segunda-feira, 20 de junho de 2016

Despertar da consciência republicana

Despertar da consciência republicana
O ano de 1870 foi marco de uma série de grandes eventos na História mundial — a unificação da Itália e dá Alemanha, a Guerra Franco-Alemã logo após a vitória da Terceira República francesa e o término da Guerra do Paraguai. Um aparente pequeno acontecimento, no mesmo ano, viria a ter sérias repercussões, mais tarde, na história do Brasil.
Com o fim da Guerra do Paraguai, apesar da vitória alcançada, havia muitos motivos para preocupações e desencantos. Os acontecimentos europeus também se refletem no espírito dos políticos da época. Ressurgem as velhas ideias liberais: a reforma eleitoral, para a obtenção do voto direto; a reforma da justiça; a abolição do recrutamento; a abolição da escravatura. Começam a surgir no Brasil os primeiros laços com os países americanos, os primeiros sentimentos de afinidade moral que prendem toda a América. É o despertar da consciência americana.
Nessa ocasião, Saldanha Marinho, que pertencera ao Partido Liberal, se une a Quintino Bocaiuva, que chegara dos Estados Unidos, e a Salvador de Mendonça. Fundam o primeiro clube e o primeiro jornal republicanos. A 3 de dezembro de 1870 lançam o manifesto que enfeixava as aspirações e ideias do partido. Sua divulgação não causou o impacto esperado. Faltava-lhe vibração e originalidade. Não se aprofunda nos problemas brasileiros, em especial os económicos e sociais, como a questão da escravatura.
A falta de comunicações num país tão vasto, dominado por uma forma patriarcal, pobre de recursos, inculto, onde as elites ainda gravitavam no interior em torno às casas-grandes, sem uma classe média, onde se apoiar, fizeram com que as novas doutrinas políticas se diluíssem nos meios políticos.
O manifesto foi redigido por Aristides Lobo e aceito com entusiasmo pelos radicais, mas nada acrescentou. Limitou-se a uma abstrata dissertação, sem força para levantar ideais políticos. O novo partido ressentia-se de base objetiva. Embora o primeiro resultado concreto do manifesto tenha sido a organização do Partido Republicano de São Paulo, foi na Convenção de Itu que se preparou o 1° Congresso Republicano instalado a 26 de julho de 1873. Reunidos num palacete da rua Miguel Couto, em São Paulo, os seguidores das ideias republicanas falam na abolição em termos indecisos. Parecem temer enfrentar a questão social. Mesmo quando já conseguem eleger seus representantes no Parlamento, os republicanos parecem, apenas, oscilar entre os liberais e conservadores. A propaganda republicana é absolutamente nula e caminha, disfarçadamente, à sombra dos abolicionistas. Enquanto o Norte do país se empolgava pela ideia romântica da abolição, a República interessava mais aos homens do Rio de Janeiro e São Paulo, que não possuíam o mesmo status económico dos senhores de engenho nortistas.
Na Convenção de Itu, não podendo mais fugir ao tema do momento, propõem que a solução seja dada por cada Província, de acordo com as condições de cada uma. Contra tais concessões se levantou a voz de Luís Gama.
Adotando essa atitude, de certa forma indecisa, pois não pareciam dispostos a desfraldar a bandeira que libertaria os escravos, os republicanos se apresentavam mais moderados do que muitos monarquistas, tanto liberais como conservadores.
Apesar de sua debilidade, a propaganda republicana prossegue, especialmente no Rio Grande do Sul, onde era tocada por um grupo de positivistas, em que figuravam Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e Demétrio Ribeiro.
As ideias de Augusto Comte começaram a ser difundidas entre nós a partir de uma conferência realizada por Benjamim Constant, no Instituto dos Cegos, onde morava, em 1871. Além de oficial do Exército, Benjamim Constant era professor na Escola Militar, onde gozava de grande prestígio. Suas palavras causaram tal estranheza que o conselheiro João Alfredo, ministro do Império, se julgou no dever de dar explicações na Câmara dos Deputados, dizendo que a conferência traduzira apenas uma manifestação de princípios filosóficos e que em nada contrariava o espírito das instituições vigentes.
