Comentários da imprensa sobre o holocausto
na Europa ocupada pelos nazistas
O que se
sabia em Londres e Genebra, em Washington e Estocolmo, sobre o destino dos
judeus europeus, à base das notícias publicadas pelos jornais? Detalhes sobre
as técnicas de extermínio só foram divulgados em 1942-3, c houve relativamente
poucas informações sobre as deportações na imprensa alemã dentro do Reich, na
França, na Bélgica e Holanda. Não obstante, ocasionalmente uma parte da verdade
se filtrava. Assim, a gazeta oficial alemã", a Reichzanzeiger, anunciava a 12 de abril de 1943 que o sr. Kurt Teichmann
de Beuthen, Bismarckstrasse 33, se estava divorciando de sua mulher Sara
Teichmann porque ela havia sido evacuada em junho de 1942 "e não se
esperava que voltasse mais". ("Por ordem do tribunal local.")
Algumas
informações procediam dos correspondentes neutros na Alemanha que,
incidentalmente, não tinham de apresentar seus despachos à censura. Eles
sabiam, é claro, que seriam expulsos se sua cobertura fosse hostil, ou se
tratassem de "assuntos delicados". Mas havia um fluxo constante de
informações de jornais, publicados nos países ocupados. Muitos desses jornais
eram encontrados em Estocolmo, Zurique ou Lisboa; outros - principalmente os
pequenos jornais regionais — não deveriam ser enviados ao estrangeiro, mas de
qualquer modo eram recebidos e lidos pelos Aliados e pelos governos aliados no
exílio.
Os judeus
eslovacos foram os primeiros a serem deportados para a Polônia, na primavera de
1942; os correspondentes suecos em Berlim tiveram conhecimento disso quase que
imediatamente, os quais observaram que os alemães continuariam a deportar os
judeus, apesar de precisarem muito das locomotivas e dos vagões ferroviários
para a próxima ofensiva de primavera. De fins de março de 1942 em diante
dificilmente se passava um dia sem alguma notícia sobre a deportação na Grenzbote, de língua alemã, ou no Gardista eslovaco, ambos publicados em
Bratislava. A 2 de abril, o Gardista dizia que a intervenção estrangeira em
favor dos judeus seria positivamente inútil, e dedicou-se por longo tempo a uma
polemica contra certos círculos que queriam proteger os judeus "usando
falsos argumentos cristãos". Através dessa polemica vê-se que ambos os
lados tinham uma ideia bastante exata da sorte dos judeus na Polônia. Assim, o Evanjelicky Posol (Bratislava) escreveu
que as atrocidades contra os judeus não estavam de acordo com os princípios de
humanidade e muito menos do cristianismo. Os jornais católicos (Katolicke Noviny e outros) foram
ambíguos, argumentando por vezes que os judeus eram, afinal de contas, seres
humanos, mas dando, em outras, a impressão de que a igreja não era, em
princípio, contra a deportação, desde que não fossem atingidos os judeus
convertidos ao cristianismo. O Gardista
e outros jornais eslovacos forneceram números precisos, bem regularmente, sobre
os judeus deportados.
Outra fonte
importante de informações sobre o destino dos judeus no sudeste da Europa era o
Donauzeitung, publicado em Belgrado,
e que cobria a Hungria, Romênia, lugoslávia e Bulgária. Seus leitores,
habituados a ler nas entrelinhas, saberiam o que acontecera aos judeus. Assim,
certa ocasião, comentando uma informação de que o governo iugoslavo no exílio
em Londres revogara todas as leis antissemitas anteriores a 1941, o jornal
anunciou que certos fatos consumados haviam sido criados, que não podiam ser
desfeitos. O jornal alemão em Praga (Neue
Tag), bem como os jornais tchecos (como o Ceske Slovo), também continham informações frequentes e detalhadas
sobre o desaparecimento dos judeus. Nos jornais da Europa ocidental, essas
informações eram mais raras, mas também se encontravam. Assim, um jornal
holandês anunciou que as deportações se estavam processando tão rapidamente que
não restaria nem um judeu na Holanda em junho de 1948.8 Entre os jornais
alemães na Europa oriental, o Deutsche
Zeitung in Oslland (Riga) era o mais informativo, tanto em relação aos seus
desmentidos como em relação às suas informações sobre a destruição de certos
guetos.
Em alguns
dos Estados da esfera de influência alemã havia discussões abertas ou mal
disfarçadas sobre a política judaica alemã. Os finlandeses mostraram sua
discordância de muitas maneiras. Assim, a rádio finlandesa anunciou que segundo
uma notícia de Berlim (sic) o Cardeal
Hinsley havia feito um discurso em Londres dizendo que 700.000 judeus haviam
sido executados. O Papa, de acordo com essa notícia, acreditava na exatidão da
informação, ao passo que os alemães a negavam enfaticamente. Mas os alemães não
haviam divulgado o discurso de Hinsley, e certamente não acrescentaram que o
Papa o endossava. Houve críticas abertas ao tratamento dado aos judeus pelos
nazistas, não só por socialdemocratas finlandeses como Fagerholm, mas até mesmo
por parte de germanófilos, como o professor Eino Kalla, um filósofo, que
escreveu que os nazistas não poderiam alegar estar defendendo a civilização
europeia, se praticassem atos que violavam as bases mesmas dessa afirmativa.9
Mais alguns
exemplos de um período breve, novembro-dezembro de 1942, mostram o alcance do
conhecimento que se poderia obter lendo os jornais. Um pequeno jornal sueco, Vestmansland Tidningen, noticiava a 27
de novembro de 1942 que todo o Governo-Geral estaria livre de judeus em fins do
mês. O Dagens Nyheter de 21 de
dezembro levava a público as impressões de um homem de negócios sueco, que
estivera em Varsóvia e Bialystok, e segundo o qual a população judaica havia
sido dizimada. Volk en Vaderland
(Rotterdam) anunciava a 13 de novembro de 1942 que as manifestações antissemitas
deixariam, dentro em pouco, de ser possíveis, porque já não haveria judeus. O Gardista, de Bratislava, dizia a 22 de
novembro que se realizara uma reunião de alto nível na Eslováquia, sobre a
"solução final"; a 6 de dezembro o mesmo jornal anunciava que um
padre local havia sido preso por ter falsificado certidões para salvar judeus.
