terça-feira, 5 de julho de 2016

Joaquim Manuel de Macedo e seu tempo

Joaquim Manuel de Macedo e seu tempo
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) pode ser considerado o autor romântico mais fiel a seu público, um público leitor, aliás, que ele ajudou a criar no Brasil daqueles tempos, pouco afeito a leituras. Era um público que ele conheceu bem, ao longo de seus quase quarenta anos de carreira e mais de duas dezenas de títulos publicados.
Extraindo personagens e situações da vida social à sua volta, Macedo transpunha para o romance um mundo bastante familiar aos seus leitores. Os tipos humanos eram aqueles que circulavam pelas casas e festas burguesas do Rio de Janeiro: o estudante conquistador, a moça namoradeira, o ancião metido a galã, a garota sapeca, a criada intrometida. A paisagem eram as praias desertas e convidativas ou as matas da Tijuca, por exemplo. E os leitores? Principalmente as moças sonhadoras que tinham tempo de sobra para ler os folhetins e romances. Nada de profunda análise psicológica ou intensos dramas de consciência. Apenas um pouco de suspense, muita emoção passageira, desmaios, imprevistos, cenas cômicas para desanuviar o ambiente e um final feliz. E isso que encontramos, por exemplo, em seu romance mais famoso - A moreninha, que lhe trouxe fama e sucesso, encorajando-o a seguir na carreira literária.
Como afirmou o crítico Astrogildo Pereira: "Macedo põe o casamento no princípio, no meio e no fim de todas as coisas. Tudo nos seus romances gira em torno do casamento, visa ao casamento, acaba em casamento."
Essa característica é, mais uma vez, fruto da preocupação em se manter fiel à realidade que observava à sua volta. Pois que outra preocupação poderia ter uma jovem numa sociedade em que a mulher representava um capital? Os homens, por sua vez, tendo no casamento uma ótima oportunidade para sua escalada social, não seriam por isso frios e calculistas, convertendo o amor em algarismos? Mas apesar da denúncia dessa comercialização dos sentimentos, que seria superiormente tratada por José de Alencar e Machado de Assis, Macedo não permite que o leitor veja sua heroína casada, no final, com um frio caçador de dotes. Ele sempre arranja um jeito de fazer com que a virtude do moço pobre mas sincero seja recompensada, casando-o com a herdeira bela e rica. Os heróis, na ótica do romancista, são seres excepcionais e merecem essa sorte.
Macedo foi também um membro ativo do Conservatório Dramático do Rio de Janeiro, interessando-se desde cedo pelo teatro, para o qual escreveu muitas comédias de cunho social, das quais a mais famosa é A torre em concurso, em que satiriza práticas políticas que, ainda hoje, infelizmente, não desapareceram de todo.
A literatura de Macedo, por seu tom moralizante e bem-humorado, teve livre acesso a todos os lares onde se cultivava a leitura, consagrando-o como um dos romancistas mais populares do século XIX. E as sucessivas reedições de alguns de seus livros mostram que seu estilo literário não foi ainda superado pelo tempo e encontra leitores no século XXI.

A luneta mágica
Em A luneta mágica, de 1869, encontramos um Macedo que se aventura pelo fantástico para compor um painel de crítica social marcado pelo humor e pela irreverência.
O personagem central é Simplício, um homem atormentado por duas espécies de miopia: a física, que o deixa praticamente cego e dependente dos olhos dos outros, e, como consequência, a miopia moral, já que, como sugere seu nome, por ter a vida dirigida por outros, é simplório e crédulo, incapaz de uma visão crítica dos homens e do mundo em que vive.
Simplício vive numa casa com Américo, seu irmão e procurador, com a tia Domingas e a filha, sua prima Anica. Simplício é muito rico e sua fortuna é administrada pelo irmão Américo. Certa vez, conhece alguém que, condoído por sua miopia, leva-o até um misterioso armênio capaz de fazer os mais prodigiosos instrumentos. Esse homem produz uma luneta mágica, isto é, uma lente que, fixada no olho, permite não só uma visão perfeita das coisas como, depois de alguns minutos, que se veja a essência de tudo, até a personalidade e os interesses ocultos das pessoas.
Com esse artifício, Macedo faz com que Simplício tenha uma visão crítica de tudo o que o rodeia. E não só as pessoas se mostram todas interesseiras, vulgares e desonestas, como a própria natureza se revela, no fundo, um lugar de violência e desencanto. Simplício fica então desesperado com essa visão de mundo — que não perdoa evidentemente nem seus próprios familiares nem, para seu infortúnio, seu próprio interior, quando se olha no espelho.
Infeliz e atormentado, quebra a luneta, mas, logo depois, consegue uma outra do mesmo armênio, que então lhe oferece a "visão do bem". Dessa vez, Simplício não vê maldade em nada nem em ninguém, mas isso só lhe traz infelicidade e angústia.
Macedo ilustra essas duas visões extremas da realidade por meio de peripécias mirabolantes e engraçadas que envolvem o leitor. E com esse expediente, critica a vida em sociedade, a corrupção política, a hipocrisia e a vaidade das pessoas — enfim, nada escapa ao olhar severo do romancista. Mas seria o mundo assim mesmo? Como devemos encarar a vida? Se sabemos que a perfeição não existe, como lidar com as imperfeições sem enlouquecer? Só no final dessa aventura é que Simplício parece aprender a suprema lição do bom senso.
Nesta obra, que escapa aos modelos românticos mais comuns de Macedo, temos uma narrativa envolvente, com diálogos vivos que mostram a habilidade adquirida pelo autor em textos teatrais. E uma história que diverte e faz pensar, apresentando um tom irônico e uma surpreendente criatividade narrativa, como no capítulo IV do Epílogo, totalmente em branco, porque o personagem era tão míope que não conseguiu ver o que se passava...
Como fez com os antigos leitores do século XIX, A luneta mágica ainda é capaz de prender nossa atenção e nos fazer pensar o que uma lente poderosa como aquela imaginada por Macedo poderia revelar nos dias de hoje.


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Fonte:
A Luneta Mágica, por: Joaquim Manuel de Macedo. Editora Paulus. São Paulo, 2008, págs. 5-7.

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