Genética e Evolução
É
necessário, para a compreensão do leitor, que se ofereça um panorama do que é
Genética a fim de ser possível, adiante, tecer-se comentário sobre suas bases e
sobre as bases nas quais repousa a estrutura da "nova" Genética
Russa.
A Genética é
um dos ramos mais recentes das ciências biológicas. Estuda e investiga a
herança dos seres vivos. Como ciência, possui leis. Segue métodos próprios de
trabalho. Tem objetivos muito amplos, pois nem tudo está descoberto sobre a
herança dos indivíduos; mas, por se tratar de assunto de ciência estritamente
experimental, novas conquistas estão sempre aparecendo. 3É fundamentalmente
dinâmica e seu campo de ação vai do ser mais primitivo ao homem.
Toda ciência
carrega, nos seus primórdios, um conteúdo de especulação, de lenda, de
indagações que muitas vezes passam à tradição dos povos, constituindo seu
repositório folclórico. Também a Genética não foge à regra e nós vemos na
sabedoria popular, como na nossa, constantes anexins e provérbios que ressumam
a perfeito adagiário genético, quais o "quem puxa aos seus não
degenera", "filho de peixe peixinho é", etc., já explorados de
uma feita em outro trabalho nosso. A indagação assim, da herança, está
intimamente ligada à da Evolução, em cujos albores nós vamos encontrar o mesmo
interesse da Humanidade pela origem e evolução das cousas. As inúmeras formas
vivas, tão díspares e diferentes, ofereciam muitos pontos de contato entre si,
como se uma evolução gradativa se operasse entre elas. Essa evolução escalonar
foi a preocupação esposada pelos gregos, quer ela se operasse da combinação
inicial da água, ar, e fogo, quer ela se realizasse pelo conjunto destes e de
outros elementos, como o imaginaram Tales (600 A. C.), Heráclito (500 A.C.) e
tantos outros. Com essa formulação, assim embrionária e teórica, eles se
anteciparam, na escala do conhecimento, a Demócrito (460 A.C.) com a teoria da
matéria e à teoria do desenvolvimento progressivo de Anaximandro (570 A.C.) —
que via na vida inorgânica o princípio da vida orgânica — mais tarde abraçada
por Aristóteles (350 A.C.).
O conceito
da subsistência dos melhores, enunciado por Empédocles (450 A.C.), e aceita por
Epicuro (300 A.C.), foi também esposada pelo poeta romano Lucrécio-(50 A.C.)
que chegou mesmo a aludir às formas primitivas que deram origem à espécie
humana. O advento do Cristianismo modificou o caráter especulativo da criação,
encerrando a autoridade do Gênesis o "fácies" de irrefutável. Os
doutores da igreja, Nuseno e St. Agostinho, mostraram que Deus, criando o mundo,
lhe revelou poderes para desenvolver tudo o que nele se contém.
O peso da
teologia cristã, embasada no princípio irrestrito da criação, não susteve a
indagação humana e sua curiosidade em torno dos fenômenos da evolução. E vamos
encontrar um autêntico revolucionário em Vanini (1585-1619), pregando a geração
espontânea e a afinidade do homem ao macaco, e postulando, até a origem,
daquele com uma evolução deste. Buffon (1707-1788) expressou sua opinião sobre
a mutação das espécies, mais tarde abandonada, por parecer-lhe heresia. O
grande poeta alemão Goethe, apesar de cientista obscuro, enunciou sua teoria da
transformação progressiva através da "Metamorfose das Plantas"
(1790), quase à mesma época em que Erasmo Darwin, com a sua Zoonomia (1794),
anunciava existir um estabelecimento gradual no mundo animal.
A história
do conhecimento é já muito longa e papel saliente ficou reservado a Lamarck,
cuja "Filosofia Zoológica" (1809) marcou uma nova era nos domínios da
Evolução. Lamarck (1744-1829), Charles Weisman (1834-1914) e Darwin (1809-1882)
são os 3 pontos altos da História da Evolução, em torno dos quais tanta polêmica
se fez, que tamanha celebridade lhes criou no domínio da Biologia. Esses nomes
de tal maneira marcaram a sua época, que passou cada um a definir uma teoria de
Evolução: Lamarckismo, Weismanismo, Darwinisnao.
