Despertar da consciência republicana
O ano de
1870 foi marco de uma série de grandes eventos na História mundial — a
unificação da Itália e dá Alemanha, a Guerra Franco-Alemã logo após a vitória
da Terceira República francesa e o término da Guerra do Paraguai. Um aparente
pequeno acontecimento, no mesmo ano, viria a ter sérias repercussões, mais
tarde, na história do Brasil.
Com o fim da
Guerra do Paraguai, apesar da vitória alcançada, havia muitos motivos para
preocupações e desencantos. Os acontecimentos europeus também se refletem no
espírito dos políticos da época. Ressurgem as velhas ideias liberais: a reforma
eleitoral, para a obtenção do voto direto; a reforma da justiça; a abolição do
recrutamento; a abolição da escravatura. Começam a surgir no Brasil os
primeiros laços com os países americanos, os primeiros sentimentos de afinidade
moral que prendem toda a América. É o despertar da consciência americana.
Nessa
ocasião, Saldanha Marinho, que pertencera ao Partido Liberal, se une a Quintino
Bocaiuva, que chegara dos Estados Unidos, e a Salvador de Mendonça. Fundam o
primeiro clube e o primeiro jornal republicanos. A 3 de dezembro de 1870 lançam
o manifesto que enfeixava as aspirações e ideias do partido. Sua divulgação não
causou o impacto esperado. Faltava-lhe vibração e originalidade. Não se
aprofunda nos problemas brasileiros, em especial os económicos e sociais, como
a questão da escravatura.
A falta de
comunicações num país tão vasto, dominado por uma forma patriarcal, pobre de
recursos, inculto, onde as elites ainda gravitavam no interior em torno às
casas-grandes, sem uma classe média, onde se apoiar, fizeram com que as novas
doutrinas políticas se diluíssem nos meios políticos.
O manifesto
foi redigido por Aristides Lobo e aceito com entusiasmo pelos radicais, mas
nada acrescentou. Limitou-se a uma abstrata dissertação, sem força para
levantar ideais políticos. O novo partido ressentia-se de base objetiva. Embora
o primeiro resultado concreto do manifesto tenha sido a organização do Partido
Republicano de São Paulo, foi na Convenção de Itu que se preparou o 1°
Congresso Republicano instalado a 26 de julho de 1873. Reunidos num palacete da
rua Miguel Couto, em São Paulo, os seguidores das ideias republicanas falam na
abolição em termos indecisos. Parecem temer enfrentar a questão social. Mesmo
quando já conseguem eleger seus representantes no Parlamento, os republicanos
parecem, apenas, oscilar entre os liberais e conservadores. A propaganda
republicana é absolutamente nula e caminha, disfarçadamente, à sombra dos
abolicionistas. Enquanto o Norte do país se empolgava pela ideia romântica da
abolição, a República interessava mais aos homens do Rio de Janeiro e São
Paulo, que não possuíam o mesmo status económico dos senhores de engenho
nortistas.
Na Convenção
de Itu, não podendo mais fugir ao tema do momento, propõem que a solução seja
dada por cada Província, de acordo com as condições de cada uma. Contra tais
concessões se levantou a voz de Luís Gama.
Adotando
essa atitude, de certa forma indecisa, pois não pareciam dispostos a desfraldar
a bandeira que libertaria os escravos, os republicanos se apresentavam mais
moderados do que muitos monarquistas, tanto liberais como conservadores.
Apesar de
sua debilidade, a propaganda republicana prossegue, especialmente no Rio Grande
do Sul, onde era tocada por um grupo de positivistas, em que figuravam Júlio de
Castilhos, Borges de Medeiros e Demétrio Ribeiro.
As ideias de
Augusto Comte começaram a ser difundidas entre nós a partir de uma conferência
realizada por Benjamim Constant, no Instituto dos Cegos, onde morava, em 1871.
Além de oficial do Exército, Benjamim Constant era professor na Escola Militar,
onde gozava de grande prestígio. Suas palavras causaram tal estranheza que o
conselheiro João Alfredo, ministro do Império, se julgou no dever de dar
explicações na Câmara dos Deputados, dizendo que a conferência traduzira apenas
uma manifestação de princípios filosóficos e que em nada contrariava o espírito
das instituições vigentes.
Em 1879
apareceu no Porto uma revista intitulada O
Positivismo, de que eram diretores Teófilo Braga e Júlio de Matos.
Forma-se, em torno dessa publicação, uma plêiade de intelectuais, cujos
trabalhos transpõem fronteiras, vindo a influenciar estudiosos brasileiros.
