segunda-feira, 20 de junho de 2016

Modernismo Brasileiro

Modernismo Brasileiro
Inquietações modernistas
Enquanto ocorria no Brasil um acentuado desenvolvimento industrial e urbano, com profundas modificações na vida social do país, em decorrência principalmente da Primeira Guerra Mundial, o mesmo não acontecia no campo artístico. A nossa literatura permanecia ainda presa aos velhos modelos acadêmicos, basicamente parnasiana na linguagem, refletindo nas primeiras décadas do século XX a postura do século anterior.
Houve, no entanto, alguns escritores nesse período, como por exemplo Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto, que, embora presos ainda à linguagem tradicional, manifestaram uma consciência crítica da realidade brasileira, revelando uma visão mais aguda de nossos problemas sociais.
Enquanto na Europa, e sobretudo na França, ocorria uma onda de renovação artística e cultural, no Brasil essa inquietação manifestava-se timidamente em alguns grupos isolados do Rio de Janeiro e de São Paulo, na época os principais centros culturais do país.
Em 1912 o jovem escritor Oswald de Andrade, na Europa, toma conhecimento das ideias futuristas que mais tarde seriam divulgadas em São Paulo. Nesse mesmo tempo Manuel Bandeira, outro novo poeta, entra em contato na Suíça com a literatura pós-simbolista. Em 1915 um brasileiro, Ronald de Carvalho, toma parte na fundação da revista Orpheu, que assinala o início da vanguarda futurista em Portugal. Funda-se em 1916 a Revista do Brasil, marcada por uma linha nacionalista.
Pouco a pouco começam a se formar grupos de escritores e artistas que, embora não tivessem ainda uma consciência clara e definida do que queriam, sentiam que a nossa arte devia abandonar os velhos e gastos padrões e buscar novos caminhos.
Vendo na Academia Brasileira de Letras uma espécie de representação oficial do tradicionalismo literário estéril e pomposo, os jovens escritores passaram a atacá-la, reivindicando o direito de explorar novos temas e de elaborar uma nova linguagem literária.

A exposição de Anita Malfatti
Um fato importante pela polemica que provocou foi a exposição de pintura moderna feita por Anita Malfatti nos meses de dezembro de 1917 e janeiro de 1918, em São Paulo.
Voltando de uma viagem feita à Europa e aos Estados Unidos, onde entrara em contato com a arte moderna, Anita Malfatti, incentivada por alguns amigos, resolveu fazer uma exposição de suas últimas obras.
No acanhado meio artístico paulistano a exposição provocou comentários variados, tanto a favor como contra. Entretanto, o que realmente desencadeou a polemica, em torno não só da pintora mas principalmente da questão da validade da nova arte, foi um artigo escrito por Monteiro Lobato, na época crítico do jornal O Estado de S. Paulo, na seção Artes e Artistas e que ficou conhecido pelo título de "Paranoia ou mistificação?".
Apesar da lucidez com que debatia certos problemas brasileiros e das intenções renovadoras que possuía, Monteiro Lobato, nessa questão de pintura moderna, mostrou-se totalmente passadista, criticando violentamente a nova arte, chegando a ridicularizá-la.
Para você ter uma ideia da violência dessa crítica considere este trecho:
"Há duas espécies de artista. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. (...) A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento. Embora eles se deem como novos, precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranoia e com a mistificação. De há muito já que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura."
E em outro trecho, falando a respeito da arte moderna em geral:
"Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e 'tutti quanti' não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura onde não havia até agora penetrado."
Essa crítica precipitada de Monteiro Lobato provocou ressentimentos em Anita Malfatti, mas ao mesmo tempo despertou uma atitude de simpatia com relação a ela de um grupo de artistas jovens, resultando manifestações de repúdio às concepções tradicionais de arte.
Oswald de Andrade, por exemplo, escreveu no Jornal do Comércio em 11/01/1918:
"Possuidora de uma alta consciência do que faz, levada por um notável instinto para a apaixonada eleição dos seus assuntos e da sua maneira, a vibrante artista não temeu levantar com os seus cinquenta trabalhos as mais irritadas opiniões e as mais contrariantes hostilidades. Era natural que elas surgissem no acanhamento da nossa vida artística. A impressão inicial que produzem os seus quadros é de originalidade e de diferente visão. As suas telas chocam o preconceito fotográfico que geralmente se leva no espírito para as nossas exposições de pintura."
Dentre os que prestigiaram Anita Malfatti estavam, além de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Di Cavalcanti, Guilherme de Almeida e Ribeiro Couto, que junto com outros artistas organizariam alguns anos mais tarde, em 1922, a Semana de Arte Moderna.

