domingo, 19 de junho de 2016

As novelas de cavalaria e a literatura de cordel

As novelas de cavalaria e a literatura de cordel
As novelas de cavalaria constituem um exemplo expressivo da influência dos povos ibéricos na formação da cultura brasileira. Trazidas pelos colonizadores, essas narrativas acabaram se incorporando à nossa cultura popular, principalmente a da região nordestina, onde a literatura de cordel até hoje reflete essa influência.
Dentre os vários tipos de cordel, destacam-se os "romances" (em prosa ou verso), que contam as histórias de cavaleiros e damas famosos e lendários, tais como Carlos Magno e os doze pares de França. Observe que, à semelhança da novela Amadis de Gaula, esses "romances" de cordel também são feitos para serem lidos em voz alta.
Para uma rápida visão de conjunto das origens do cordel, leia este trecho de Marlyse Meyer:
"Sempre foi muito vivo no Nordeste o costume das histórias narradas nos serões familiares, nas varandas das fazendas de gado, na casa-grande e nas roças dos engenhos de cana-de-açúcar. Esse costume proveio de uma longa tradição ibérica, dos romanceros, das histórias de Carlos Magno e dos doze pares de França e outros grandes livros populares. Originou-se também de contos maravilhosos de 'varinha de condão', de bichos falantes, de bois - sobretudo na região nordestina, onde se desenvolveu o 'ciclo do gado', e ainda de histórias do folclore universal e africano - estas trazidas pelos escravos, acostumados à narrativa oral em suas terras de origem.
As histórias eram veiculadas por cantadores ambulantes, que iam de fazenda em fazenda, de feira em feira, transmitindo notícias de um lugar para outro, aproximando as pessoas. Reproduziam histórias, inventando cantos, improvisos, repentes, desafios e pelejas entre cantadores.
Contadores de histórias e cantadores de cantorias sempre estiveram associados ao mundo nordestino, no seu duplo sistema de organização: pastoril, do interior sertanejo - ao qual virá acrescentar-se posteriormente o plantio de algodão; e agrícola, no mundo fechado da cana-de-açúcar do litoral. Pode-se explicar isto pelas características do Nordeste:
'As condições sociais de formação do Nordeste como que predispuseram para que pudesse surgir, desenvolver-se e tomar características próprias este tipo de manifestação cultural... A organização da sociedade patriarcal, o surgimento de manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrio econômico e social, as lutas de família (...) deram oportunidade para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores como instrumentos do pensamento coletivo, das manifestações da memória popular'.
Embora nem sempre seja satisfatório explicar os traços culturais pelas peculiaridades sociais da região, não há como não se espantar diante da incrível criatividade, do sentido de festa, da veia poética da gente nordestina. Essa gente inventou toda uma literatura oral e escrita, todo um sistema poético e musical, onde versos, ritmos, imagens se irmanam estreitamente com sua peculiar realidade.
A seguir, temos um trecho de um desses "romances" inspirados em tradições medievais, escrito por Leandro Gomes de Barros (1865-1918), um dos principais autores de cordel do Brasil. 


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Fonte:
Estudos de Língua e Literatura, por: Douglas Tufano. Editora Moderna, 4ª Edição. São Paulo, 1992, págs. 124-125.

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