terça-feira, 5 de julho de 2016

biografia de Júlio Ribeiro

 Júlio César Ribeiro
Por: M. Cavalcanti Proença
Júlio César Ribeiro (1845-1890), é mineiro de Sabará. Foi jornalista em Sorocaba, onde publicou a parte inicial do romance Padre Belchior de Pontes, mais tarde terminado e publicado em dois volumes.
Voluntarioso e combativo, não aceitava em seu jornal — o mesmo onde publicou o romance — anúncios sobre fuga de escravos. Coerência de abolicionista convicto.
Abolicionista inflamado, seria, em pouco, republicano dos mais atuantes. Rebelde a toda restrição de liberdade humana, rompe, em certa época, com o Partido Republicano Paulista, o célebre PRP, cuja história, durante algumas décadas, marcha paralela à própria história da república no Brasil.
Esse temperamento rebelde, até violento, tem sido acentuado por todos os que tratam da obra literária de Júlio Ribeiro. Ele próprio, abrindo a polêmica célebre com o padre Sena Freitas, afirma: "Eu tenho reputação feita de escritor agressivo, de escritor virulento." E corrige: "Virulento, sou; agressivo não." Para ele, ser agressivo implicava em provocar debates, quando, na verdade, não fazia mais que defender-se.
Nas polêmicas de Júlio Ribeiro, desde logo ressalta a erudição clássica e de ciências naturais, o que explica o tom didático e quase pedante que transparece em certas páginas de seu mais célebre romance — A Carne. Quanto à sua autopropalada virulência, o que nela interessa é a posse de um vocabulário rico de pejorativos, não sendo difícil identificar Camilo Castelo Branco como modelo de seus torneios literários.
No caso citado, para provar isenção de ânimo, começa invocando a própria "indulgência para com a imbecilidade, para com a presunção parvoeirona do próximo". Mas. logo depois, é a agressão verbal, sem quase espaço para respirar, ou melhor, nos espaços de respirar entra uma resposta ou um ataque ao adversário. Assim é que inicia a polêmica, referindo que não se importa com "descabeladas sandices", salvo se o provocam. Então "eu me arregaço como o aziar, atiro-me ã besta, agarro-me pelo cogote. comprimo-lhe a beiça, sujeito-a, cavalgo-a e faço-a virar à direita e ã esquerda; depois, quando a vejo quebrada, mansa, de orelhas murchas, desmonto e, com um pontapé amistoso, mando-a em paz às moscas do farejai". Para complemento breve, bastava um rol pequeno de epítetos e elementos de frases: "palhaço de batina", "larachas desopilantes", "bonzo maroto", "vendedor de bulas falsas", "flagrante delito de asneira", e encerra: "Olha, Sena Freitas: tu és porco, Sena Freitas; tu estás borrado, Sena Freitas; tu estás fedendo, Sena Freitas... Sai daqui, Sena Freitas!"
Como prova de "indulgência para com a imbecilidade", julgue-a o leitor. É verdade que o padre não fora menos "virulento", ao falar de "carne pútrida, exibida a 3$000 a posta, nos açougues literários de São Paulo e de que Júlio Ribeiro se constituiu magarefe".
Como romancista, seu primeiro livro, Padre Belchior de Pontes, abordando o problema do celibato do clero, lembra seu tanto o, Enrico, o Presbítero, de Alexandre, embora não seja este o motivo central do conflito. Na verdade, o romance é polêmico, mas contra a Companhia de Jesus, e o padre é o protótipo de um espírito triturado nas engrenagens de uma organização, universal, enquanto a paixão impossível e irrelevada pela bem-amada da adolescência — que, in extremis e em confissão, lhe revela a mesma fidelidade na lembrança e no amor — percorre o livro corno um perfume romântico, em meio a citações latinas, a descrições de paisagens brasileiras, a evocações de acontecimentos e figuras históricas, material do romance que se situa no tempo da guerra dos emboabas.
A linha nacionalista é evidente; democracia e abolicionismo são as tônicas feridas com aquela técnica antiliterária dos autores que, de vocação oratória e política, fazem confusão entre canto de página e esquina de praça pública, para os seus comícios.
No entanto, Padre Belchior de Pontes continua reeditado, e, a qualquer tempo, sempre haverá uma editora que o tenha impresso para consumo do leitor comum. É que a narrativa histórica é feita em boa linguagem, os tipos de bandeirantes são vestidos à romântica, falam um idioma literário, algumas vezes de concisão espartana. Os padres — que muitos palmilham o livro — são misteriosos, variados, merecendo alguns o desprezo, e outros, a admiração mais fervorosa. Como na vida real.
Não é só de hoje a reação dos leitores diante dos personagens do romance. Quando apareceu em folhetim, recebeu imediatamente o aplauso de jornais de São Paulo, do Rio de Janeiro, de escritores de renome; e o autor relata com orgulho: "levantaram una você à obrinha, exaltaram-na, glorificaram-na".
Se, no primeiro romance, de 1876, exalta o sentimento de brasilidade, confessando votar às províncias de Minas (onde nasceu) e São Paulo (onde viveu), "um amor ardente, intenso, baírrístico até", doze anos depois Júlio Ribeiro estarreceria os leitores bem comportados, com a publicação de A Carne, livro que, até hoje, encontra condenação. Para José Veríssimo, o livro é um "parto monstruoso de um cérebro artisticamente enfermo"; para Álvaro Lins, "a presença de Júlio Ribeiro na história do romance brasileiro é um equívoco"; para Lúcia Miguel Pereira o autor "só conseguiu compor um livro ridículo". Em meio às sentenças radicais, duas acusações precisas foram feitas a Júlio Ribeiro: a filiação do romance a O Homem, de Aluísío Azevedo, e a inverossimilhança e monstruosidade do enredo.
Josué Montello, entretanto, procura entender e explicar a razão da incontestável popularidade de A Carne: "o sensualismo é o ponto de contato natural entre a gerações que se sucedem. E é disto que se aproveita possivelmente o romance de Júlio Ribeiro, daí derivando a sua perenidade, a despeito de todo o mal que dele se tem dito cm mais de meio século"
Fomos levados a transcrever opiniões e a tratar da obra de ficção de Júlio Ribeiro, porque é através dela que mostra a excepcionalidade, criando com os seus livros participantes uma personalidade literária que, além da arte individual, deve ser considerada, também, pelas repercussões de sua obra.
De sua vida, sabemos que era filho de um norte-americano da Virgínia e de mãe brasileira. Frequentou a Escola Militar, cujo curso não terminou; dedicou-se ao magistério e foi professor de latim, por concurso, no curso anexo à Faculdade de Direito de São Paulo.
Fundador de um jornal, "A Procelária", de nome simbólico, pois é o de uma ave que enfrenta as tempestades, foi nele que polemizou e fez propaganda republicana. Proclamada a República, foi professor de Retórica e lecionou no Instituto de Educação Secundária, ainda em São Paulo. Morreu em Santos, a 1° de novembro de 1890.

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Fonte:
A Carne, por: Júlio Ribeiro. Biografia de: M. Cavalcanti Proença. Ediouro. Rio de Janeiro, 1985.

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