O indígena brasileiro: a visão dos europeus
Como vivia
material, cultural e espiritualmente o indígena brasileiro à época da conquista
das terras americanas pelos europeus?
Essa questão
não tem resposta única e precisa, pois são poucas as pesquisas e estudos sobre
o modo de vida do indígena brasileiro antes dos contatos com os europeus. Em
países pobres, com escassez de recursos, de conhecimentos e de tecnologia, como
o nosso, não é dada prioridade a essa área de investigação científica. Quase
sempre essas pesquisas dependem mais do esforço individual dos pesquisadores do
que da ajuda e do incentivo governamentais.
Há que se
considerar ainda deformações, preconceitos e julgamentos etnocêntricos de que
foram e têm sido vítimas as populações tribais. Os primeiros cronistas, como
Manuel da Nóbrega, André Thevet, Hans Staden, Frei Vicente de Salvador, Pêro de
Magalhães Gandavo e outros, que descreveram o modo de vida de nossos indígenas,
tinham uma visão de mundo modelada pelo cristianismo europeu da fase feudal e
renascentista. Ao depararem com uma forma de vida muito distinta da europeia,
que consideravam a única válida, esses cronistas reforçaram a ideia de uma
pretensa superioridade racial e cultural do europeu, a quem caberia o papel de
levar seus valores aos povos americanos.
Pouco
compreendendo a cultura do homem americano em geral, e a do brasileiro em
particular, o português conquistador estabeleceu uma divisão grosseira entre os
nossos indígenas, agrupando-os em "tupi" (os moradores do litoral) e
"tapuia" (os habitantes do interior). Essa interpretação dos
cronistas europeus deveu-se em parte aos próprios "tupi" que, tendo
os "tapuia" como inimigos, consideravam-nos inferiores.
Como a
colonização iniciou-se pelo litoral, os primeiros contatos foram estabelecidos
com os tupi, tendo os europeus pouco acesso aos grupos tapuia. Assim, quando os
cronistas se referiam ao índio brasileiro, na verdade estavam generalizando
informações que valiam apenas para certos grupos tupi. Porém, mesmo no que se
refere aos tupi, as informações estavam imbuídas de preconceitos e
etnocentrismo e eram resultado da observação de algumas poucas tribos.
Ao europeu
educado segundo o cristianismo dos séculos XV e XVI, era difícil entender o
modo de viver dos indígenas. Para eles, a poligamia, a antropofagia, a crença
em forças mágicas e não no Deus cristão, a nudez etc. eram consideradas índices
de barbárie incompatíveis com a visão europeia da vida.
Devido a
essas práticas distintas das europeias, o indígena era considerado cruel,
sanguinário, vingativo, desumano. Por não se adequar ao modelo econômico do
europeu, que adentrava no capitalismo, nosso índio era tido como preguiçoso e
ladrão. Por não crer no Deus cristão, era visto como herético. Infelizmente
esta visão, de certa forma, ainda perdura. ;
Hans Staden,
um europeu feito prisioneiro pelos tupinambá, deixou-nos um amplo relato da
"selvageria" do índio:
"Pela manhã, bem antes do alvorecer, vêm
eles, dançam e cantam em redor do tacape com que o querem executar, até que o
dia rompa. Tiram então o prisioneiro para fora da pequena choça e derrubam-na,
fazendo um espaço limpo. Em seguida, desatam-lhe a muçurana do pescoço,
passam-na em volta do corpo retesando-a de ambos os lados. Fica ele então no
meio, bem amarrado. Muita gente segura a corda nas duas extremidades. (...)
Quem matou o prisioneiro recebe ainda uma
alcunha, e o principal da choça arranha-lhe os braços, em cima, com o dente de
um animal selvagem. Quando esta arranhadura sara, vêm-se as cicatrizes, que
valem por ornato honroso. (...) Tudo isso eu vi, e assisti". (Hans
Staden, Duas viagens ao Brasil, Belo
Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1974, p. 180-5.)
O canibalismo
e a guerra tribal, documentados por Hans Staden, entre outros, eram práticas
rituais, como atestam a antropologia nos dias de hoje. Estes costumes milenares
tinham um sentido mítico, reconhecido tanto dentro como fora do grupo tribal.
Apenas o preconceito e o etnocentrismo associaram aquelas práticas à falta de
civilização.
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Fonte:
História do Brasil, por: José Dantas. Editora Moderna. São Paulo, 1989, pag. 4.
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