terça-feira, 21 de junho de 2016

Comentários da imprensa sobre o holocausto na Europa ocupada pelos nazistas

Comentários da imprensa sobre o holocausto na Europa ocupada pelos nazistas
O que se sabia em Londres e Genebra, em Washington e Estocolmo, sobre o destino dos judeus europeus, à base das notícias publicadas pelos jornais? Detalhes sobre as técnicas de extermínio só foram divulgados em 1942-3, c houve relativamente poucas informações sobre as deportações na imprensa alemã dentro do Reich, na França, na Bélgica e Holanda. Não obstante, ocasionalmente uma parte da verdade se filtrava. Assim, a gazeta oficial alemã", a Reichzanzeiger, anunciava a 12 de abril de 1943 que o sr. Kurt Teichmann de Beuthen, Bismarckstrasse 33, se estava divorciando de sua mulher Sara Teichmann porque ela havia sido evacuada em junho de 1942 "e não se esperava que voltasse mais". ("Por ordem do tribunal local.")
Algumas informações procediam dos correspondentes neutros na Alemanha que, incidentalmente, não tinham de apresentar seus despachos à censura. Eles sabiam, é claro, que seriam expulsos se sua cobertura fosse hostil, ou se tratassem de "assuntos delicados". Mas havia um fluxo constante de informações de jornais, publicados nos países ocupados. Muitos desses jornais eram encontrados em Estocolmo, Zurique ou Lisboa; outros - principalmente os pequenos jornais regionais — não deveriam ser enviados ao estrangeiro, mas de qualquer modo eram recebidos e lidos pelos Aliados e pelos governos aliados no exílio.
Os judeus eslovacos foram os primeiros a serem deportados para a Polônia, na primavera de 1942; os correspondentes suecos em Berlim tiveram conhecimento disso quase que imediatamente, os quais observaram que os alemães continuariam a deportar os judeus, apesar de precisarem muito das locomotivas e dos vagões ferroviários para a próxima ofensiva de primavera. De fins de março de 1942 em diante dificilmente se passava um dia sem alguma notícia sobre a deportação na Grenzbote, de língua alemã, ou no Gardista eslovaco, ambos publicados em Bratislava. A 2 de abril, o Gardista dizia que a intervenção estrangeira em favor dos judeus seria positivamente inútil, e dedicou-se por longo tempo a uma polemica contra certos círculos que queriam proteger os judeus "usando falsos argumentos cristãos". Através dessa polemica vê-se que ambos os lados tinham uma ideia bastante exata da sorte dos judeus na Polônia. Assim, o Evanjelicky Posol (Bratislava) escreveu que as atrocidades contra os judeus não estavam de acordo com os princípios de humanidade e muito menos do cristianismo. Os jornais católicos (Katolicke Noviny e outros) foram ambíguos, argumentando por vezes que os judeus eram, afinal de contas, seres humanos, mas dando, em outras, a impressão de que a igreja não era, em princípio, contra a deportação, desde que não fossem atingidos os judeus convertidos ao cristianismo. O Gardista e outros jornais eslovacos forneceram números precisos, bem regularmente, sobre os judeus deportados.
Outra fonte importante de informações sobre o destino dos judeus no sudeste da Europa era o Donauzeitung, publicado em Belgrado, e que cobria a Hungria, Romênia, lugoslávia e Bulgária. Seus leitores, habituados a ler nas entrelinhas, saberiam o que acontecera aos judeus. Assim, certa ocasião, comentando uma informação de que o governo iugoslavo no exílio em Londres revogara todas as leis antissemitas anteriores a 1941, o jornal anunciou que certos fatos consumados haviam sido criados, que não podiam ser desfeitos. O jornal alemão em Praga (Neue Tag), bem como os jornais tchecos (como o Ceske Slovo), também continham informações frequentes e detalhadas sobre o desaparecimento dos judeus. Nos jornais da Europa ocidental, essas informações eram mais raras, mas também se encontravam. Assim, um jornal holandês anunciou que as deportações se estavam processando tão rapidamente que não restaria nem um judeu na Holanda em junho de 1948.8 Entre os jornais alemães na Europa oriental, o Deutsche Zeitung in Oslland (Riga) era o mais informativo, tanto em relação aos seus desmentidos como em relação às suas informações sobre a destruição de certos guetos.
Em alguns dos Estados da esfera de influência alemã havia discussões abertas ou mal disfarçadas sobre a política judaica alemã. Os finlandeses mostraram sua discordância de muitas maneiras. Assim, a rádio finlandesa anunciou que segundo uma notícia de Berlim (sic) o Cardeal Hinsley havia feito um discurso em Londres dizendo que 700.000 judeus haviam sido executados. O Papa, de acordo com essa notícia, acreditava na exatidão da informação, ao passo que os alemães a negavam enfaticamente. Mas os alemães não haviam divulgado o discurso de Hinsley, e certamente não acrescentaram que o Papa o endossava. Houve críticas abertas ao tratamento dado aos judeus pelos nazistas, não só por socialdemocratas finlandeses como Fagerholm, mas até mesmo por parte de germanófilos, como o professor Eino Kalla, um filósofo, que escreveu que os nazistas não poderiam alegar estar defendendo a civilização europeia, se praticassem atos que violavam as bases mesmas dessa afirmativa.9