Divulgação das novas ideias
O ano de 1917 marca também o início da amizade entre Oswald de Andrade e Mário de Andrade, que tanto dinamismo daria ao movimento modernista.
São publicados nesse ano alguns livros que, embora não totalmente revolucionários quanto ao estilo, já trazem algumas inovações e provocam comentários. É o caso de A cinza das horas, de Manuel Bandeira, e Nós, de Guilherme de Almeida, além da estreia de Mário de Andrade, com o pseudônimo de Mário Sobral, publicando Há uma gota de sangue em cada poema.
Em 1920, um grupo de modernistas "descobre" a arte de um jovem escultor, Victor Brecheret, passando a elogiá-lo e a divulgar seu nome. Até Monteiro Lobato, que anos antes tinha sido tão reacionário com relação à pintura moderna, reage favoravelmente e não poupa elogios ao artista.
As novas ideias começam a circular rapidamente. Em 24/01/1921, o Correio Paulistano publica um texto de Menotti dei Picchia em que são expostos os princípios do novo grupo de escritores, e que foram assim resumidos pelo crítico Mário da Silva Brito:
a) o rompimento com o passado, ou seja, a repulsa às concepções românticas, parnasianas e realistas; b) a independência mental brasileira, abandonando-se as sugestões europeias, mormente as lusitanas e gaulesas; c) uma nova técnica para a representação da vida em vista de que os processos antigos ou conhecidos não apreendem mais os problemas contemporâneos; d) outra expressão verbal para a criação literária, que não é mais a mera transcrição naturalista mas recriação artística, transposição para o plano da arte das realidades vitais."
Nesse mesmo ano, Mário de Andrade publica uma série de sete estudos sobre os mais destacados poetas do Parnasianismo: Francisca Júlia, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho.
Esses estudos, intitulados Mestres do passado, constituem uma análise crítica e aguda da famosa geração parnasiana, e Mário de Andrade, ao apontar-lhes os méritos, não hesita em demonstrar suas fragilidades e vícios literários, concluindo que realmente a hora do Parnasianismo já tinha passado e que esses poetas não ofereciam mais nenhum interesse e nem poderiam servir de inspiração para os escritores das novas gerações.
No fim de 1921 intensificaram-se os contatos entre os jovens artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. O escritor consagrado Graça Aranha, apesar de pertencer à Academia Brasileira de Letras, resolve aderir às novas ideias e começa a participar do movimento.
Como se pode perceber, havia na época uma grande agitação e um clima de debates e reivindicações. A proximidade das comemorações do Centenário da Independência, para as quais se preparava todo o país, reforça a ideia lançada pelo pintor Di Cavalcanti de se organizar uma exposição de arte moderna, que estaria destinada a ser o marco definitivo do Modernismo no Brasil.

A Semana de Arte Moderna de 1922
Depois da publicidade na imprensa, tendo sido convidadas figuras destacadas da sociedade, foram realizados três espetáculos no Teatro Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro.
No saguão do teatro, durante toda a semana, foi instalada uma exposição de artes plásticas que incluía trabalhos dos artistas Victor Brecheret, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Vicente Rego Monteiro, entre outros.
No dia 13, Graça Aranha abriu a Semana com a palestra Emoção estética na obra de arte, onde propunha a renovação das artes e das letras. Houve, em seguida, declamações de textos modernos e a execução de uma composição musical de Villa-Lobos, além de uma conferência de Ronald de Carvalho sobre a pintura e a escultura modernas no Brasil. O programa dessa noite encerrou-se com a execução de peças musicais.
A noite de 15 de fevereiro foi a mais agitada. Abriu o espetáculo Menotti dei Picchia com a palestra Arte moderna, cuja reivindicação de liberdade e renovação provocou apartes e vaias. Eis alguns trechos de sua palestra:
"A nossa estética é de reação. Como tal, é guerreira."
"Queremos exprimir nossa mais livre espontaneidade dentro da mais espontânea liberdade. Ser, como somos, sinceros, sem artificialismos, sem contorcionismos, sem escolas."
"Nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso: queremos escrever com sangue — que é humanidade; com eletricidade — que é movimento, expressão dinâmica do século; violência — que é energia bandeirante."
Alguns jovens escritores também foram apresentados e declamaram versos modernos, a que se seguiu uma ruidosa reação do público. A pianista Guiomar Novaes encerrou a primeira parte, acalmando um pouco a situação.
No intervalo, perante um público espantado pelas obras de arte expostas no saguão, Mário de Andrade fez uma palestra sobre artes plásticas. Referindo-se a esse episódio, vinte anos mais tarde, diria ele: "Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do Teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?..."
A segunda parte, mais tranquila, constou de execuções de peças musicais.
Na noite de 17 de fevereiro, encerrou-se a Semana com a apresentação de músicas de Villa-Lobos.
Podemos dizer que, apesar das críticas e dos obstáculos, a Semana de Arte Moderna de 1922 conseguiu o que pretendia: a divulgação aberta de que existia uma outra geração de artistas que lutava pela renovação da arte brasileira, rejeitando o tradicionalismo e as convenções antiquadas, contribuindo para dar um impulso decisivo à atualização da cultura no Brasil.


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Fonte:
Estudos de Língua e Literatura, Volume 3, por: Douglas Tufano. Editora Moderna, 2ª Edição. São Paulo, 1984,  págs. 18-23.

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