Os Rolos do Mar Morto
"Os Rolos do Mar Morto, descobertos,
provavelmente, em 1947 por beduínos árabes chegaram às mãos dos estudiosos no
fim daquele ano e no começo de 1948. As descobertas se realizaram nas cavernas
nos penhascos margosos que distam entre um e dois km ao oeste da extremidade
nordeste do Mar Morto, localidade esta que é conhecido pelo nome árabe de Cunrã
(Qumran), perto de uma fonte copiosa de água doce chamada Ain Fexca (Feshkha).
Esta localização à margem do deserto de Judá, faz que às vezes haja a expressão
"Rolos de Ain Fexca", ou "Rolos do Deserto de Judá".
Os rolos foram vistos por vários estudiosos na parte
posterior do ano 1947, e alguns deles confessam que na época, menosprezaram-nos
como sendo falsificações. Um dos professores que reconheceram a verdadeira
antiguidade dos rolos foi o falecido Prof. Eleazar L. Sukenik da Universidade
Hebraica, e ele conseguiu mais tarde comprar alguns deles. Outros rolos foram
levados para a Escola Americana de Pesquisas Orientais em Jerusalém, onde o
Diretor interino, Dr. John C. Trever, percebendo seu grande valor, mandou
fotografar os pedaços que foram levados a ele. Uma das suas fotografias foi
enviada ao Prof. William F. Albright, que imediatamente declarou que esta foi
"a descoberta a mais importante que já tinha sido feita no assunto de
manuscritos do Antigo Testamento".
Os rolos que foram comprados pela Universidade
Hebraica incluíam o Rolo de Isaías da Universidade Hebraica (1QIsb), que
contém uma parte do Livro, a Ordem da
Guerra, conhecido também como A
Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas (1QM), e os Hinos de Ações de Graças, ou Hodayot (1 QH). Os rolos comprados pelo
arcebispo sírio e publicados pelas Escolas Americanas de Pesquisas Orientais
incluíam o Rolo de Isaías de São Marcos (1QIsa), que é
um rolo do Livro inteiro, o Comentário
de Habacuque (1QpHab), que contém o texto dos caps. l e 2 de Habacuque com
um comentário, e o Manual de Disciplina
(1QS), que contém as regras para os membros da comunidade de Cunrã.
Subsequentemente, estes rolos passaram a integrar o patrimônio do Estado de
Israel, e são conservados num santuário especial da Universidade Hebraica em
Jerusalém. Têm sido publicados em numerosas edições e recensões, e traduzidos
para várias línguas, havendo grandes facilidades para quem deseja estudá-los em
tradução ou em fac-símile.
Depois da descoberta destes rolos, que são de grande
importância por ter sido quase unanimemente reconhecido que pertencem ao último
século a.C. e ao primeiro século d.C., a região onde foram achados tem sido
sujeitada a exploração sistemática. Numerosas cavernas têm sido achadas, e até
agora, onze destas cavernas têm oferecido materiais da mesma época dos rolos
originais. A maior parte destes rolos tem vindo da quarta caverna a ser
explorada (Caverna Quatro, ou 4Q), e outros de grande significado foram achados
nas cavernas 2Q, 5Q, e 5Q. Segundo as últimas notícias, as descobertas as mais
significativas têm sido as da caverna 11Q.
Só da caverna 4Q, os fragmentos achados representam um
mínimo de 382 manuscritos diferentes, e uma centena destes são manuscritos
bíblicos. Estes incluem fragmentos de todos os livros da Bíblia hebraica menos
Ester. Alguns dos livros são representados em muitas cópias diferentes: há, por
exemplo, 14 manuscritos diferentes de Deuteronômio, 12 manuscritos de Isaías, e
10 manuscritos dos Salmos, representados nos fragmentos achados em 4Q; outros
fragmentos destes mesmos livros têm sido achados em 11 Q, mas ainda não foram
publicados. Um dos achados significantes, que pode ter grande valor em avaliar
teorias sobre data e autoria, diz respeito ao Livro de Daniel, fragmentos do
qual têm a mudança do hebraico para o aramaico em Dn 2:4, e do aramaico para o
hebraico em Dn 7:28-8:1, exatamente como nos textos de Daniel que se empregam
mais recentemente.
