O livro como objeto de luxo. O negócio de
livros
Vimos que os
primeiros livros impressos tentavam imitar as ilustrações dos manuscritos — iniciais, margens, cólofons — com desenhos finais chamados remates ou cul de lampe. A utilização de gravuras
de madeira — xilogravuras — permitia decorar os textos, que ate podiam ser
coloridos manualmente. No entanto, já por meios
mecânicos, o alemão E. Radolt. colaborador de Aldo Manuzio, criava em Veneza
Impressões policromas. que permitiam ótimas edições ilustradas das obras de
Dante e Boccacio. Jean Dupre, em França, conseguia imitar, com técnicas de
impressão parecidas, as riquíssimas ilustrações dos missais ou livros de horas, decorados pelos
mini turistas dos manuscritos. Quanto às edições espanholas, recordaremos que a
edição da Bíblia Poliglota apresenta em cada volume paginas impressas em negro e em
vermelho, com o brasão do cardeal Cisneros desenhado primorosamente. Para
finalizar, devemos assinalar que a técnica da gravura xilográfica se enriquece
posteriormente com o aparecimento da gravura a aço, de traço muito mais fino e
matizado. Se juntarmos os dados que anotamos em relação com o enriquecimento
das encadernações, chegaremos à conclusão que o livro, que já não é propriedade
da Igreja, nos scriptorios monacais,
se vai transformando progressivamente num objeto colacionável para o escolar
humanista, e para o homem laico que deseja (e já pode fazê-lo) possuir uma
biblioteca privada para seu uso e prazer pessoais. Devemos recordar aqui que,
por exemplo, Boccacio e Petrarca juntaram nas suas bibliotecas preciosos
manuscritos gregos e latinos.
Isto
leva-nos a assinalar o valor da biblioteca como sinal do poder e até, da ostentação
de determinadas pessoas. Com esta apetência bibliográfica encontramos a figura
do marquês de Santillana, cuja biblioteca (estudada por Mário Schiff) permite
conhecer seu interesse por toda a literatura antiga e moderna.
O livro
começa a ser um objeto de luxo. As encadernações, já mencionadas no capitulo anterior
(em couro: marroquim, cordoban, carneiro) tornam-se cada vez mais ricas através
do gofrado (enfeites em relevo obtidos com ferros quentes). Mais tarde
gravaram-se placas de metal do tamanho da capa, no intuito de realizar a
operação ia referida de uma vez só. Esta técnica aproveitava motivos
ornamentais clássicos — greco-romanos — e, também, a partir do século XV, temas
geométricos de origem islâmica (arabescos),
ou de nítida influência persa, de rico colorido dourado (chamado ser-i-lauh),
técnica que utilizava pôs ou placas de ouro. Outro instrumento para decorar as
encadernações era a roda, que corria
ao longo das capas para decorar margens. Os nervos,
que assinalavam a ligadura dos cadernos do livro, se convertem em elementos
decorativos da lombada.
Finalmente,
os ingleses iniciaram o tipo de encadernação bordada, a que se seguiu, na
França do século XVIII, a imitação das rendas (fers à Ia dentelle).
Existiam já
encadernações editoriais privativas de um determinado editor (são famosas as de
Aldo Manuzio, Griunta, Canevari, Grolier) que assinava as suas obras Grolier et amicorum — Jacob Krause).
Aparece de
novo — como na época romana — o colecionador ou amigo dos livros — bibliófilo —
que tem prazer em assinalar, com algum enfeite especial, os exemplares da sua
coleção particular. Começam-se a valorizar as primeiras edições (edições
Princeps).