LAMARCKISMO
Cabe a
Lamarck o grande mérito de haver reunido num corpo de doutrina as hipóteses
relativas à variabilidade das espécies e emitidas até sua época.
Segundo sua
teoria, não há no mundo orgânico divisões correspondentes a classes, ordens, gêneros,
etc., e até a espécie não é, ao contrário do que se pensava, ema entidade fixa,
mas unicamente uma coleção de indivíduos iguais, ou quase iguais, cuja
reprodução os perpetuava nas mesmas condições, se as condições de seu meio não
se modificassem de tal sorte a fazê-los mudar de hábito, de caráter, de forma.
A espécie
avança uma na direção da outra em função do tempo e das condições favoráveis:
ambas estas forças é que levam a Natureza, no seu entender, a presidir à
formação da espécie. Assim, pela influência do meio ambiente, diferenças de
temperatura e da atmosfera, posição das regiões, hábito, movimentos mais
frequentes, modo de viver, e instinto de defesa e de reprodução, as faculdades
vitais se aguçam e se tornam mais fortes pelo uso, e, com o tempo, se vão
diferenciando e preservando através de gerações, já com um caráter de herança.
Para Lamarck
a modificação, a diferença dos organismos ê devida diretamente à mudança de seu
meio ambiente, e, como este varia constantemente, aí reside o segredo da
evolução das espécies. Não são os órgãos que condicionam os hábitos e as
faculdades vitais, mas, ao contrário, são os hábitos e a maneira de viver, que
condicionam os órgãos; desta forma há uma atrofia pelo desuso e um
desenvolvimento anormal pelo uso intensivo, cuja fixidez se observa nos
descendentes através da herança. E Lamarck textualmente cita vários casos como
prova de sua teoria, quais sejam, entre outros: a necessidade de flutuação das
aves aquáticas fê-las desenvolver um tipo especial de pés; na girafa, um
pescoço agigantado foi produzido para alcançar as árvores cujas folhas lhe
servem de alimento; nas serpentes, a necessidade de reptar acarretou o
desaparecimento dos membros, etc., etc.
Uma corrente
mais forte sustentou os argumentos de Lamarck, que foram recebidos com reservas
ou sob críticas acerbas na época; esse grupo os defendeu com entusiasmo,
sobressaindo-se nele Henslow, Hyatt, Pa-ckard, Osborn, Cope e Herbert Spencer.
Como se pôde
depreender da concepção de Lamarck, ela foi audaciosa para a época, não há
dúvida, mas trouxe em si, como "filosofia central", um conteúdo
simplista de explicar as cousas. Atraente e fácil de "entender", mas
difícil de "compreender", forneceu ela aos adeptos de Lamarck um meio
fácil, uma gazua para todas as portas... Quase já não restavam dificuldades
para uma interpretação "correta", tão bem ela se adaptava a cada
caso. E facilmente se explicava a Evolução e se criavam adeptos ferrenhos, como
veremos nas páginas adiante, com aparecimento de um Burbank nos Estados Unidos,
de um Michurin na Rússia e, modernamente, de um Lysenko...
O golpe
violento no Lamarckismo quem o vibrou foi Weismann que, na opinião de Conklin,
"inaugurando uma era na Biologia", coordenou os fatos de outro modo,
condenando-o.
DARWINISMO
O
transformismo de Lamarek, secundado por St. Hilaire, apesar do eco despertado,
não impressionou tanto aos naturalistas. E eis que num clima de certa
indiferença aparece o famoso livro de Darwin (1859), "Origem das
espécies", novo repositório para os estudos de Evolução.
Educado em
ambiente onde as coisas de Biologia eram comuns, filho de pai médico, neto de
Erasmo Darwin e primo de Francisco Galton, fundador da Eugenia, Darwin desde
moço se interessou pelos problemas de Evolução.