Em 1879 apareceu no Porto uma revista intitulada O Positivismo, de que eram diretores Teófilo Braga e Júlio de Matos. Forma-se, em torno dessa publicação, uma plêiade de intelectuais, cujos trabalhos transpõem fronteiras, vindo a influenciar estudiosos brasileiros. Fundou-se, no Rio de Janeiro, o Apostolado Positivista do Brasil. A doutrina veio a servir perfeitamente de ponto de apoio para os nossos republicanos. Para Augusto Comte, a República é a negação do direito divino objetivado na pessoa do rei e perpetuado na sucessão dinástica. Era essencial que houvesse um sólido poder que evitasse as perturbações do espírito metafísico na ordem material. Para os republicanos a ideia de um governo forte com o qual passaram a sonhar, veio a tornar-se a grande atração que o positivismo exercia sobre eles. Entretanto, nunca se manifestaram francamente contra o sistema parlamentar.
A Escola Militar se tornava um celeiro de agitadores. Os jovens oficiais se aprofundavam no estudo do positivismo, reunindo-se em clubes, onde discutiam política e literatura.
Entre os civis, nos ambientes das faculdades, predominava o liberalismo político. Daí os intelectuais não se sentirem tão atraídos pelas ideias republicanas. Para eles, liberdade e igualdade eram as metas supremas. Para os positivistas o importante era a autoridade disciplinadora.
Dentre as ideias liberais havia o propósito de modificar a forma de recrutamento militar no Brasil. A maneira como ele era feito era responsável pela sua má organização. À época não havia o serviço militar obrigatório, então procedia-se o alistamento, que só se efetuava entre as camadas inferiores da sociedade. Tanto nas fileiras do Exército, como nas tripulações dos navios de nossa Marinha de Guerra, só se viam negros e mestiços, além de brancos vindos das povoações do interior do país. Eram elementos inaptos para a política, totalmente ignorantes. Os oficiais eram seus senhores absolutos.
Mas todas essas transformações que iam se processando na mentalidade da juventude não eram apercebidas pelos homens de Governo, nem pelo imperador. Para este, antimilitarista, a condição vital de um Governo era o primado do poder civil. As Forças Armadas ocupavam um capítulo secundário, especialmente o Exército.
A Guerra do Paraguai veio modificar esse conceito.
A classe média, a burguesia e os aristocratas não tiveram interesse em participar diretamente na luta.
O espírito de independência, de individualismo, predominante entre os civis, não poderia se adaptar com facilidade às ideias de Comte.
A falta de percepção dessas modificações que se processavam no país, resultou na inabilidade com que a Monarquia tratou não só a Questão dos Bispos, como a Questão Militar.
Abusando do poder civil, infligiram humilhações ao clero, que sofreu sem reação. Quando pretenderam adotar a mesma atitude, ao defrontarem os militares, os homens do Exército se unem, protestam e reivindicam.
Somente em 1888 é que os chefes republicanos se aproximam dos militares. E começa a conspiração. Após o 13 de maio, os próprios monarquistas, indiretamente, passam a contribuir para o fortalecimento das novas ideias. A perda do braço escravo produzira grande número de derrotistas. Além destes, havia o grupo dos que pugnavam pela federação, como Rui Barbosa e Nabuco, que não haviam logrado convencer o imperador da necessidade da descentralização do poder.
A mocidade civil seguia a ação de Silva Jardim e a mocidade militar tinha em Benjamim Constant o seu mestre. Os chefes militares se voltavam para a figura de Deodoro. Por isso, era importante para os republicanos a atitude que aquele general viesse a tomar. Os militares que o seguiram a partir de 15 de novembro, não possuíam definidas inclinações doutrinárias. Nem mesmo o velho general se capacitara, intimamente, da necessidade de se acabar com a Monarquia. Sua luta até a proclamação, era um protesto contra as situações criadas pêlos sucessivos Gabinetes. A ideia de destronar o imperador não estava em suas cogitações. Mas deve-se a esse grupo a atitude decisiva, na hora certa. Entretanto, a ação de Deodoro só se tornou vitoriosa graças à propaganda republicana que caminhara lentamente durante alguns anos. Mas a propaganda se exercera de uma forma um tanto vaga e imprecisa. Só falavam na necessidade de substituir a Monarquia pela República, sem definir, exatamente, os propósitos do novo regime, sem expor as modificações que pretendiam introduzir. Não havia propósitos contra a Monarquia, mas ideias favoráveis à República.
O Manifesto de 1870 não tinha uma base objetiva.
