigla inglesapela qual é mais conhecido. O FLAC ocupa atualmente todo
um salão do novo Laboratório de Pesquisas Técnicas e é tão bem construído que
possui uma memória eletrônica para 4.906 palavras.
Por volta de
1950 os trabalhadores puseram abaixo densas florestas de pinheiros para
construir pistas e abrir clareiras para a construção de hangares, depósitos de
combustíveis e plataformas de lançamento. Tanto foram os homens contratados
para trabalhar em Cocoa Beach que muitos não achavam acomodações e eram
obrigados a dormir com suas famílias em automóveis estacionados na estrada.
Para
proporcionar ao local abastecimento de água adequado foram estendidos sobre a
estrada condutores de 24 polegadas de diâmetro. Muitos operários, sem
acomodações, não hesitavam em dormir nas seções dos condutores de água usando
pilhas de jornais como travesseiros.
Um dia
aproximei-me de um desses operários pela manhã e pilheriei: "Você arrumou
mesmo uma casa, hein, companheiro? Não leva a mal que eu tire uma
fotografia?"
O
trabalhador olhou para mim de alto a baixo e observou:
"Escute,
meu caro, levo a mal sim. Então você acha que eu estou orgulhoso de dormir num
cano de esgoto?"
Gradualmente
as primeiras obras foram ficando prontas tanto no Cabo como nas duas primeiras
ilhas, isto é, a Grande Bahama, chamada GBI, a 280 quilômetros a sudoeste, e a
Ilha Eleutera, 190 quilômetros ao sul da GB1. A grande base de mísseis do mundo
livre estava ficando pronta para entrar em funcionamento.
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Fonte:
A História de Cabo Canaveral, por: William Roy Shelton.Tradução: Count Down. Editora Fundo de Cultura. Rio de Janeiro, 1960, págs. 28-34.
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