Além dos achados de Livros bíblicos, descobriram-se
fragmentos de livros deuterocanônicos, especificamente Tobias e Eclesiástico, e
também de vários escritos não canônicos. Alguns destes já eram conhecidos:
Jubileus, Enoque, o Testamento de Levi, etc. Outros foram totalmente
desconhecidos, especialmente os documentos que pertenciam ao grupo de Cunrã:
Salmos de ações de graças, o Livro da Guerra, os comentários sobre trechos das
Escrituras, etc. Estes últimos nos oferecem uma visão da natureza e das crenças
da comunidade de Cunrã.
Perto dos penhascos no planalto aluvial que domina as
praias do Mar Morto há os alicerces de um prédio antigo e complexo, muitas
vezes chamado de "mosteiro". Este foi totalmente escavado durante
várias estações, e isto tem desvendado informações importantes quanto à
natureza, ao tamanho e à data da comunidade de Cunrã. As moedas achadas ali,
juntamente com outros vestígios, têm oferecido indicações para fixar a data da
comunidade entre 140 a.C. e 67 d.C. Os membros eram quase todos masculinos,
embora que a literatura regulamente as condições para a admissão de mulheres e
crianças. O número de pessoas que viviam ali ao mesmo tempo seria
aproximadamente entre 200 e 400. Uns 2 km ao sul, em Ain Fexca, foram
descobertos remanescentes de outras construções, cuja natureza não tem sido
exatamente esclarecida. A água doce da fonte provavelmente foi usada para o
plantio, e para outras necessidades da comunidade.
Pela literatura que a seita deixou, sabemos que o povo
de Cunrã era judaico, um grupo que se separara da corrente central do judaísmo
que se situava em Jerusalém, e que até criticava e mostrava hostilidade aos
sacerdotes de Jerusalém. O fato de adotarem o nome "Filhos de
Zadoque", levou alguns estudiosos a postular que os sectários de Cunrã fossem
vinculados aos Zadoquitas ou Saduceus; outros estudiosos acreditam que seria
mais correto identificá-los com os Essênios, uma terceira seita do judaísmo,
descrita por Josefo e Fílon. Não é impossível que haja elementos de verdade em
ambas estas teorias, e que tenha havido originalmente uma cisão na linhagem
sacerdotal ou saducéia que aderiu ao movimento chamado dos hasideanos, os
antepassados espirituais dos fariseus, seguida por outra separação posterior
para formar uma seita fechada, separatista, parte da qual se situou em Cunrã.
Devemos aguardar mais descobertas antes de procurar dar uma resposta final a
este problemas complexos.
A comunidade dedicava-se ao estudo da Bíblia. A vida
da comunidade era ascética, na sua mor parte, e suas práticas incluíam o banho
ritual, que às vezes tem sido chamado batismo. Alguns estudiosos têm entendido
que esta prática foi a origem do batismo de João Batista. Uma comparação do
batismo de João com o dos cunranianos mostra, no entanto, que as duas práticas
eram inteiramente distintas entre si. Isto sendo o caso, mesmo se João tivesse
pertencido a esta comunidade (o que não se comprovou, e talvez nunca venha a
ser provado), este deve ter desenvolvido distinções importantes na sua própria
doutrina e prática do batismo.
Alguns estudiosos acreditam que haja elementos do
zoroastrismo nos escritos de Cunrã, especificamente no que diz respeito ao
dualismo e à angelologia. O problema é extremamente complexo. O dualismo do
zoroastrismo desenvolveu-se consideràvelmente na era cristã, e por este motivo
é precário argumentar que as crenças do zoroastrismo conforme hoje as
conhecemos representem as crenças de um ou dois séculos antes de Cristo.
As descobertas de Cunrã são importantes para estudos
bíblicos em geral. Não se pode tirar conclusões acerca do cânon, sendo que o
grupo de Cunrã era cismático desde o princípio, e além disto, a ausência do
Livro de Ester não implica necessariamente que rejeitava este Livro do Cânon.
