quarta-feira, 20 de julho de 2016

Os primórdios da capoeira

Os primórdios da capoeira
A capoeira enquanto manifestação cultural é um tema muito debatido e recebe abordagens diferentes. Uma gama de estudiosos de diversas áreas tem contribuído para o debate em torno desta temática e para conceituar esta prática típica da cultura brasileira, dentre eles o historiador Carlos Eugênio Líbano Soares (1999), um dos estudiosos da capoeira no Brasil.
Abordaremos nesta parte o papel que a capoeira teve no processo de construção da identidade e da resistência negra no Brasil. Para tanto, destacaremos alguns aspectos dessa luta, apontados por pesquisadores da temática, na tentativa de recuperar um pouco de sua história.
De acordo com Almir das Areias (1983)
"a capoeira é música, poesia, festa, brincadeira, diversão e, acima de tudo, uma forma de luta, manifestação e expressão do povo, do oprimido e do homem em geral, em busca da sobrevivência, liberdade e dignidade" (O que é capoeira. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 8).
Segundo esse autor, a história da capoeira passou por quatro fases importantes:
• a do início da escravidão, quando o escravizado, usando apenas o instinto de sobrevivência, tentava usar o seu corpo para livrar-se do sofrimento e fugir;
• a da áurea dos quilombos, na qual a capoeira já era uma das armas necessárias aos quilombolas para a defesa;
• a da proibição oficial da capoeira após a Abolição, e,
• por fim, a fase da sua liberação, no ano de 1932.
Os escravizados não possuíam armas suficientes para se defenderem e descobriram formas de enfrentar as armas inimigas e o julgo da escravidão. A capoeira é uma delas.
Areias ainda nos conta que, inspirando-se na natureza, observando as origas dos animais, as marradas, coices, saltos e botes, utilizando-se das estruturas das manifestações culturais trazidas da África Negra (como, por exemplo, as competições, brincadeiras, praticadas em momentos cerimoniais e religiosos), aproveitando-se dos espaços livres que aqui abriam no interior das matas, os negros criaram e praticaram uma luta de autodefesa para enfrentar o inimigo. É o surgimento da arma do corpo, enfrentando o poder dos senhores, dos feitores e capitães do mato, para defender a qualquer custo o direito à sobrevivência.
Os escravizados, nos dias e momentos de folga, nos terreiros das casas-grandes, nas senzalas ou na porta dos mercados, enquanto esperavam que este se abrisse, costumavam formar círculos e jogavam a capoeira sem, no entanto, ela ser identificada como luta, mas, sim, como uma brincadeira ou jogo.
Através do som do berimbau, atabaque, pandeiro e agogô, da cadência, da ginga do corpo, da simulação de um combate e da improvisação das cantigas e ladainhas, eles expressavam sua maneira de ser e existir.
O berimbau, instrumento principal, servia para dar o toque de aviso da chegada do inimigo, de pessoas estranhas ou do feitor quando praticavam a capoeira às escondidas. Ao mesmo tempo, o instrumento marcava o tempo, o ritmo e o andamento da dança. A dança, representada pela ginga do corpo, servia para disfarçar o caráter de luta, dando-lhe uma expressão lúdica e inofensiva.
Ainda segundo Almir das Areias (1983), antes do familiar som do berimbau que hoje conhecemos (um arco com um arame, uma cabaça, uma moeda e um pedaço de pau, denominado "berimbau-de-barriga", ou "gunga"), havia um outro tipo de berimbau, denominado "berimbau-de-boca" ou "trompa de Paris". A caixa de ressonância deste instrumento era a própria boca dos negros, em vez da cabaça. Isso nos lembra algumas das estratégias musicais dos jovens negros do movimento hip-hop, que também usam a boca como caixa de ressonância para elaborar seus sons e ritmos.
A prática da capoeira possui uma estrutura complexa. Cada elemento pode ser compreendido como parte de uma grande estrutura: a roda, o jogo, o corpo e os instrumentos. Cada um possui significados, rituais, ritmos específicos que, no seu conjunto, constituem o jogo, a luta, a arte, a expressão corporal e uma forma de discurso não-verbal.


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Fonte:
Temas de Estudo: Para Entender o Brasil de Hoje, por: Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes. Global Editora. FND. Prefeitura de São Paulo. São Paulo, 2007, págs. 118-120.

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