O Transocean anunciou a 7 de janeiro
de 1943 que 77% de todos os judeus eslovacos haviam sido deportados. O Leipziger Nachriten de 14 de novembro de 1942 escrevia que dos 60.000 judeus
que viviam em Cernauti, apenas 12.000 restavam; o Abend (Praga) publicou uma
notícia segundo a qual não restavam judeus na cidade de Nachod. Jornais em
tcheco publicaram notícias semelhantes sobre outras cidades. O Donauzeitung (Belgrado, 10 de dezembro
de 1942) noticiava que na cidade romena de Bacau a escola judaica havia sido
fechada e as autoridades haviam assumido seu controle; o Kauener Zeitung (Kovno, 16 de dezembro) disse que todas as antigas
propriedades de judeus na Lituânia tinham de ser registradas.
O quadro que
se configura é inequívoco — o desaparecimento dos judeus. É certo que houve
também notícias falsas: a visita de Fritz Fiala, correspondente nazista, a
Auschwitz, patrocinada oficialmente, é mencionada noutra parte deste estudo
(pp. 138-139). Mas também havia informações erróneas em publicações mais ou
menos acadêmicas. Assim, Ostland,
revista bimensal, publicou em seus números de 15 de novembro e 19 de dezembro
de 1942 artigos sobre a "conclusão da relocalização dos judeus" com
muitos números, todos totalmente errados. Segundo o artigo de 15 de novembro,
havia 480.000 judeus no gueto de Varsóvia, mas na verdade quase 90% deles
haviam sido mortos nos quatro meses anteriores. O número fornecido para os
distritos de Varsóvia e Lublin (800.000) era igualmente inverídico. A 19 de
dezembro havia uma lista de 55 "lugares de residência de judeus",
completa com o atual número de residentes, a maioria dos quais já não existia
mais. Seria um simples erro? Dificilmente, pois Ostland havia, em ocasiões anteriores, feito comentários sobre o
"extermínio" e a "mudança" dos judeus poloneses, e mesmo
sobre a "extirpação da úlcera judia" (19 de agosto de 1942). Os
leitores da imprensa diária em alemão podiam encontrar afirmações explícitas
como "Conseguimos, em grande parte, vencer e destruir o núcleo racial do
poder judaico das trevas. Durante muitas gerações, nenhuma corrente de
parasitas sairá dos meios judaicos do Leste para a Europa ocidental." Essa
declaração só era passível de uma interpretação.
Quando a
declaração conjunta dos Aliados sobre o assassinato dos judeus foi divulgada em
dezembro de 1942, a imprensa alemã, seguindo a orientação de Goebbels,
contra-atacou imediatamente, sem porém negar de alguma maneira o sentido
verdadeiro das acusações. O Transocean
(17 de dezembro) disse que os governos Aliados dependiam dos desejos políticos
dos judeus, em grande parte de modo excepcional, e que manifestações contra os
Aliados haviam sido feitas na Pérsia. O correspondente diplomático da DNB, a
agência oficial de notícias, afirmou que a declaração de Éden era apenas uma
propaganda típica dos britânicos, do gênero atrocidades contra os judeus:
"Pessoas que não tiveram nenhuma palavra de piedade e condenação quando em
setembro de 1939 mais de 60.000 alemães na Polônia foram mortos da maneira mais
cruel — homens, mulheres e crianças — não têm o direito de falar de humanidade,
pois ela lhes é evidentemente estranha." Os europeus sabiam que a
declaração era uma manobra tendenciosa (18 de dezembro).
Poucos meses
depois a imprensa alemã noticiava que o gueto de Varsóvia havia sido destruído.
O Donauzeitung de 23 de março de 1943
anunciava que a "dissolução" do bairro judeu em Varsóvia tinha
"exigido medidas extraordinárias para tornar novamente habitáveis as ruas
e casas, pois seu estado desafiava qualquer descrição". Ao mesmo tempo, a
imprensa escandinava noticiava a destruição dos guetos de Riga e Minsk e o fato
de que haviam sido desinfetados para acolher 150.000 alemães evacuados da
Alemanha. Em Lvov, de acordo com essas fontes, 7.000 judeus de um total de
160.000 permaneceram, tendo sido mortos os demais. Tudo isso tende a mostrar
que os fatos básicos sobre a destruição dos judeus da Europa foram noticiados
pela imprensa bem antes do término da guerra.
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Fonte:
O Terrível Segredo, por: Walter Laqueur. Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1981, págs. 196-200.
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