Quanto à matéria do texto do Antigo Testamento, os rolos do Mar Morto têm
grande importância. O texto do Antigo Testamento Grego, ou Septuaginta, e as
citações do Antigo Testamento no Novo, indicam que tenha havido outros textos
além daquele que veio até nós (o Texto Massorético). O estudo dos rolos do Mar
Morto revela claramente que, na época de serem produzidos, que seria mais ou
menos na época da elaboração dos manuscritos bíblicos utilizados pelos autores
do Novo Testamento, havia no mínimo três tipos de textos circulando: um pode
ser chamado o precursor do Texto Massorético; o segundo estava intimamente
relacionado com aquele utilizado pelos tradutores da Septuaginta; o terceiro
era diferente de ambos. As diferenças não são grandes, e em passagem alguma
envolvem assuntos de doutrina; mas para um estudo textual pormenorizado é
importante que nos libertemos do conceito que o Texto Massorético seja o único
texto autêntico. A verdade é que as citações do Antigo Testamento que se acham
no Novo, dão margem para se compreender que não foi o Texto Massorético aquele
que mais se empregava pelos autores do Novo Testamento. Precisamos qualificar
estas declarações pela explicação que a qualidade do texto é diferente entre os
vários livros do Antigo Testamento, e que há muito mais uniformidade no texto
do Pentateuco do que em algumas outras porções da Bíblia Hebraica. Os rolos do
Mar Morto têm feito uma grande contribuição para o estudo do texto dos Livros
de Samuel.
No que diz respeito ao Novo Testamento, os rolos do
Mar Morto são igualmente de grande importância. Obviamente, não existe nenhum
texto do Novo Testamento nas descobertas de Cunrã, sendo que o primeiro Livro
do Novo Testamento foi escrito muito pouco tempo antes da destruição da
comunidade de Cunrã. Além disto, não há motivo algum para que alguma escrita
neotestamentária tenha sido trazido a Cunrã. Por outro lado, há certas
referências e pressuposições no Novo Testamento, mormente na pregação de João
Batista e Jesus Cristo, e nas escritas de Paulo e João, que podem ser colocados
contra um pano de fundo reconhecidamente semelhante àquele descrito nos
documentos de Cunrã. Por exemplo, o pano de fundo gnóstico de certas escritas
paulinas que antigamente foi considerado como situação histórica do gnosticismo
grego do segundo século d.C. — o que implicaria numa data posterior para a composição
da Epístola aos Colossenses — reconhece-se agora como sendo o gnosticismo
judaico do primeiro século d.C. ou ainda antes da era cristã. Semelhantemente,
o estilo do Quarto Evangelho revela-se como sendo palestiniano e não
helenístico.
Muita coisa tem sido escrito no assunto do
relacionamento entre Jesus Cristo e a comunidade de Cunrã. Não há evidência nos
documentos de Cunrã que Jesus tenha sido membro da seita, e nada há no Novo
Testamento que exija tal ponto de vista. Bem ao contrário, a maneira de Jesus
encarar o mundo, e mais especialmente, Seu próprio povo, é diametralmente
oposta à cosmovisão de Cunrã, e podemos declarar, sem medo de errar, que Jesus
não tenha sido membro daquele grupo em tempo algum. Pode ter sido alguns
discípulos que tenham surgido de um passado deste tipo, mais especificamente os
discípulos que antes seguiam a João Batista, mas há muita falta de provas neste
assunto. A tentativa de comprovar que o Ensinador da Retidão de Cunrã tenha
servido como padrão da descrição de Jesus que se registra nos Evangelhos não se
corrobora pelo estudo dos rolos do Mar Morto. O Ensinador da Retidão era um
jovem magnífico com grandes ideais, que morreu cedo demais; não há, no
entretanto, nenhuma declaração clara que tenha sido condenado à morte, nem se
pode inferir que tenha sido crucificado para então ressurgir dentre os mortos,
e que os sectários de Cunrã tenham aguardado sua volta. A diferença entre Jesus
e o Ensinador da Retidão destaca-se nitidamente em vários pormenores: o
Ensinador da Retidão nunca foi considerado o Filho de Deus ou Deus Encarnado;
sua morte não se revestiu de natureza sacrificial; a refeição sacramental (se
realmente tenha sido isto mesmo), não era considerada como sendo uma lembrança
da sua morte nem como uma promessa da sua volta, e nada tinha que ver com a
remissão dos pecados. É óbvio que no caso de Jesus Cristo, todos estes aspectos
são claramente declarados, não só uma vez, mas repetidas vezes no Novo
Testamento, e, afinal, são doutrinas fundamentais sem as quais não poderia
existir a fé cristã."
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Fonte:
"Manual Bíblico: um comentário abreviado da Bíblia", por Henry H. Halley. Tradução de David A. de Mendonça. Sociedade Edições Vida Nova. Edição atualizada por Gordon Chown. São Paulo, 1971.
Fonte:
"Manual Bíblico: um comentário abreviado da Bíblia", por Henry H. Halley. Tradução de David A. de Mendonça. Sociedade Edições Vida Nova. Edição atualizada por Gordon Chown. São Paulo, 1971.
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