Mas, num país cujas condições históricas se traduziam numa longa prática democrática, talvez não houvesse necessidade de se projetar uma obra que, na realidade, já vinha sendo executada. Após a organização do partido, os republicanos passaram a considerar todos os fatos nacionais em face do seu grupo. Surgia o interesse partidário, o que viria dar mais força e coesão para o combate ao regime existente.
Quanto ao problema abolicionista, os republicanos só se comprometeram formalmente, por volta de 1887, quando o presidente do Partido Republicano Paulista, Campos Sales, resolveu fazer em Santos uma conferência em favor da liberdade dos negros.
A questão negra se modificara. A extinção do tráfego negro privara os mercados consumidores de novos escravos, trazidos da África. A Lei do Ventre Livre e a Lei Dantas libertavam os negros ao nascer e ao completarem sessenta anos. Dentro dos limites assim estabelecidos, a população escrava diminuía rapidamente. Eram poucos os senhores que tratavam os escravos como seres humanos. Atirados nas senzalas, mal nutridos, desassistidos, castigados, não raramente alcançavam uma longa vida e cedo reduziam sua capacidade de trabalho. A população escrava, no Brasil, fora reduzida a cerca de 500 mil. Fazendeiros mais esclarecidos compreenderam que o braço assalariado, do imigrante, tornava-se mais produtivo do que o escravo. Em São Paulo, onde o clima favorecia a imigração, começavam a aportar os colonos que ajudaram a desenvolver a lavoura, enquanto ela perecia em outras regiões. A produtividade maior do café, nas novas zonas, deslocou o polo econômico do país para São Paulo. A esse fenômeno somou-se a necessidade de mais prestígio político. São Paulo tornou-se, naturalmente, um centro político renovador propenso a uma mudança de regime que estabelecesse a federação, mais conveniente aos seus interesses.
Esse deslocamento do polo econômico explica a hegemonia política crescente de São Paulo, a receptividade de sua elite jovem à ideia republicana.
De sua Faculdade de Direito irradia o movimento republicano que repercutirá no Rio Grande do Sul, na formação de um núcleo onde aparecerão Júlio de CastiIhos, Assis Brasil, Borges de Medeiros, Demétrio Ribeiro, Barros Cassai. Júlio de Castilhos vai fundar A Federação, órgão da propaganda republicana no Rio Grande. E, quando Sena Madureira começa a agitar a Questão Militar, pela imprensa, Júlio de Castilhos abre-lhe as colunas d'A Federação, estabelecendo a aliança entre os militares e os propagandistas republicanos.
Contudo, foi em São Paulo que a propaganda republicana melhor se organizou. Isto graças ao partido que estava solidamente constituído.
Assim, tímida mas progressivamente, caminhava a propaganda republicana. Mas ela não foi a razão única da derrocada da Monarquia.
O imperador gozava de respeitabilidade. Sua figura austera e seu moral elevado não permitiam que surgissem ódios ou antagonismos exagerados contra a sua pessoa. Mas o povo não via com bons olhos um terceiro reinado. Sendo a herdeira, a princesa Isabel, casada com um francês, era motivo para que muitos jacobinistas não se conformassem com a possibilidade de um estrangeiro vir a influir, futuramente, nos destinos do país.
Além disso, houve uma série de acontecimentos políticos que contribuíram, cada um na sua medida, para abalar os alicerces do Império.
A Questão dos Bispos, num país que se dizia oficialmente católico, veio a chocar sobremaneira a sensibilidade de muita gente, não apenas no seio do povo, mas, principalmente, na elite pensante e atuante.
A abolição, que sempre contara com o apoio pessoal do próprio imperador e que vinha se processando de forma gradual, foi obtida subitamente, atendendo mais à emoção do povo brasileiro do que aos seus interesses políticos ou econômicos.
Finalmente a Questão Militar. Esta foi o golpe de misericórdia no regime monárquico quase moribundo. Os republicanos se serviram dos militares, apoiando e estimulando suas reivindicações. O Exército toma atitude. Quando percebe, a Monarquia já tinha caído. Restava a ele assumir a responsabilidade do ato. No primeiro momento os republicanos são alijados. É a ditadura militar.


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Fonte:
História da República Brasileira: Nasce a República: 1888-1894, por: Hélio Silva e Maria Cecília Ribas Carneiro. Editora Três. São Paulo, 1975, págs. 43-48

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