1989: um agitado ano eleitoral
Os desmandos
e os desacertos da política econômica do governo Sarney colocaram o país no
fundo de um poço onde não se vislumbrava uma luz salvadora.
O último ano
do seu governo foi, em todos os sentidos, desastroso. A prática do nepotismo e
do fisiologismo alcançou dimensões incalculáveis. O clima era de fim de festa.
A porta do cofre público foi aberta em benefício de políticos inescrupulosos
que barganhavam apoio ao presidente em troca de favores políticos e/ou
financeiros, o que contribuía para aumentar o desgaste da imagem dos políticos
junto à opinião pública. As dependências do Congresso, em algumas ocasiões,
viraram arena para agressões e xingamentos, numa autêntica falta de decoro
parlamentar. O desgoverno prenunciava o caos e a anarquia. De muitas bocas
ouvia-se a frase: "ai que saudade do Figueiredo". O país estava sem
rumo.
Em
contrapartida, e por decorrência dos fatos expostos, a massa trabalhadora, mais
bem organizada e mobilizada por suas centrais sindicais, respondia aos
descalabros econômicos e políticos com greves. Há quem calcule em
aproximadamente 10.000 o número de greves ocorridas na chamada Nova República.
Aproximado ou não, o número nos dá uma amostra do clima de caos econômico e
político que ameaçava a institucionalização do país.
Em 1989, ano
da primeira eleição direta para presidente depois de 29 anos — a última tinha
sido em 1960 — e último ano do governo Sarney, as agitações sociais, reflexo
dos descompassos entre governo e sociedade, espelhavam a caótica direção do
país.
Naquele ano
explodiram centenas de novas greves em todo o território nacional, atingindo
inclusive os chamados setores essenciais, como o da assistência médico-hospitalar,
dos transportes coletivos, do funcionalismo público etc.
As greves
diárias, a violência social, a corrupção, a impunidade dos especuladores e
corruptos, os escândalos no mercado financeiro e na administração pública, o
descaso dos políticos pelos problemas sociais, os assassinatos em escala
ascendente de sem-terras e a impunidade dos assassinos ligados a alguns
prepotentes latifundiários, a miséria e a indigência, a falta de segurança, o
empobrecimento das classes médias e o distanciamento entre o Estado e a nação
retratavam um país carente de justiça social onde, a cada instante, a cidadania
era, e ainda é, agredida.
A campanha
eleitoral para presidente ganhou caráter ideológico, pois os principais concorrentes
eram candidatos de direita ou de esquerda, excluindo-se, naturalmente, o grande
número de candidatos sem expressão política, cuja falta de embasamento ideológico
deixava clara sua verdadeira intenção; tirar proveitos e levar vantagens a
qualquer preço da sua candidatura.
De resto, tanto
os candidatos de esquerda como os de direita se limitaram a atacar a política econômica
do governo Sarney, a corrupção e a imoralidade administrativa na tentativa de
ganhar a simpatia popular, cm vez de apresentarem programas de governo que
procurassem realmente dar solução aos problemas que afligiam o país.
A campanha
eleitoral polarizou-se em torno de algumas personagens de renome político
nacional como Paulo Maluf, Mário Covas, Leonel Brizola, do sindicalista Luís
Inácio Lula da Silva, que fizera carreira como líder sindical em São Paulo, e
do ate então desconhecido Fernando Collor de Mello, de família oligárquica
alagoana, ex prefeito "biônico" de Maceió e ex-governador de Alagoas
pelo PDS.
De
candidatura inicialmente inexpressiva e sem força partidária que o sustentasse,
já que seu partido — Partido da Reconstrução Nacional (PRN) — também não tinha
a mínima expressão nacional, Fernando Collor soube como ninguém usar a mídia
eletrônica em seu favor.
Exemplo
fantástico de marketing político, Collor contou essencialmente com o apoio da
TV Globo para vender sua imagem de "caçador de marajás" e defensor
dos "descamisados". Era o símbolo do "novo" contra o
"velho" e sua ascensão junto ao eleitorado refletia o cansaço e o
descrédito da massa em relação à "velharia" política.
Os debates
transmitidos pelo rádio e pela televisão envolviam e mobilizavam a sociedade em
torno dos principais candidatos. Para tanto contribuiu a instituição do horário
gratuito naqueles veículos de comunicação. Merece destaque no processo
eleitoral de 1989 a ação da Justiça Eleitoral, que eliminou a censura prévia ou
simultânea aos programas editados pelos partidos, salvo quando um candidato
extrapolava os limites do decoro exigido pela ética política, e assegurou o
direito de resposta quando um candidato se sentisse agredido por ofensas
proferidas por outros candidatos chegados ao "jogo sujo".
Outro fato
que enobreceu a ação da Justiça Eleitoral foi a não-aceitação da candidatura de
Silvio Santos. Apresentada quinze dias antes das eleições, ela colocava em
risco o quadro institucional e a credibilidade da eleição, já que Silvio Santos
era candidato pelo Partido Municipalista Brasileiro (PMB), extinto desde o dia
15 de outubro de 1989, isto é, antes de apresentar a candidatura do empresário
e apresentador de televisão.
O
surpreendente resultado do primeiro turno das eleições, ocorridas em 15 de
novembro de 1989, apresentava Fernando Collor de Mello como vitorioso com 25,11
% dos 82 milhões de votos, Lula com 14,16%, Leonel Brizola com 13,60% e o
quarto nome nas urnas, Mário Covas, com 9,49%.
Por força
definidora da Constituição de 1988, se no primeiro turno o candidato vitorioso
não alcançasse a maioria absoluta (50% +1) dos votos, deveria concorrer a um
segundo turno com o segundo colocado.
Assim sendo,
Fernando Collor e Luís Inácio deveriam disputar o segundo turno, como de fato
aconteceu no dia 17 de dezembro. Um oligarca e um operário, ambos se
apresentando como legítimos representantes das massas carentes, desprotegidas,
desdentadas, descamisadas e destituídas.
Apesar de os
resultados das eleições do segundo turno mostrarem um equilíbrio de forças,
pois Collor saiu vitorioso com uma pequeníssima margem de votos (42,75% contra
os 37,86% alcançados por Lula), as esquerdas — dados os tortuosos caminhos pelos
quais enveredam e suas incertezas — perderam talvez a única oportunidade de
ganhar uma eleição presidencial.
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Fonte:
História do Brasil: Colônia, Império e república, por: Francisco de Assis Silva. Editora Moderna, 1ª Edição. São Paulo, 1994, págs. 326-328.
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