domingo, 19 de junho de 2016

A crise do populismo

A crise do populismo
A crise dos regimes populistas iniciou-se em meados da década de 1950 e foi gerada antes de tudo por fatores internos de cada país, em especial pelo esgotamento do modelo econômico do populismo. Os fatores externos podem ser resumidos no avanço mundial do imperialismo, principalmente norte-americano, que resultou numa impossibilidade cada vez maior de desenvolvimento de um capitalismo nacional.
Nos anos iniciais da crise do modelo populista, em alguns países realizou-se a experiência do desenvolvimentismo, que consistiu numa associação das burguesias nacionais com o capital estrangeiro, ao mesmo tempo que eram mantidas algumas características do populismo, como a democracia política e a força das organizações das classes trabalhadoras.
O desenvolvimentismo também entrou em crise, sendo substituído por regimes militares, que procuraram liquidar totalmente os traços da experiência populista, e continuaram com o processo de abertura ao capital estrangeiro.
Em alguns países, procurou-se uma superação do subdesenvolvimento e da dependência, por meio do socialismo, vitorioso em Cuba, esmagado no Chile e derrotado em eleições e por pressões norte-americanas na Nicarágua.

Crise do populismo e economia
O suicídio do presidente Vargas, em 1954, e a queda de Perón, em 1955, marcaram de forma espetacular o início da crise dos regimes populistas, que se estendeu pelos anos 60 em outros países, além do Brasil e da Argentina. Um estudo dessa mudança política exige uma visão da economia e da vida social no continente nas últimas décadas.

Fatores econômicos e internos da crise
A constante queda dos preços dos produtos primários, que se acentuou a partir de 1953, passou a ser um dos elementos básicos do quadro econômico latino-americano. Naquele ano findou a fase de ascensão dos produtos primários no mercado internacional iniciada com o fim da Segunda Guerra.
A queda de preços teve maior impacto no setor agrário que, com exceção de México, Bolívia e Venezuela, não foi alterado pelos regimes populistas. O quadro, que dura até os dias de hoje na maior parte da América Latina, era o do latifúndio improdutivo ou monocultor e dependente do mercado internacional; 90% das terras cultiváveis continuaram nas mãos de 10% da população. Frequentemente, a alternativa ao latifúndio era o minifúndio, incapaz de prover a subsistência de quem o cultivava. Os problemas dessa estrutura agrária eram inúmeros e alguns de crescente importância no quadro das economias nacionais: baixa remuneração do trabalho, que contribuía para o reduzido desenvolvimento do mercado interno; êxodo rural e o decorrente "inchaço" das cidades; baixa produtividade, que forçava a importação de alimentos em países de grande potencial agrícola.
Além de agudizar a crise do setor primário, diminuindo a sua renda, a queda de preços acarretou um outro grave problema, a saber: a incapacidade de realizar importações pela falta de divisas. A diminuição da capacidade de importar era particularmente grave, pois tornava mais difícil o desenvolvimento da indústria de bens de consumo (para não se falar das de bens de capital), que necessitava de tecnologia, máquinas e matérias-primas.
Os problemas criados pela industrialização também eram vários. A indústria criou novas necessidades, levou a um aumento das importações e acentuou um velho problema latino-americano: o endividamento externo. Utilizando tecnologia avançada, o desenvolvimento industrial não absorveu mão-de-obra em ritmo compatível com o crescimento da população e o êxodo provocado pela crise da agricultura. O crescimento da população urbana manteve baixos os salários e aumentou a demanda de serviços públicos nas cidades, fazendo crescer as despesas do Estado, que já eram altas por causa dos investimentos em obras de infraestrutura e atividades econômicas não lucrativas, necessárias ao desenvolvimento.
Todo esse quadro marcado pelo endividamento externo e pelo aumento das despesas governamentais conduziu às altas taxas de inflação que caracterizaram a agonia do populismo.
 Fatores econômicos externos
No início da década de 60, surgiu no Brasil um livro chamado Um dia na vida de Brasilino, que mostrava de forma satírica algo que ocorria em toda a América Latina, ou seja, a internacionalização ou americanização da economia e da vida cotidiana. Brasilino, um típico representante da classe média alta, acordava depois de dormir com Lençóis Santista, na realidade fabricados por uma companhia inglesa; lavava o rosto e escovava os dentes com produtos da Gessy-Lever; tomava o café da manhã com pão fabricado pela Pulmann, margarina da Anderson Clayton e Nescafé da Nestlé; depois de um cigarro da Souza Cruz, "que não é do seu Souza e nem do seu Cruz...", saía de casa num Ford abastecido num posto da Esso. E, assim, lá ia o Brasilino, que podia ser cidadão de qualquer país latino-americano, pagando dividendos às empresas multinacionais o dia inteiro até o momento de aguardar o sono com um filmezinho na TV, invariavelmente norte-americano.
A estória de Brasilino vale um tratado de economia para mostrar a grande expansão dos países capitalistas centrais na América Latina. A penetração imperialista, que sempre existiu, acentuou-se a partir da década de 50 e com isso estabeleceu-se uma nova divisão internacional do trabalho. Anteriormente, a América Latina desempenhava a função de produtora de produtos primários e consumidora de manufaturados da indústria dos países centrais. Esse quadro começou a ser alterado com o desenvolvimento de uma indústria local, o que gerou uma política protecionista e fez surgir em muitos países a esperança de desenvolvimento de um capitalismo nacional, alimentada pelo nacionalismo dos regimes populistas.
Mas a evolução da economia capitalista mundial veio a desmentir essas esperanças. Visando neutralizar as barreiras alfandegárias e aproveitar a mão-de-obra barata nos países da América Latina, as grandes corporações de atuação multinacional, a partir da década de 50, passaram a exportar capitais e tecnologia, destinados a construir linhas de montagem e fábricas para a produção de bens de consumo imediatos e duráveis; para isso contaram com a captação de recursos nas sociedades locais e inúmeras vantagens oferecidas pelos governos latino-americanos.


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Fonte:
História da América, por: Raymundo Campos. Atual Editora, 2ª Edição. São Paulo, 1995, págs. 224-226.

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