Aos 22 anos
de idade encetou uma longa viagem de estudos no navio "Beagle",
viagem que lhe despertou vivamente a indagação da razão de ser dos seres vivos.
No decurso de 3 anos acumulou muitas notas sobre suas observações e de volta à
pátria (Inglaterra) pôs-se a escrever. Suas reflexões o prendiam a Lamarck,
cujo conceito de evolução tanto o impressionou. Havia, porém, fatos que sua
experiência já revelava contrários ao lamarckismo. E por acaso lhe chegou às
mãos o livro de Malthus "Teoria das Populações" (Outubro, 1803) cuja
leitura muito o interessou e lhe deu novas perspectivas. É que Malthus, com
sabedoria, analisava o aumento das populações em razão direta do aumento de
alimentos. Essa relação mostrava que, por não quebrar-se o equilíbrio da»
populações, implicitamente muitos indivíduos morriam antes de atingir à
concorrência alimentar, e isso foi particularmente grato a Darwin. Aplicou-a
como um princípio nos seus estudos de Evolução e dela deduziu que o poder de
reprodução dos organismos excede ao espaço para suportá-los e aos alimentos
para supri-los. Um simples e microscópico Paramécio é capaz de em 5 anos
produzir 3.000 gerações. Se todos os descendentes subsistissem, o volume dessa
massa viva seria de 10.000 vezes o volume da Terra! E para cada ser vivo o
raciocínio seria o mesmo, isto é, mais indivíduos, menos espaço e menos
alimento.
E Darwin
teve argumentos para estabelecer dois princípios fundamentais: a teoria da
seleção natural e a teoria da seleção sexual.
A ideia da
seleção natural, conforme ele confessou em sua Autobiografia, baseou-se na
analogia do melho-rista em selecionar as espécies domésticas, cujo método
consiste em escolher os tipos, dentro da espécie, que melhor lhe agradam, e
reproduzi-los. Esse processo, verdadeira "seleção artificial", ou
conduzida, é, "mutatis-mutandi", o que a Natureza executa, sendo que
aqui o fator determinante é a luta pela vida. Esse balanço de forças — Natureza
e Ser Vivo — fornece um certo equilíbrio da espécie, que se quebra quando uma
se multiplica à custa de excessiva usura da outra, Já a destruição do número
elevado de indivíduos dentro da espécie sem quebrar esse equilíbrio, é devida à
luta contra as condições adversas do meio, como sejam a improdutividade dos
solos, a inclemência do clima, o advento de catástrofes, como enchentes, secas,
etc. Há ainda a considerar a luta entre espécies que coabitam o mesmo
"locus", quer como inimigos, quer como predadores da mesma fonte de
alimentos.
De todas
essas lutas é lícito perguntar: quais os indivíduos que vão subsistir, quais os
que vão permanecer ? E então vem a última fase de luta dentro da mesma ornados,
nos mais aguerridos e mais fortes. E não é incomum a luta de machos para
possuir a mesma fêmea, por causa dessa preferência.
É
interessante aludir que as ideias principais de Darwin foram quase as mesmas
expressas na obra de Alfredo Russell Wallace, cujo manuscrito lhe foi remetido
para ler; com grande surpresa, aí encontrou, como se escrita em outro estilo,
toda sua teoria da seleção natural! Divergindo, porém, de Darwin, Wallace não
aceitava a teoria da seleção sexual, ponto, aliás que foi considerado por
muitos como implícito na própria teoria da seleção natural.
A respeito
do mecanismo de herança, Darwin apresentou a teoria que por De Vries foi
chamada da pan-gênese, porque baseada nas pângenes, segundo a qual as células
sexuais são portadoras ou veículos da herança. Havia, na sua concepção, embora
ele mesmo a achasse falha — tanto que a expôs tentativamente — entidades minúsculas
no organismo, chamadas gêmulas que imigrariam de todos os órgãos do corpo para
as células sexuais. Essas gêmulas (que De Vries depois chamou pângenes) seriam
transportadas pelo sangue, localizar-se-iam nas células sexuais e, dessa
fornia, todo o organismo ali se achava representado.
