Júlio César Ribeiro
Por: M. Cavalcanti Proença
Júlio César
Ribeiro (1845-1890), é mineiro de Sabará. Foi jornalista em Sorocaba, onde
publicou a parte inicial do romance Padre
Belchior de Pontes, mais tarde terminado e publicado em dois volumes.
Voluntarioso
e combativo, não aceitava em seu jornal — o mesmo onde publicou o romance —
anúncios sobre fuga de escravos. Coerência de abolicionista convicto.
Abolicionista
inflamado, seria, em pouco, republicano dos mais atuantes. Rebelde a toda
restrição de liberdade humana, rompe, em certa época, com o Partido Republicano
Paulista, o célebre PRP, cuja história, durante algumas décadas, marcha
paralela à própria história da república no Brasil.
Esse
temperamento rebelde, até violento, tem sido acentuado por todos os que tratam
da obra literária de Júlio Ribeiro. Ele próprio, abrindo a polêmica célebre com
o padre Sena Freitas, afirma: "Eu tenho reputação feita de escritor
agressivo, de escritor virulento." E corrige: "Virulento, sou;
agressivo não." Para ele, ser agressivo implicava em provocar debates,
quando, na verdade, não fazia mais que defender-se.
Nas polêmicas
de Júlio Ribeiro, desde logo ressalta a erudição clássica e de ciências
naturais, o que explica o tom didático e quase pedante que transparece em
certas páginas de seu mais célebre romance — A Carne. Quanto à sua autopropalada virulência, o que nela
interessa é a posse de um vocabulário rico de pejorativos, não sendo difícil
identificar Camilo Castelo Branco como modelo de seus torneios literários.
No caso
citado, para provar isenção de ânimo, começa invocando a própria
"indulgência para com a imbecilidade, para com a presunção parvoeirona do
próximo". Mas. logo depois, é a agressão verbal, sem quase espaço para
respirar, ou melhor, nos espaços de respirar entra uma resposta ou um ataque ao
adversário. Assim é que inicia a polêmica, referindo que não se importa com
"descabeladas sandices", salvo se o provocam. Então "eu me
arregaço como o aziar, atiro-me ã besta, agarro-me pelo cogote. comprimo-lhe a
beiça, sujeito-a, cavalgo-a e faço-a virar à direita e ã esquerda; depois,
quando a vejo quebrada, mansa, de orelhas murchas, desmonto e, com um pontapé
amistoso, mando-a em paz às moscas do farejai". Para complemento breve,
bastava um rol pequeno de epítetos e elementos de frases: "palhaço de
batina", "larachas desopilantes", "bonzo maroto", "vendedor
de bulas falsas", "flagrante delito de asneira", e encerra:
"Olha, Sena Freitas: tu és porco, Sena Freitas; tu estás borrado, Sena
Freitas; tu estás fedendo, Sena Freitas... Sai daqui, Sena Freitas!"
Como prova
de "indulgência para com a imbecilidade", julgue-a o leitor. É
verdade que o padre não fora menos "virulento", ao falar de
"carne pútrida, exibida a 3$000 a posta, nos açougues literários de São Paulo
e de que Júlio Ribeiro se constituiu magarefe".
Como
romancista, seu primeiro livro, Padre
Belchior de Pontes, abordando o problema do celibato do clero, lembra seu
tanto o, Enrico, o Presbítero, de Alexandre, embora não seja este o motivo
central do conflito. Na verdade, o romance é polêmico, mas contra a Companhia
de Jesus, e o padre é o protótipo de um espírito triturado nas engrenagens de
uma organização, universal, enquanto a paixão impossível e irrelevada pela
bem-amada da adolescência — que, in extremis
e em confissão, lhe revela a mesma fidelidade na lembrança e no amor — percorre
o livro corno um perfume romântico, em meio a citações latinas, a descrições de
paisagens brasileiras, a evocações de acontecimentos e figuras históricas,
material do romance que se situa no tempo da guerra dos emboabas.
A linha
nacionalista é evidente; democracia e abolicionismo são as tônicas feridas com
aquela técnica antiliterária dos autores que, de vocação oratória e política,
fazem confusão entre canto de página e esquina de praça pública, para os seus
comícios.
No entanto, Padre Belchior de Pontes continua
reeditado, e, a qualquer tempo, sempre haverá uma editora que o tenha impresso
para consumo do leitor comum. É que a narrativa histórica é feita em boa
linguagem, os tipos de bandeirantes são vestidos à romântica, falam um idioma
literário, algumas vezes de concisão espartana. Os padres — que muitos
palmilham o livro — são misteriosos, variados, merecendo alguns o desprezo, e
outros, a admiração mais fervorosa. Como na vida real.
Não é só de
hoje a reação dos leitores diante dos personagens do romance. Quando apareceu
em folhetim, recebeu imediatamente o aplauso de jornais de São Paulo, do Rio de
Janeiro, de escritores de renome; e o autor relata com orgulho: "levantaram
una você à obrinha, exaltaram-na, glorificaram-na".
Se, no
primeiro romance, de 1876, exalta o sentimento de brasilidade, confessando
votar às províncias de Minas (onde nasceu) e São Paulo (onde viveu), "um
amor ardente, intenso, baírrístico até", doze anos depois Júlio Ribeiro
estarreceria os leitores bem comportados, com a publicação de A Carne, livro que, até hoje, encontra
condenação. Para José Veríssimo, o livro é um "parto monstruoso de um
cérebro artisticamente enfermo"; para Álvaro Lins, "a presença de
Júlio Ribeiro na história do romance brasileiro é um equívoco"; para Lúcia
Miguel Pereira o autor "só conseguiu compor um livro ridículo". Em
meio às sentenças radicais, duas acusações precisas foram feitas a Júlio
Ribeiro: a filiação do romance a O Homem,
de Aluísío Azevedo, e a inverossimilhança e monstruosidade do enredo.
Josué
Montello, entretanto, procura entender e explicar a razão da incontestável
popularidade de A Carne: "o
sensualismo é o ponto de contato natural entre a gerações que se sucedem. E é
disto que se aproveita possivelmente o romance de Júlio Ribeiro, daí derivando
a sua perenidade, a despeito de todo o mal que dele se tem dito cm mais de meio
século"
Fomos
levados a transcrever opiniões e a tratar da obra de ficção de Júlio Ribeiro,
porque é através dela que mostra a excepcionalidade, criando com os seus livros
participantes uma personalidade literária que, além da arte individual, deve
ser considerada, também, pelas repercussões de sua obra.
De sua vida,
sabemos que era filho de um norte-americano da Virgínia e de mãe brasileira.
Frequentou a Escola Militar, cujo curso não terminou; dedicou-se ao magistério
e foi professor de latim, por concurso, no curso anexo à Faculdade de Direito
de São Paulo.
Fundador de
um jornal, "A Procelária", de nome simbólico, pois é o de uma ave que
enfrenta as tempestades, foi nele que polemizou e fez propaganda republicana.
Proclamada a República, foi professor de Retórica e lecionou no Instituto de
Educação Secundária, ainda em São Paulo. Morreu em Santos, a 1° de novembro de
1890.
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Fonte:
A Carne, por: Júlio Ribeiro. Biografia de: M. Cavalcanti Proença. Ediouro. Rio de Janeiro, 1985.
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Fonte:
A Carne, por: Júlio Ribeiro. Biografia de: M. Cavalcanti Proença. Ediouro. Rio de Janeiro, 1985.
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