Fundou-se, no Rio de Janeiro, o Apostolado Positivista do Brasil. A doutrina
veio a servir perfeitamente de ponto de apoio para os nossos republicanos. Para
Augusto Comte, a República é a negação do direito divino objetivado na pessoa
do rei e perpetuado na sucessão dinástica. Era essencial que houvesse um sólido
poder que evitasse as perturbações do espírito metafísico na ordem material.
Para os republicanos a ideia de um governo forte com o qual passaram a sonhar,
veio a tornar-se a grande atração que o positivismo exercia sobre eles.
Entretanto, nunca se manifestaram francamente contra o sistema parlamentar.
A Escola
Militar se tornava um celeiro de agitadores. Os jovens oficiais se aprofundavam
no estudo do positivismo, reunindo-se em clubes, onde discutiam política e
literatura.
Entre os
civis, nos ambientes das faculdades, predominava o liberalismo político. Daí os
intelectuais não se sentirem tão atraídos pelas ideias republicanas. Para eles,
liberdade e igualdade eram as metas supremas. Para os positivistas o importante
era a autoridade disciplinadora.
Dentre as
ideias liberais havia o propósito de modificar a forma de recrutamento militar
no Brasil. A maneira como ele era feito era responsável pela sua má
organização. À época não havia o serviço militar obrigatório, então procedia-se
o alistamento, que só se efetuava entre as camadas inferiores da sociedade.
Tanto nas fileiras do Exército, como nas tripulações dos navios de nossa
Marinha de Guerra, só se viam negros e mestiços, além de brancos vindos das
povoações do interior do país. Eram elementos inaptos para a política,
totalmente ignorantes. Os oficiais eram seus senhores absolutos.
Mas todas
essas transformações que iam se processando na mentalidade da juventude não
eram apercebidas pelos homens de Governo, nem pelo imperador. Para este, antimilitarista,
a condição vital de um Governo era o primado do poder civil. As Forças Armadas
ocupavam um capítulo secundário, especialmente o Exército.
A Guerra do
Paraguai veio modificar esse conceito.
A classe
média, a burguesia e os aristocratas não tiveram interesse em participar
diretamente na luta.
O espírito
de independência, de individualismo, predominante entre os civis, não poderia
se adaptar com facilidade às ideias de Comte.
A falta de
percepção dessas modificações que se processavam no país, resultou na
inabilidade com que a Monarquia tratou não só a Questão dos Bispos, como a
Questão Militar.
Abusando do
poder civil, infligiram humilhações ao clero, que sofreu sem reação. Quando
pretenderam adotar a mesma atitude, ao defrontarem os militares, os homens do
Exército se unem, protestam e reivindicam.
Somente em
1888 é que os chefes republicanos se aproximam dos militares. E começa a
conspiração. Após o 13 de maio, os próprios monarquistas, indiretamente, passam
a contribuir para o fortalecimento das novas ideias. A perda do braço escravo
produzira grande número de derrotistas. Além destes, havia o grupo dos que
pugnavam pela federação, como Rui Barbosa e Nabuco, que não haviam logrado
convencer o imperador da necessidade da descentralização do poder.
A mocidade
civil seguia a ação de Silva Jardim e a mocidade militar tinha em Benjamim
Constant o seu mestre. Os chefes militares se voltavam para a figura de
Deodoro. Por isso, era importante para os republicanos a atitude que aquele
general viesse a tomar. Os militares que o seguiram a partir de 15 de novembro,
não possuíam definidas inclinações doutrinárias. Nem mesmo o velho general se
capacitara, intimamente, da necessidade de se acabar com a Monarquia. Sua luta
até a proclamação, era um protesto contra as situações criadas pêlos sucessivos
Gabinetes. A ideia de destronar o imperador não estava em suas cogitações. Mas
deve-se a esse grupo a atitude decisiva, na hora certa. Entretanto, a ação de
Deodoro só se tornou vitoriosa graças à propaganda republicana que caminhara
lentamente durante alguns anos. Mas a propaganda se exercera de uma forma um
tanto vaga e imprecisa. Só falavam na necessidade de substituir a Monarquia
pela República, sem definir, exatamente, os propósitos do novo regime, sem expor
as modificações que pretendiam introduzir. Não havia propósitos contra a
Monarquia, mas ideias favoráveis à República.
O Manifesto
de 1870 não tinha uma base objetiva.