WEISMANNISMO
Ao assumir
seu cargo de vice-reitor da Universidade de Friburgo, Alemanha, em 21 de julho
de 1883, Weismann abordou suas ideias sobre hereditariedade, ideias que mais
tarde expandiu no seu livro (1893) "O Germo-plasma".
A teoria de
Weismann estabeleceu um contraste decisivo entre o que se herda (germe) e o que
não se herda (soma), distinção essa que invalidava a teoria dos caracteres
adquiridos. Assim, seria a célula germinal que daria origem a um novo indivíduo
e a clássica pergunta "quem apareceu primeiro, a galinha ou o ovo",
seria respondida que o Ovo, o qual teria provindo, como uma forma nova de Ovo,
de um animal ancestral imediato da galinha. Condicionava ele sua teoria aos fenômenos
de herança, enquanto, como vimos, Lamarck subordinava às condições do meio.
Sua
concepção estabeleceu limites bem nítidos entre duas categorias de fenômenos:
os relativos ao meio e os atinentes à herança, daí haver pressuposto duas
ordens de tecidos diferentes, quais sejam o do soma (ou corpo) e o do germe, o
primeiro influenciável pelo meio ambiente, e o segundo alheio a tais
influências. Seria o que ele chamou de continuidade do plasma germinal.
Todas as
modificações que se operassem no corpo, como mutilações, traumatismos, etc.,
não seriam transmitidos à descendência por não terem influenciado o germe. E,
como corolário desse princípio, afirmava que nenhum caráter pode ser adquirido
se o organismo não for ao mesmo predisposto, ou, em outras palavras, há um
condicionamento de preexistência para a modificação do caráter. Além de pôr em
dúvida a herança dos caracteres adquiridos, Weismann invocou razões de ordem anatômica
e fisiológica para reforço de seus argumentos. No decurso da reprodução dos
seres vivos, animais ou vegetais, ela não se daria através de divisões do soma
(corpo), mas do desenvolvimento de células reprodutivas especiais, e que seriam
as células sexuais. O desenvolvimento do embrião dá-se com a divisão do ovo em
duas partes iguais, e de cada uma destas em mais duas e assim sucessivamente,
aos poucos aparecendo uma completa diferenciação de tecidos em músculos,
nervos, ossos, etc.
Explicou
ainda Weismann que o plasma germinal se encontra no núcleo das células sexuais,
onde se localizam as unidades mais simples, e que seriam os bióforos.
Responsáveis pela caracterização do soma seriam entidades chamadas
determinantes, que possuiriam a faculdade de crescer e multiplicar como
qualquer célula, havendo certo tipo de equilíbrio no seu desenvolvimento, a que
chamou de "autocorreção". Seria assim uma espécie de limite no
crescimento dos "determinantes", de maneira a não se desenvolverem
uns mais que outros, com o consequente desenvolvimento acentuado de alguns
órgãos mais que outros, cuja tendência terminaria em indivíduos anormais ou
monstruosos, o que não seria normal.
De acordo
com a teoria, existe uma luta entre os "determinantes" no sentido de
encontrar mais alimento e uma posição provável nas células germinais, levando
vantagem no desenvolvimento aqueles que atingem esses objetivos. Dessa luta ou
competição resultariam estruturas mais ou menos diferenciadas, o que
terminaria, em gerações subsequentes, em organizações mais prováveis de um
lado, e mais débeis do outro, até sua extinção.
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Fonte:
Uma ciência atrás da cortina de ferro, por: Osvaldo Bastos de Menezes. Martins Editora. São Paulo, 1952, págs. 13-24.
Fonte:
Uma ciência atrás da cortina de ferro, por: Osvaldo Bastos de Menezes. Martins Editora. São Paulo, 1952, págs. 13-24.
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