O Memorial de Darwin
[9 de junho de 1885]
[9 de junho de 1885]
Discurso do Presidente da Real Sociedade em
nome dó Comitê Memorial, ao apresentar a estátua de Darwin à Sua Real Majestade
o Príncipe do País de Gales, como representante dos Administradores Fiduciários
do Museu Britânico.
VOSSA REAL
MAJESTADE, já se passaram três anos do anúncio da morte do nosso famoso
conterrâneo, Charles Darwin, que deu origem a uma manifestação de sentimento
público, não somente nesses reinos, mas através de todo o mundo civilizado que,
se eu não me engano, é sem precedente nos modestos anais da biografia
científica.
As causas
dessa profunda e ampla explosão de sentimento são fáceis de serem encontradas.
Havíamos perdido um desses raros ministros e intérpretes da Natureza cujos
nomes marcam épocas no avanço do conhecimento natural. Qualquer que seja o
derradeiro veredito de posteridade a respeito dessa ou daquela opinião que o
sr. Darwin enunciou, quaisquer que sejam os obscurecimentos ou antecipações de
suas doutrinas possíveis de serem encontrados nos escritos de seus
antecessores, o grande fato permanece que, desde a publicação e em razão da
publicação de A Origem das Espécies, os conceitos fundamentais e os objetivos
dos estudiosos da Natureza viva foram totalmente mudados. Daquela obra surgiu
uma grande renovação, uma verdadeira instauratio
magna das ciências zoológicas e botânicas.
Mas, o
impulso assim proporcionado ao pensamento científico espalhou-se rapidamente
além dos limites normalmente reconhecidos da Biologia. A Psicologia, a Ética, a
Cosmologia, foram abaladas em suas fundações e A Origem das Espécies provou ser
o ponto fixo que a doutrina geral da evolução precisava para poder mover o
mundo. O "Darwinismo", de uma forma ou de outra, às vezes
estranhamente destorcido e mutilado, tornou-se um tópico cotidiano do discurso
dos homens, o objetivo de uma abundância tanto de vituperações quanto de
elogios, muito mais do que um estudo sério.
É curioso
agora lembrar, quanto os opositores, no início, predominavam na questão; mas
considerando o destino costumeiro de nossas opiniões, é ainda mais curioso
considerar o curto período que durou a fase da veemente oposição. Antes que
passassem vinte anos, não somente a importância da obra do sr. Darwin foi
totalmente reconhecida, mas o mundo havia discernido o caráter simples, franco
e generoso do homem que brilhava em cada página de seus escritos.
Eu imagino
que reflexos como esses passaram pelas mentes tanto de amigos afetivos quanto
de antagonistas honrados, quando o sr. Darwin veio a falecer; e todos no único
desejo de honrar a memória do homem que, sem medo e sem repreensão, havia
conseguido vencer a luta intelectual mais difícil daqueles dias.
Foi para
satisfazer esses justos e generosos impulsos que os restos mortais do nosso
grande naturalista foram depositados na Abadia de Westminster; e que logo
depois, uma reunião pública, presidida pelo meu lamentado antecessor, o sr.
Spottiswoode, foi promovida nas salas da Real Sociedade com o propósito de
considerar quais outros passos deveriam ser empreendidos para essa mesma
finalidade.
Ficou
resolvido promover contribuições no propósito de erigir uma estátua do sr.
Darwin em uma localização apropriada e dedicar qualquer excedente ao avanço das
ciências biológicas.
Imediatamente,
as contribuições começaram a chegar da Áustria. Bélgica, Brasil, Dinamarca,
França, Alemanha, Holanda, Itália, Noruega, Portugal, Rússia, Espanha, Suécia,
Suíça, Estados Unidos e das Colônias Britânicas, ou seja, de todas as partes
dos três reinos; e vieram de todas as classes da comunidade. Para mencionar um
caso interessante, a Suécia enviou 2.296 subscrições "de todos os tipos de
pessoas", conforme o distinto homem de ciência transmitiu a mensagem:
"...do bispo à lavadeira e em valores de cinco libras a dois pence "
(centavos de libra esterlina)".
E, dessa
forma, o Comité Executivo teve condições de realizar os objetivos propostos. Um
"Fundo Darwin" foi criado, o qual será mantido em confiança pela Real
Sociedade e deverá ser utilizado na promoção da pesquisa biológica.
A obra da
estátua foi confiada ao sr. Boehm e acredito que aqueles que tiveram a sorte de
conhecer o sr. Darwin pessoalmente admirarão o poder artístico que possibilitou
ao escultor apresentar uma semelhança muito característica de alguém que ele
nunca vira.
Pareceu ao
Comité que, em consideração à carreira do sr. Darwin e por ser uma obra de
arte, nenhum local seria mais apropriado do que esse grande hall, e foi
solicitada aos Administradores do Museu Britânico a permissão de erigir a
estátua em sua presente posição.
A permissão
foi cordialmente concedida e desejo estender os meus e os agradecimentos do Comitê
aos Administradores do Museu Britânico em sua concordância em aceder aos nossos
desejos.
Também peço
permissão para oferecer a expressão de nossa gratidão à Vossa Real Majestade
por consentir em representar, nesta cerimônia, os Fiéis Depositários do Museu
Britânico. Só me resta, Vossa Majestade Real, meus Lordes e Senhores, Fiéis
Depositários do Museu Britânico, em nome do Comitê Memorial de Darwin, pedir
que aceitem esta estátua de Charles Darwin.
Não
formulamos este pedido pelo simples propósito de perpetuar uma memória, pois
desde que os homens se dediquem à conquista da verdade, o nome de Darwin não
corre mais risco de esquecimento, da mesma forma que os nomes de Copérnico ou
de Harvey.
Tampouco lhe
pedimos para preservar a estátua em sua posição central neste hall de entrada
de nosso Museu Nacional de História Natural como evidência de que as opiniões
do sr. Darwin receberam vossa sanção oficial, pois a ciência não reconhece tais
sanções e comete suicídio caso adote um credo.
Não! Pedimos
que aprecie este Memorial como um símbolo pelo qual, à medida que as várias
gerações de estudiosos da Natureza entrarem por estas portas, serão lembrados
do ideal de acordo com o qual eles deverão formar suas vidas, se eles levarem
em conta as melhores oportunidades oferecidas pela grande instituição sob vossa
responsabilidade.
---
Fonte:
Darwiniana: ‘A Origem das Espécies' em Debate, por: Thomas Henry Huxley. Editora Madras. Tradução: Fúlvio Lubisco. São Paulo, 2006, págs. 143-145.
Fonte:
Darwiniana: ‘A Origem das Espécies' em Debate, por: Thomas Henry Huxley. Editora Madras. Tradução: Fúlvio Lubisco. São Paulo, 2006, págs. 143-145.
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