Mas, num
país cujas condições históricas se traduziam numa longa prática democrática,
talvez não houvesse necessidade de se projetar uma obra que, na realidade, já
vinha sendo executada. Após a organização do partido, os republicanos passaram
a considerar todos os fatos nacionais em face do seu grupo. Surgia o interesse
partidário, o que viria dar mais força e coesão para o combate ao regime
existente.
Quanto ao
problema abolicionista, os republicanos só se comprometeram formalmente, por
volta de 1887, quando o presidente do Partido Republicano Paulista, Campos
Sales, resolveu fazer em Santos uma conferência em favor da liberdade dos
negros.
A questão
negra se modificara. A extinção do tráfego negro privara os mercados
consumidores de novos escravos, trazidos da África. A Lei do Ventre Livre e a
Lei Dantas libertavam os negros ao nascer e ao completarem sessenta anos.
Dentro dos limites assim estabelecidos, a população escrava diminuía
rapidamente. Eram poucos os senhores que tratavam os escravos como seres
humanos. Atirados nas senzalas, mal nutridos, desassistidos, castigados, não
raramente alcançavam uma longa vida e cedo reduziam sua capacidade de trabalho.
A população escrava, no Brasil, fora reduzida a cerca de 500 mil. Fazendeiros
mais esclarecidos compreenderam que o braço assalariado, do imigrante,
tornava-se mais produtivo do que o escravo. Em São Paulo, onde o clima
favorecia a imigração, começavam a aportar os colonos que ajudaram a
desenvolver a lavoura, enquanto ela perecia em outras regiões. A produtividade
maior do café, nas novas zonas, deslocou o polo econômico do país para São
Paulo. A esse fenômeno somou-se a necessidade de mais prestígio político. São
Paulo tornou-se, naturalmente, um centro político renovador propenso a uma
mudança de regime que estabelecesse a federação, mais conveniente aos seus
interesses.
Esse
deslocamento do polo econômico explica a hegemonia política crescente de São
Paulo, a receptividade de sua elite jovem à ideia republicana.
De sua
Faculdade de Direito irradia o movimento republicano que repercutirá no Rio
Grande do Sul, na formação de um núcleo onde aparecerão Júlio de CastiIhos,
Assis Brasil, Borges de Medeiros, Demétrio Ribeiro, Barros Cassai. Júlio de
Castilhos vai fundar A Federação, órgão
da propaganda republicana no Rio Grande. E, quando Sena Madureira começa a
agitar a Questão Militar, pela imprensa, Júlio de Castilhos abre-lhe as colunas
d'A Federação, estabelecendo a
aliança entre os militares e os propagandistas republicanos.
Contudo, foi
em São Paulo que a propaganda republicana melhor se organizou. Isto graças ao
partido que estava solidamente constituído.
Assim,
tímida mas progressivamente, caminhava a propaganda republicana. Mas ela não
foi a razão única da derrocada da Monarquia.
O imperador
gozava de respeitabilidade. Sua figura austera e seu moral elevado não
permitiam que surgissem ódios ou antagonismos exagerados contra a sua pessoa.
Mas o povo não via com bons olhos um terceiro reinado. Sendo a herdeira, a
princesa Isabel, casada com um francês, era motivo para que muitos jacobinistas
não se conformassem com a possibilidade de um estrangeiro vir a influir,
futuramente, nos destinos do país.
Além disso,
houve uma série de acontecimentos políticos que contribuíram, cada um na sua
medida, para abalar os alicerces do Império.
A Questão
dos Bispos, num país que se dizia oficialmente católico, veio a chocar
sobremaneira a sensibilidade de muita gente, não apenas no seio do povo, mas,
principalmente, na elite pensante e atuante.
A abolição,
que sempre contara com o apoio pessoal do próprio imperador e que vinha se
processando de forma gradual, foi obtida subitamente, atendendo mais à emoção
do povo brasileiro do que aos seus interesses políticos ou econômicos.
Finalmente a
Questão Militar. Esta foi o golpe de misericórdia no regime monárquico quase
moribundo. Os republicanos se serviram dos militares, apoiando e estimulando
suas reivindicações. O Exército toma atitude. Quando percebe, a Monarquia já
tinha caído. Restava a ele assumir a responsabilidade do ato. No primeiro
momento os republicanos são alijados. É a ditadura militar.
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Fonte:
História da República Brasileira: Nasce a República: 1888-1894, por: Hélio Silva e Maria Cecília Ribas Carneiro. Editora Três. São Paulo, 1975, págs. 43-48
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