terça-feira, 28 de junho de 2016

O Teatro de Revista no Brasil

O Teatro de Revista no Brasil

O teatro de revista, como a opereta, também nasceu francês. Depois foi para Portugal e, de lá, veio para o Brasil. Chegou até nós como revista de ano, pois era um tipo de teatro musical e divertido que passava em revista os acontecimentos do ano anterior. No Brasil, as duas primeiras tentativas não deram certo. O público não gostou e a culpa era colocada no excesso de sátiras políticas. Em 1877, Arthur Azevedo escreveu sua primeira revista que se chamava O Rio de Janeiro em 1877. O público aceitou melhor. Mesmo assim, ainda foi meio devagar.

 Foi só em janeiro de 1884, com uma revista que se chamava O Mandarim, que Arthur Azevedo e Moreira Sampaio instalaram, definitivamente, esse teatro entre nós. A revista O Mandarim ficou conhecida como a gargalhada que abalou o Rio. Era uma crítica muito engraçada aos problemas do Rio de Janeiro, como as epidemias que ameaçavam o carnaval e a chegada de um mandarim para tratar da imigração chinesa que substituiria a mão de obra escrava. A força dessa revista estava no texto e na sátira política. Por isso, o grande nome em destaque era o ator Xisto Baía, um dos comediantes de maior sucesso na época. Ao todo, Arthur escreveu 19 revistas, todas geniais. Eram revistas satíricas e de enredo. A força estava nas mãos do grande dramaturgo e na performance do ator cômico brasileiro.

Ainda não tinha chegado a vez das grandes vedetes.

A primeira grande virada veio com uma revista portuguesa famosíssima chamada Tintim por Tintim, de Souza Bastos. A companhia chegou ao Brasil em agosto de 1892, após ter estreado, em Lisboa, em março de 1889 e realizado trezentas e quinze apresentações antes de desembarcar por aqui. Um recorde inigualável!

Pressionado pela censura que proibiu críticas e alusões políticas, o teatro de revista em Portugal quase desapareceu.

Foi então que o empresário Souza Bastos (uma espécie de Walter Pinto português), sem se dar por vencido, encontrou uma saída: caprichou na cenografia, cuidou muito dos figurinos, foi buscar belas e atraentes atrizes e procurou aumentar a malícia e a cumplicidade entre elas e os espectadores que se divertiam com as coristas e com as brincadeiras de duplo sentido. Na revista Tintim por Tintim as referências ao sexo substituíram as alusões políticas, que estavam proibidas. Esperto, Souza Bastos deve ter-se inspirado nos espetáculos de café-concerto parisienses que iriam gerar o music-hall.

Tintim por Tintim tinha mais fantasia, mais alusões, mais duplos sentidos eróticos. O texto era pretexto para um desfile de mulheres. Esta proposta está claramente definida em uma das falas do personagem Lucas, o compère português, no famoso quadro da Cozinha Dramática que inaugurou a moda de colocar lindas mulheres vestidas de sal, pimenta e comidinhas diversas:

Ulisses (para o cozinheiro) – Devias fornecer-nos uma cena interessante.
Cozinheiro – Posso até fornecer cenas diversas. Em que gênero desejam?
Ulisses – Os que mais agradam.
Cozinheiro – Nesse caso, mulheres!
Lucas – Está visto. Não há peça que deixe de agradar com mulheres galantes e músicas bonitas.

Pepa Ruiz nasceu em Badajós (Espanha, 1859) e chegou ao Brasil com o marido, o empresário português Souza Bastos, em 1892. Veio como a vedete de Tintim por Tintim, espetáculo em que se mostrava versátil, pois chegou a interpretar vinte e quatro papéis. Um crítico português escreveu que o Tintim... poderia se chamar a Pepa em três actos e vinte e nove pares de meias justíssimas. Era uma rapariga famosa pela belíssima plástica. Em Portugal, é considerada (pela história) a primeira verdadeira grande vedete que a revista conheceu.

Pepa, conhecida como a arquigraciosa, estonteava os lisboetas com suas piscadelas em um número que se tornou antológico: Caluda José. Reproduzo aqui somente a primeira e última estrofe, por serem absolutamente exemplares quanto ao caráter malicioso do final do século:

O meu maridinho
Gentil, galantinho
Se chama José. (bis)
Não, não é papalvo
Coitado, mas calvo,
Ah, isso é que é. (bis)
Mas não é defeito
Pois tem muito jeito...
Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai!
Caluda José! Caluda José!
..........................
Se vai tomar banho
Eu sempre acompanho
O bom do José. (bis)
E para o lavar
Costumo levar
A tina para o pé. (bis)
Caiu-me o sabão
Eu meti a mão
Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai!
Caluda José! Caluda José!

A primeira montagem de Tintim por Tintim foi apresentada em inúmeras cidades brasileiras. O texto desta revista portuguesa foi o mais remontado no País, durante anos e anos. Quando chegou, a companhia fez, de início, mais de cem apresentações consecutivas, influenciando nossos autores e mostrando a possibilidade de se trocar a força da crítica política pela força dos apelos sexuais.

Pepa acabou se especializando em tipos brasileiros. Sua primeira experiência foi fazer uma baiana que cantava e requebrava um lundu chamado Mugunzá, na versão-Brasil do Tintim por Tintim... Com esse número, ela ficou mais conhecida ainda, pois sabia extrair, como ninguém, os efeitos maliciosos de uma comida que, fora da Bahia, quase ninguém conhecia na época. Pintada de mulata ela oferecia seu mungunzá à plateia:

Doce apurado
Leite bem grosso
Coco ralado
Prove seu moço
Ah!
Prove e depois me dirá
Se gostou do meu mungunzá (bis)
Ioiô
Iaiá

A partir de 1902, Pepa resolveu ficar no Brasil para sempre. Souza Bastos voltou a Portugal e a substituiu não só como vedete, mas também no seu coração. Casou-se com Palmira Martinez Bastos e apresentou-a em sua outra revista Sal e Pimenta. O público de admiradores fiéis à Pepa não aceitou e reagiu com fortes pateadas. Faleceu aos 63 anos. No Rio de Janeiro.




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Fonte:
As Grandes Vedetes do Brasil, por: Neyde Veneziano. Coleção Aplauso - Governo do Estado de São Paulo. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 2010.

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