Mais alguns exemplos de um período breve, novembro-dezembro de 1942, mostram o alcance do conhecimento que se poderia obter lendo os jornais. Um pequeno jornal sueco, Vestmansland Tidningen, noticiava a 27 de novembro de 1942 que todo o Governo-Geral estaria livre de judeus em fins do mês. O Dagens Nyheter de 21 de dezembro levava a público as impressões de um homem de negócios sueco, que estivera em Varsóvia e Bialystok, e segundo o qual a população judaica havia sido dizimada. Volk en Vaderland (Rotterdam) anunciava a 13 de novembro de 1942 que as manifestações antissemitas deixariam, dentro em pouco, de ser possíveis, porque já não haveria judeus. O Gardista, de Bratislava, dizia a 22 de novembro que se realizara uma reunião de alto nível na Eslováquia, sobre a "solução final"; a 6 de dezembro o mesmo jornal anunciava que um padre local havia sido preso por ter falsificado certidões para salvar judeus. O Transocean anunciou a 7 de janeiro de 1943 que 77% de todos os judeus eslovacos haviam sido deportados. O Leipziger Nachriten de 14 de novembro de 1942 escrevia que dos 60.000 judeus que viviam em Cernauti, apenas 12.000 restavam; o Abend (Praga) publicou uma notícia segundo a qual não restavam judeus na cidade de Nachod. Jornais em tcheco publicaram notícias semelhantes sobre outras cidades. O Donauzeitung (Belgrado, 10 de dezembro de 1942) noticiava que na cidade romena de Bacau a escola judaica havia sido fechada e as autoridades haviam assumido seu controle; o Kauener Zeitung (Kovno, 16 de dezembro) disse que todas as antigas propriedades de judeus na Lituânia tinham de ser registradas.
O quadro que se configura é inequívoco — o desaparecimento dos judeus. É certo que houve também notícias falsas: a visita de Fritz Fiala, correspondente nazista, a Auschwitz, patrocinada oficialmente, é mencionada noutra parte deste estudo (pp. 138-139). Mas também havia informações erróneas em publicações mais ou menos acadêmicas. Assim, Ostland, revista bimensal, publicou em seus números de 15 de novembro e 19 de dezembro de 1942 artigos sobre a "conclusão da relocalização dos judeus" com muitos números, todos totalmente errados. Segundo o artigo de 15 de novembro, havia 480.000 judeus no gueto de Varsóvia, mas na verdade quase 90% deles haviam sido mortos nos quatro meses anteriores. O número fornecido para os distritos de Varsóvia e Lublin (800.000) era igualmente inverídico. A 19 de dezembro havia uma lista de 55 "lugares de residência de judeus", completa com o atual número de residentes, a maioria dos quais já não existia mais. Seria um simples erro? Dificilmente, pois Ostland havia, em ocasiões anteriores, feito comentários sobre o "extermínio" e a "mudança" dos judeus poloneses, e mesmo sobre a "extirpação da úlcera judia" (19 de agosto de 1942). Os leitores da imprensa diária em alemão podiam encontrar afirmações explícitas como "Conseguimos, em grande parte, vencer e destruir o núcleo racial do poder judaico das trevas. Durante muitas gerações, nenhuma corrente de parasitas sairá dos meios judaicos do Leste para a Europa ocidental." Essa declaração só era passível de uma interpretação.
Quando a declaração conjunta dos Aliados sobre o assassinato dos judeus foi divulgada em dezembro de 1942, a imprensa alemã, seguindo a orientação de Goebbels, contra-atacou imediatamente, sem porém negar de alguma maneira o sentido verdadeiro das acusações. O Transocean (17 de dezembro) disse que os governos Aliados dependiam dos desejos políticos dos judeus, em grande parte de modo excepcional, e que manifestações contra os Aliados haviam sido feitas na Pérsia. O correspondente diplomático da DNB, a agência oficial de notícias, afirmou que a declaração de Éden era apenas uma propaganda típica dos britânicos, do gênero atrocidades contra os judeus: "Pessoas que não tiveram nenhuma palavra de piedade e condenação quando em setembro de 1939 mais de 60.000 alemães na Polônia foram mortos da maneira mais cruel — homens, mulheres e crianças — não têm o direito de falar de humanidade, pois ela lhes é evidentemente estranha." Os europeus sabiam que a declaração era uma manobra tendenciosa (18 de dezembro).
Poucos meses depois a imprensa alemã noticiava que o gueto de Varsóvia havia sido destruído. O Donauzeitung de 23 de março de 1943 anunciava que a "dissolução" do bairro judeu em Varsóvia tinha "exigido medidas extraordinárias para tornar novamente habitáveis as ruas e casas, pois seu estado desafiava qualquer descrição". Ao mesmo tempo, a imprensa escandinava noticiava a destruição dos guetos de Riga e Minsk e o fato de que haviam sido desinfetados para acolher 150.000 alemães evacuados da Alemanha. Em Lvov, de acordo com essas fontes, 7.000 judeus de um total de 160.000 permaneceram, tendo sido mortos os demais. Tudo isso tende a mostrar que os fatos básicos sobre a destruição dos judeus da Europa foram noticiados pela imprensa bem antes do término da guerra.


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Fonte:
O Terrível Segredo, por: Walter Laqueur. Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1981, págs. 196-200.

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