domingo, 26 de junho de 2016

A americanização da cultura infantil

A  americanização da cultura infantil
Cremos necessário deixar bem claro, uma vez mais,  que não estamos exaltando um canto do tipo "qualquer tempo passado foi melhor". Nossa defesa do que chamamos de "tradição cultural infantil" se baseia em duas razões-chave: a primeira é efetivamente crermos que tal tradição efetivamente contém valores que  seria lamentável perder, tanto do ponto de vista estético como do tipo de atividade que estimula na criança; em segundo lugar, porque a nova cultura que os meios  de comunicação estão gerando,  não  corresponde  a uma evolução espontânea dos hábitos artísticos e lúdicos da criança espanhola, mas sim, corresponde a uma estratégia interesseira, cujos objetivos são  a imposição de um determinado modelo  de vida, o que inclui — naturalmente — determinados gostos culturais concretos e, estreitamente relacionados com isso,  a incorporação imediata à cadeia do consumo. Que isto é o resultado de uma estratégia consciente e não de um processo aleatório, confirmam-no textos como os que a seguir reproduzimos, publicados na década de quarenta pelo editorialista das revistas Life e Variety:
Henry Luce — eis o nome do editorialista — animava os estadunidenses "a aceitarem de todo coração nosso dever e nossa oportunidade como a nação mais poderosa e mais vital do mundo c, cm consequência, exercer sobre este mundo todo o peso de nossa influência para nos expandirmos como acharmos conveniente. (...) este é o momento para nos convertermos na força geradora a partir da qual os ideais se espraiem pelo mundo."
E com mais exatidão ainda: "De sua [os meios de comunicação internacional que pertenciam aos Estados Unidos] eficiência depende que os Estados Unidos cresçam no futuro como o fez a Grã-Bretanha no passado como centro do pensamento e comércio mundiais..."
Poder-se-iam acrescentar muitos outros textos de personalidades estadunidenses nos meios empresariais, da comunicação, da política e inclusive do Exército, que não dão margem a dúvidas sobre sua vontade de exportar, paralelamente, modos de vida (o tantas vezes citado American way of life) e mercadorias.
De fato, cabe dizer que sua primeira e principal exportação é o próprio modelo de televisão. Enquanto que nos Estados Unidos a TV nasceu como uma televisão comercial, cuja estrutura de propriedade era  exclusivamente privada e alheia a qualquer controle estatal, o que fez com que sua orientação fosse basicamente voltada para estimular o consumo, na Europa, inicialmente, as televisões surgiram como monopólios do Estado. Em consequência, prevalece nelas uma atenção maior para as manifestações mais ideológicas. O debate francês sobre a ameaça de americanização de sua programação, reflete a concorrência entre os dois modelos. Não obstante, há um aspecto da batalha que parece definitivamente ganho pelo estilo americano: a introdução do aspecto publicitário como um componente habitual da programação, o que em nossa opinião constitui a essência de seu modelo.
Torna-se difícil hoje para qualquer telespectador espanhol conceber a TVE sem anúncios e sem telefilmes americanos. Efetivamente, no caso espanhol, ainda que se trate de um monopólio estatal, o modelo americano se impõe praticamente desde o primeiro momento: no ano de inauguração dos estúdios do Paseo de La Habana (outubro de 1956), e quando só existiam trinta mil aparelhos em todo o país, transmite-se o primeiro telefilme made in  USA   ("Patrulla de tráfico") e no ano seguinte a TVE contrata os serviços das agências CBS  e  UPI para   a informação internacional.83  Já  então  certos slogans publicitários competem em popularidade com as músicas do momento e as marcas de televisores patrocinam programas.
É este modelo televisão o principal agente formador da cultura da criança espanhola de hoje. Assinalamos anteriormente as tremendas consequências que o modelo comercial, o aparecimento constante da publicidade, tem para a criança, criança esta que não só assedia constantemente seus pais com sua ânsia insaciável de consumir isto ou aquilo, porque isto ou aquilo é anunciado na TV, como também chega ao cúmulo realmente doentio de dizer, pura e simplesmente: "Papai, me compre uma coisa." É o perfeito consumidor, interessado já não por determinado produto, mas sim, pelo fato de consumir em si mesmo. É o modelo completo de teledependente. Mais uma vez, impõe-se que deixemos bem claro: a publicidade constitui o núcleo essencial do modelo americano de televisão, ao ponto de condicionar inclusive a estrutura das emissões de entretenimento.


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Fonte:
Os Teledependentes, por: M. Alfonso Erausquin, Luís Matilla e Miguel Vázquez. Summus Editorial. São Paulo, 1983, págs. 88-91.

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