A ilustração
interior do livro tem neste período, um desenvolvimento notável. À gravação em
madeira sucede-se a água forte, que
consiste em desenhar, com um estilete, sobre uma placa de cobre envernizada e
encher as incisões com ácido nítrico. Ao ser coberto de tinta, podem-se obter
reproduções em papel, com traços muito mais finos e matizados que os da
gravação em madeira. Os nomes de Holbein e Durero aparecem ligados a este
processo, a que deu novos coloridos o famoso astrônomo dinamarquês Tycho Brahe.
que marca o auge do novo estilo. A partir deste período, as páginas dos livros
enchem-se de frontispícios, de orlas nas capas, e de verdadeiras
ilustrações de figuras e de paisagens. Assim, por exemplo. Rubens cria esboços
(inventio) que outro artista desenha
(delineavit) e outro transfere para a
placa de cobre (sculpsito). As
gravuras de mapas, vistas de cidades, animais ou plantas. transformam o livro
num amálgama de letras e imagens. Desta forma, os estilos plásticos —
renascimento, barroco, rococó. neoclássico — vão, aparecendo pontualmente nas
ilustrações dos livros.
Tudo isto
está ligado à fabricação do papel, do qual o aparecimento da imprensa aumentou
a necessidade. Através dos árabes, chega a Espanha (Játiva. 1150) o primeiro
moinho de papel, cuja técnica se estendeu imediatamente a toda a Europa,
seguindo o processo tradicional, desde a sua invenção na remota China. Em 1798.
Luis Robert inventa a primeira máquina de fabricar papel.
Tudo isto
nos conduz a uma conclusão evidente: o aparecimento da imprensa significa para
o livro a passagem de um artesanato individual a uma fabricação industrial, que
exige uma organização comercial. Daqui por diante, o livro é um produto, em cujo preço intervêm fatores
nitidamente econômicos: qualidade da matéria-prima (neste caso intelectual)
valor dos custos e sua incidência no que se refere ao número de exemplares (a
maior número menor custo), operação de distribuição comercial e fator venda.
Os primeiros
impressores eram pessoas "vivas", que desde Alemanha — se espalhavam
pela Europa para dar a conhecer (e explorar) o maravilhoso invento a que um
humanista espanhol chamou "divino". Não devem ter faltado vozes alarmadas
perante essa proliferação do livro permitida por sua fácil reprodução. Assim,
por exemplo, um personagem de Lope de Vega, em Fuente-ovejuna, refere-se ao
acontecimento:
Deve-se este
invento a Gutemberg. um famoso alemão de Moguncia, em quem a fama seu valor
renuncia.
Mas muitos
dos que tinham uma opinião severa, por imprimir as suas obras, a perderam; além
disto, com o nome de quem sabe, muitos suas ignorâncias imprimiram.
Outro poeta,
o inglês Alexander Pope (1728) explica na sua obra The Dunciad o alarme que lhe causa uma tal proliferação do livro
impresso. O certo é que o livro é já uma mercadoria que começa a
multiplicar-se. Para além do impressor nômade, aparece o vendedor ambulante e surgem os primeiros grandes mercados europeus:
Frankfurt, Paris, Augsburgo. Já nesta época adquire fama a feira do livro de
Leipzig, que se realiza duas vezes por ano e, desde 1564, publica catálogos de
novidades, cuja fama perdura até hoje. Estas feiras apareciam por vezes ligadas
a núcleos espirituais, como aqueles a que a Reforma deu origem, e que transformaram
a cidade de Wittenberg no centro de venda da Bíblia (traduzida por Lutero) assim como de folhetos, coleções de
hinos, etc. A qualidade e abundância dos livros permite, como já dissemos, a
multiplicação das bibliotecas
particulares, a nível de estudiosos, assim como de nobres aficionados à
leitura. Os reis dão o exemplo e Francisco I da França. Filipe II da Espanha, e
Maximiliano da Áustria criam bibliotecas reais.
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Fonte:
O Livro Ontem, Hoje e Amanhã (Biblioteca Salvat de Grandes Temas), por: Guillermo Díaz-Plava. Tradução: Margarida Jacquet e Irineu Garcia. Salvat Editora, 1979, págs. 56-62.
Fonte:
O Livro Ontem, Hoje e Amanhã (Biblioteca Salvat de Grandes Temas), por: Guillermo Díaz-Plava. Tradução: Margarida Jacquet e Irineu Garcia. Salvat Editora, 1979, págs. 56-62.
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