A
americanização da cultura infantil
Cremos
necessário deixar bem claro, uma vez mais,
que não estamos exaltando um canto do tipo "qualquer tempo passado
foi melhor". Nossa defesa do que chamamos de "tradição cultural
infantil" se baseia em duas razões-chave: a primeira é efetivamente crermos
que tal tradição efetivamente contém valores que seria lamentável perder, tanto do ponto de
vista estético como do tipo de atividade que estimula na criança; em segundo
lugar, porque a nova cultura que os meios
de comunicação estão gerando,
não corresponde a uma evolução espontânea dos hábitos
artísticos e lúdicos da criança espanhola, mas sim, corresponde a uma
estratégia interesseira, cujos objetivos são
a imposição de um determinado modelo
de vida, o que inclui — naturalmente — determinados gostos culturais
concretos e, estreitamente relacionados com isso, a incorporação imediata à cadeia do consumo.
Que isto é o resultado de uma estratégia consciente e não de um processo
aleatório, confirmam-no textos como os que a seguir reproduzimos, publicados na
década de quarenta pelo editorialista das revistas Life e Variety:
Henry Luce —
eis o nome do editorialista — animava os estadunidenses "a aceitarem de
todo coração nosso dever e nossa oportunidade como a nação mais poderosa e mais
vital do mundo c, cm consequência, exercer sobre este mundo todo o peso de nossa
influência para nos expandirmos como acharmos conveniente. (...) este é o
momento para nos convertermos na força geradora a partir da qual os ideais se
espraiem pelo mundo."
E com mais exatidão
ainda: "De sua [os meios de comunicação internacional que pertenciam aos
Estados Unidos] eficiência depende que os Estados Unidos cresçam no futuro como
o fez a Grã-Bretanha no passado como centro do pensamento e comércio
mundiais..."
Poder-se-iam
acrescentar muitos outros textos de personalidades estadunidenses nos meios
empresariais, da comunicação, da política e inclusive do Exército, que não dão
margem a dúvidas sobre sua vontade de exportar, paralelamente, modos de vida (o
tantas vezes citado American way of life)
e mercadorias.
De fato,
cabe dizer que sua primeira e principal exportação é o próprio modelo de
televisão. Enquanto que nos Estados Unidos a TV nasceu como uma televisão
comercial, cuja estrutura de propriedade era
exclusivamente privada e alheia a qualquer controle estatal, o que fez
com que sua orientação fosse basicamente voltada para estimular o consumo, na
Europa, inicialmente, as televisões surgiram como monopólios do Estado. Em
consequência, prevalece nelas uma atenção maior para as manifestações mais
ideológicas. O debate francês sobre a ameaça de americanização de sua
programação, reflete a concorrência entre os dois modelos. Não obstante, há um
aspecto da batalha que parece definitivamente ganho pelo estilo americano: a
introdução do aspecto publicitário como um componente habitual da programação,
o que em nossa opinião constitui a essência de seu modelo.
Torna-se
difícil hoje para qualquer telespectador espanhol conceber a TVE sem anúncios e
sem telefilmes americanos. Efetivamente, no caso espanhol, ainda que se trate
de um monopólio estatal, o modelo americano se impõe praticamente desde o
primeiro momento: no ano de inauguração dos estúdios do Paseo de La Habana
(outubro de 1956), e quando só existiam trinta mil aparelhos em todo o país,
transmite-se o primeiro telefilme made in USA
("Patrulla de tráfico") e no ano seguinte a TVE contrata os
serviços das agências CBS e UPI para
a informação internacional.83
Já então certos slogans
publicitários competem em popularidade com as músicas do momento e as marcas de
televisores patrocinam programas.
É este
modelo televisão o principal agente formador da cultura da criança espanhola de
hoje. Assinalamos anteriormente as tremendas consequências que o modelo
comercial, o aparecimento constante da publicidade, tem para a criança, criança
esta que não só assedia constantemente seus pais com sua ânsia insaciável de
consumir isto ou aquilo, porque isto ou aquilo é anunciado na TV, como também
chega ao cúmulo realmente doentio de dizer, pura e simplesmente: "Papai,
me compre uma coisa." É o perfeito consumidor, interessado já não por
determinado produto, mas sim, pelo fato de consumir em si mesmo. É o modelo
completo de teledependente. Mais uma vez, impõe-se que deixemos bem claro: a
publicidade constitui o núcleo essencial do modelo americano de televisão, ao
ponto de condicionar inclusive a estrutura das emissões de entretenimento.
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Fonte:
Os Teledependentes, por: M. Alfonso Erausquin, Luís Matilla e Miguel Vázquez. Summus Editorial. São Paulo, 1983, págs. 88-91.
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